ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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1762 - Vol. 45 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1979
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 103 a 110
SÍNDROME DE MELKERSSON-ROSENTHAL
Autor(es):
* Antonio Cesar Bernardes Augusto
* Carlos Augusto Sotteno
* Clodomiro Cruz Stábile
** Dr. Lázaro Gilberto Formigoni

Resumo: Os autores frente a um caso de paralisia facial periférica com ocorrência familiar de língua duplicata fazem uma revisão de literatura sobre a síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL, discutindo o caso frente os conhecimentos adquiridos.

HISTÓRICO

A Síndrome de Melkersson-Rosenthal consiste de uma tríade sintomática:
1 - paralisia facial periférica recidivante;
2 - edema facial;
3 - língua duplicata, tendo sido definida por HORNSTEIN como uma doença neurocutaneomucosa de origem complexa (20).

As primeiras referências a esta síndrome remontam ao século passado, sendo MART, em 1859, o primeiro a notar a alta incidência de paralisia facial e edema facial concomitantemente. Mais tarde, em 1891, FRANKL-HOCHWARTH, em 1894, HUBSCHMANN e, em 1901, ROSSOLIMO também relataram casos de paralisia facial recidivante e edema facial, sendo que ROSSOLIMO notou ainda que uma das pacientes também era portadora "de uma língua com profundos sulcos e reentrâncias" (22).

MELKERSSON, em 1928, publicou vários casos relacionando paralisia facial periférica recidivante e edema angloneurótico de face estabelecendo o caráter sindrômico (22).

ROSENTHAL, em 1931, descreveu casos onde notou a concomitâncla de paralisia facial, edema de face e um terceiro componente, a língua duplicata, tendo sido seu nome desde então colocado junto ao de MELKERSSON na dominação da síndrome, fato que ainda hoje suscita a discussão de vários autores sobre a real Importância da descoberta de ROSENTHAL em função da síndrome de MELKERSSON (22).

ETIOPATOGENIA
A verdadeira etiologia da síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL é desconhecida. Desde a sua descrição várias hipóteses foram aventadas como causas etiológicas prováveis, sendo que apresentaremos algumas delas.

I - TEORIA HEREDITÁRIA
Vários autores concordam que o caráter genético da síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL é extremamente marcante (4,23,35,40), sendo que alguns encaram a presença da língua duplicata como um estigma familiar (4,35).

II - TEORIA INFECCIOSA
Entre as infecções que já foram apontadas como prováveis agentes etiológicos encontramos: Sarcoidose e tuberculose (12); lepra, sífilis e toxoplasmose (6); infecções mistas de garganta, dentes e rinossinusais (7,32,38); viroses (7.8).

III - TEORIA NEUROVEGETATiVA
Esta teoria baseia-se no fato de que uma disfunção do sistema nervoso parassimpático poderia gerar a tríade sintomática (5,9,22,31,39), sendo que alguns acham que este distúrbio seria hereditário (5) e outros consideram-no como uma resposta anormal a um estímulo inespecífico (31,39).

IV - TEORIA ALERGO-IMUNOLÓGICA
Baseia-se no dado indireto da boa resposta terapêutica conseguida com corticosteróides (5).

V - TEORIA TRAUMÁTICA
Em alguns casos houve história de traumatismos locais (16,20).

QUADRO CLINICO

INCIDÊNCIA
Parece não haver diferença significante de incidência com relação ao sexo (15,21,22,24,29,30,34) nem com respeito á raça dos pacientes (28,39).

Quanto à idade parece que a síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL incide principalmente durante a infância e adolescência (15,22,34,40) sendo que BUTENSCHON afirma que na infância as mulheres parecem ser mais afetadas que os homens (2).

SINTOMAS E SINAIS
Podem ser didaticamente divididos em locais e gerais (5).

LOCAIS
Os sintomas e sinais locais correspondem à tríade sintomática.
A paralisia facial é encontrada em 40 a 50% dos casos (13,40), parecendo ser o primeiro sintoma a aparecer (22,34,40). Ela tende a ser bilateral e recurrencial, de tipo periférico, sendo uma instalação de rapidez variável (22).

O edema de face incide em 93% dos casos acometendo os lábios na maior parte das vezes (66%) (40). Seu início é súbita desenvolvendo-se em poucas horas ou de forma gradual sendo também a sua duração variável. Localiza-se preferencialmente no lábio superior, mas pode ser encontrado em qualquer dos pontos inervados pelo VII° par (22,40). A pele apresenta-se pálida sendo que o edema não é pulsátil nem aparenta tensão, podendo o líquido edematoso verter em vários pontos formando crostas (22). Os edemas podem ser divididos em dois grupos sendo que no primeiro, o recurrencial, a regressão do edema é cada vez menor nos ataques subseqüentes enquanto que no segundo, o primariamente crônico, o edema não regride desde o primeiro ataque (10).

A língua duplicata ocorre em 22 a 40% dos pacientes (40). Apesar de também ocorrer edema de língua, a língua duplicata é considerada sinal primário e não uma conseqüência deste edema (10,13,22,36,40). Ela é uma anomalia congênita podendo ser encarada como um estigma de degeneração (22). Este sinal é tão importante que o fato de estar presente em pessoas consideradas possuidoras de alto risco de incidência da síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL estas pessoas podem ser consideradas portadoras de formas frustra (37) ou abortiva da sindrome (5).

GERAIS
Somando-se aos sintomas e sinais locais podem ocorrer alguns gerais, inconstantes, localizados preferencialmente na cabeça e que são explicáveis pela labilidade do sistema nervoso autónomo (22).

São citados como sintomas gerais afecções de outros pares cranianos (hipoestesias, hiposmia, distúrbios gustativos, zumbidos, etc), outras afecções neurológicas (enxaqueca, hipertensão liquórica, etc), edemas extrafaciais, anomalias bucais (macroglossia, pregas de mucosa, etc.), alterações oculares (opacificação corneal, exoftalmo, etc.), rinossinusais (rinite vasomotora), glandulares (quantidade de saliva, hipersecreção lacrimal, etc.), fenómeno de Raynaud, dermatografismo, etc. (5).

ANATOMIA PATOLÓGICA

Histopatologia da Afecção Labial
Enquanto vários autores referem somente edema do tecido conectivo e muscular, congestão vascular e discreto infiltràdo linfocitário perivascular (10, 11,16,17,22,25,26,27), outros, e principalmente os germânicos, relatam um quadro semelhante ao da queilite granulomatosa de MIESCHER, ou seja, tecido de granulação peri e paravascular localizado e de caráter tuberculóide, sugerindo reação de tipo sarcóide (12,19,33). Vários trabalhos têm sido realizados para confirmar uma das linhas (29,34) mas este ainda é um ponto aberto à discussão.

Histopatologia das Atecções do Nervo Facial

Clinicamente a paralisia facial da sindrome de MELKERSSON-ROSENTHAL não difere da paralisia de BELL, ocorrendo provavelmente devido a isquemia, primária e secundária combinadas, afetando na maior parte dos casos apenas o nervo facial como tecido mais susceptível. KETTEL realizando descompressão do nervo facial em nove pacientes refere que nos casos em que a paralisia era recente o nervo apresentava-se edemaciado, chegando à atrofia nos casos de longa duração. Nos casos em que a interferência com o suprimento sanguíneo é muito severa o osso que envolve o nervo facial também pode sofrer, manifestando-se este sofrimento através de necrose óssea asséptica (22).

DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da sindrome de MELKERSSON-ROSENTHAL é simples quando o quadro clínico é completo mas pode arrastar-se por anos apresenta-se de forma incompleta (15,22).

TRATAMENTO
Uma vez que a etiologia da síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL é desconhecida torna-se difícil a instituição de terapêutica adequada, adotandose tratamentos sintomáticos (15).

Muitas medidas terapêuticas foram propostas em função das hipóteses etiológicas formuladas, mas estas tentativas somente surtiram efeito em alguns casos. Entre estas medidas encontramos a erradicação de focos da cavidade bucal, tuberculostáticos, vitaminoterapia (D e B), antimaláricos e muitos outros (15).

A paralisia facial por ser clínica e fisiopatológicamente semelhante à paralisia de BELL pode ser tratada da mesma forma, isto é, com o uso de drogas vasodilatadoras (papaverina, ácido nïcotinico, etc.) e corticosteróides em doses antiinflamatórias (22). A descompressão cirúrgica do nervo facial é bastante discutida pois, apesar da sua eficácia, não previne as recorrências podendo funcionar como medida preventiva de uma desfiguração a longo prazo (1 ,3,18, 22,39).

O edema facial pode instalar-se em caráter permanente prejudicando a estética dos pacientes. Nestes casos os autores sugerem a utilização de técnicas e substâncias (crioterapia, eletrodissecção, água fervente, uréia, radioterapia, etc.) cuja finalidade seria reduzir o volume dos tecidos através da fibrose (27, 37,40). A plástica corretiva deve ser encarada como último recurso pois não previne as recurrências (27).

Uma vez vistos os cuidados tardios relacionados à paralisia facial e ao edema de face, deve-se lembrar que na fase aguda da paralisia não podemos permitir a ocorrência de atrofia da musculatura e na do edema de face deve-se prevenir rachaduras da pele e tecidos adjacentes (22).

APRESENTAÇÃO DE UM CASO

IDENTIFICAÇÃO
Prontuário HC - 140.679 Prontuário I Cr - 2.072 Idade - 1' 8m - Sexo feminino Cor - preta
Procedência - São Paulo - Capital

HISTÓRIA DA MOLÉSTIA ATUAL
1.º consulta (08/09/77): há 11 dias a paciente apresentou paralisia facial à direita, sem quaisquer prodromos ou relação com a temperatura ambiental. Refere febre discreta e passageira há 16 dias.

ANTECEDENTES PESSOAIS
A paciente estava em seguimento no Instituto da Criança onde iniciou tratamento com os seguintes diagnósticos:

a - erro de alimentação
b - erro de imunização
c - Infecções devias aéreas superiores freqüentes
d - amigdalite e faringite crônicas.

Nesta ocasião foi realizada reação de Mantoux, sendo o resultado positivo (15mm) em 19101177, tendo sido tratada com Hidrazida na dose de 100 mg por dia durante 6 meses.

ANTECEDENTES FAMILIARES
O avô materno apresenta língua plicata.
A mãe refere episódio de paralisia facial periférica à esquerda não recurrente há 20 anos, apresentando também língua duplicata.

EXAME FÍSICO
Paralisia facial à direita. Afebril.
Boca: amídalas hipertrofiadas, sem hiperemia.
Ouvidos: hiperemia da membrana timpânica direita, com discreto abaulamento.
Ao choro não parecia haver diminuição do lacrimejamento.

EXAMES COMPLEMENTARES
a - Hemograma: normal
b - Fundo de olho - normal
c - Líquido cefalo raquidiano - sem alterações
Obs: Não foi feito o topodiagnóstico da paralisia facial devido à baixa idade da paciente.

EVOLUÇÃO
A paciente foi tratada com Meticorten na dosagem de 15 mg por dia durante 15 dias, apresentando grande melhora da paralisia facial, iniciando-se então a redução gradativa da corticoterapia. Foi revista no 20° dia de tratamento, ocasião na qual foram feitas as fotografias. Concomitantemente à corticoterapia reintroduziu-se a Hidrazida na mesma dosagem por causa da viragem da resposta tuberculínica da paciente há 7 meses.

DISCUSSÃO

Como vimos trata-se de uma criança do sexo feminino que desenvolveu uma paralisia facial periférica à direita sendo que sua mãe teve um episódio de paralisia facial à esquerda há 20 anos e ainda sua mãe e seu avô materno apresentam língua plicata. Ao exame físico apresentava hiperemia de membrana timpânica à direita com abaulamento discreto da mesma mas sem outros sinais locais ou gerais de infecção.



Fotografia feita no 20.º dia após a instalação do tratamento onde nota-se discreto apagamento do sulco naso labial à direita.



Mãe da paciente mostrando seqüelas de paralisia facial à esquerda e a língua duplicata.



Considerando-se a ocorrência familiar de língua aplicata, apesar de não ocorrer na paciente, e o episódio de paralisia facial que acometeu a mãe da paciente podemos dizer que o diagnóstico de sindrome de MELKERSSON-ROSENTHAL é um dos mais importantes a ser lembrado numa lista de hipóteses diagnósticas (4,23,35,40). O fato de a mãe e a própria paciente não terem apresentado a triade clássica da sindrome as colocaria na categoria de formas incompletas (5,15). Deve-se lembrar que o caráter recurrencial da paralisia facial não foi observado na mãe da paciente. Outros dados que falariam a favor da nossa hipótese diagnóstica seriam a idade da paciente coincidente com a faixa etária de maior incidência da primeira manifestação (15,22,34,40) e o sexo da paciente em relação à idade (2). Além dos dados coincidentes com a literatura encontramos ainda hiperemia e discreto abaulamento da membrana timpânica homolateral à paralisia.

A terapêutica foi instituída de acordo com KETTEL (22) obtendo-se rápida resposta e boa recuperação da paciente.

CONCLUSÃO

O caso apresentado provavelmente trata-se de uma síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL devendo-se portanto cuidar de advertir o paciente e os familiares sobre a possibilidade de recorrência da paralisia facial, do aparecimento do edema de face e também da possibilidade de parentes com língua duplicata virem a apresentar quadro semelhante.

Estas advertências devem ser feitas a todos os pacientes que apresentarem síndrome de MELKERSSON-ROSENTHAL.


SUMMARY

Face to a case of peripheral facial paralisy accompanied by familiar ocurrence of "língua plicata", the autoors accomplished a review on the literature about the Melkersson Rosenthal syndrome and discussed this case basedupon the new knowledges.

BIBLIOGRAFIA

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ENDEREÇO DOS AUTORES Dep. de O.R.L.
Hospital das Clínicas de U.S.P. 6° andar - São Paulo.

* Residentes do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da F. M. U. S. P.
** Diretor do Setor de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia do H.C.F.M.U.S.P. - Serviço do Prof. Dr. Lamartine Junqueira Paiva. Recebido para Publicação em 25.03.79.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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