ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1744 - Vol. 4 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1936
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 1611 a 1618
HIPOTESE DO EGUALAMENTO DAS CRONAXIAS, PARA EXPLICAR A ACÇÃO DA STELECTOMIA NA PARALISIA FACIAL
Autor(es):
DR. RIBEIRO DOS SANTOS - 1

Em fevereiro deste anno apresentei uma nota prévia á secção de oto-rino da Associação Paulista de Medicina, relativa ao meu primeiro caso de paralisia facial tratado pela stelectomia. Limitei-me ahi a registrar os resultados obtidos por inaceitaveis as hipoteses até então aventadas no sentido de explica-los.

Hoje, trago uma hipotese pessoal cujos fundamentos desejo submeter ao juizo desta douta Assembléa.

O problema consiste em explicar por que mecanismo a ablação do ganglio estrelado permite a volta dos movimentos á face paralisada.

Figuremos um caso de paralisia facial periferica direita.

Ha anastomoses entre os nervos faciais direito e esquerdo ao nivel do orificio bucal (Botreau-Roussel) e das palpebras (Brourguignon).

Mas a motricidade não passa do lado esquerdo para o direito.

Porque?

Suponho que devido a uma diferença de cronaxias.

De acôrdo com a fisiologia, para que o influxo se transmita do nervo ao musculo é preciso que a cronaxia do musculo seja egual á cronaxia do nervo. Pelas palavras do Prof. E. Gley:

"Lapicque a démontré que le nerf qui se rend á un muscle donné a la même chronaxie que ce muscle; tous deux sont isochrones (Lapicque, 1908). Quand cet isochronisme est troublé par l'alteration de l'un ou de l'autre, il n'y a plus transmission de l'influx nerveux;."

Sendo assim, quero crer que se o influxo do facial esquerdo não se transmite aos musculos do lado direito é porque a cronaxia dos musculos do lado direito é diferente da cronaxia do nervo facial esquerdo.

A razão desta diferença julgo estar numa questão de ordem circulatoria: a irrigação dos musculos do lado direito está sob o controle do simpatico cervical d'esse mesmo lado; dahi resulta uma cronaxia que é diferente da do nervo facial esquerdo a qual é egual á cronaxia dos musculos da esquerda cuja irrigação está na dependencia do simpatico cervical esquerdo.

A stelectomia irá egualar essas cronaxias.

Como?

Retirado o ganglio estrelado direito a circulação dos musculos desse lado passará a ser regulada pelo simpatico cervical esquerdo. Cumpre não esquecer que os filetes simpaticos que penetram no crânio acompanham a carotida interna e a arteria cerebral anterior e se unem aos do lado oposto ao nivel da comunicante anterior onde ás vezes ha mesmo um ganglio - o ganglio de Ribes. Hovelacque:

.les filets qui pénetrent dans le crâne suivent la carotide, l'artére cérébrale antérieur et s'unissent á ceux du côté opposé au niveau de la communicante antérieur; un ganglion, le ganglion de Ribes, a été décrit á ce niveau s'i existe il est loin d'être constant".

Graças ao fato de a circulação dos musculos da direita e da esquerda se acharem, após a stelectomia, sob um controlador unico - o simpatico cervical esquerdo, as cronaxias dos musculos de um e outro lado se egualarão. Musculos da direita e da esquerda, e nervo facial esquerdo ficarão com a mesma cronaxia.

Egualadas as cronaxias, o influxo do nervo facial esquerdo se transmitirá aos musculos da direita e os animará.

Resumindo: para explanar a hipótese, figuro um caso de paralisia facial periférica direita.

Antes da stelectomia:

A circulação dos musculos do lado direito da face é regrada pelo simpatico cervical direito. D'ahi resulta uma cronaxia que é diferente da dos musculos do lado esquerdo cuja irrigação depende do simpatico cervical esquerdo. Como a cronaxia dos musculos da esquerda iguala a cronaxia do nervo facial esquerdo, resulta que as cronaxias do nervo facial esquerdo e dos musculos da direita são desiguaes; portanto, o influxo do nervo facial esquerdo não se transmite aos musculos do lado direito.

Depois da stelectomia:

Retirado o ganglio estrelado direito, a circulação dos musculos dos lados direito e esquerdo serão reguladas pelo simpatico cervical esquerdo. A cronaxia dos musculos da direita ficará egual á cronaxia dos musculos da esquerda e, pois, egual á cronaxia do nervo facial esquerdo. E assim o influxo do nervo facial passará aos musculos da direita.

Esta a hipótese do egualamento das cronaxias para explicar a acção da stelectomia na paralisia facial; hipótese cuja verificação compete aos fisiologistas e cujos fundamentos entrego ao alto juizo desta augusta Assembléa.

DISCUSSÃO

Dr. Sanson - Qual foi no seu caso o resultado observado?

Dr. Ribeiro dos Santos - O resultado foi o seguinte: a principio o que me trouxe o doente foi a epifóra que cedeu incontinenti, bem como a impossibilidade de fechar os olhos, e dentro de poucos dias começaram os movimentos da face do outro lado, a mastigação dá-se perfeitamente e o doente está bem.

Dr. Sanson - Faço esta pergunta por ter praticado no meu Serviço, a pedido do Dr. Aresky Amorim, o esvasiamento petro-mastoideu, num paciente que já sofrera anteriormente a estelectomia praticada por um cirurgião geral e cujas melhoras foram inapreciaveis.

Dr. Ribeiro dos Santos - Qual o motivo porque fizeram a estelectomia?

Dr. Sanson - Por causa de uma paralisia facial, no decurso de uma osteomielite do rochedo. Houve no caso inversão doe tempos operatorios.

Dr. Ribeiro dos Santos - Esse ponto acho que é indiferente por que em caso de extirpação da parotida, tenho deito primeiro a estelectomia e depois tiro a parotida, com a lesão do facial.

Dr. Sanson - Pratiquei o esvasiamento porque o paciente era portador de uma osteomielite com paralisia do facial.

Dr. Ribeiro dos Santos - Mas no nosso caso não havia movimento e o segundo caso não é tão rapido como o segundo, ha um movimento, e a respeito disso o dr. Mattos Barretto se refere a ele. O doente mostrou uma simetria do outro nado e movimento do lado oposto.

Dr. Sanson - Dentro do seu criterio, acho que de tacto a estelectomia pode preceder o esvasiamento.

Dr. Rebelo Neto - Por nimia gentileza do Dr. Ribeiro doe Santos, tive oportunidade de apreciar o doente objéto da sua recente comunicação á Associação Paulista de Medicina. A estelectomia teve resultado imediato e, o que no caso assume grande importancia, era patente o retorno dos movimentos no lado dantes paralizado. O mecanismo pelo qual se processa o restabelecimento funcional após a estelectomia ou após a gangliectomia de Leriche, tem desafiado até hoje a argucia dos fisiologistas, continuando, porem, ainda obscuro. A explicação oferecida pelo Dr. Santos está baseada, como ouvimos, num fenomeno de influencia sobretudo circulatorio "é por v.a de uma igualação circulatoria que se faz a igualação da cronaxia". Pergunto ao Dr. Santos como interpreta diante da sua teoria a circunstancia da melhora ser imediata, á operação, quando, como é sabido, os musculos ás vezes estão tão profundamente alterados que o nervo não responde mais á excitação, impossibilitando a medida da sua cronaxia.

Dr. Paula Santos - Aproveito a oportunidade para dar alguns esclarecimentos. O caso que o Dr. Ribeiro aos Santos operou, ele nos deu o prazer de faze-lo no nosso Serviço. Pois bem, ainda ha poucos dias, examinamos este doente, que melhorou de um modo notavel. Não se pôde falar absolutamente em restitutio ad integrum, mas em todo o caso satisfaz porque o doente já tem mobilidade da bochecha e desapareceram aqueles outros sinais que o Dr. Rebelo dos Santos assinalou. Com respeito á explicação que o Dr. Ribeiro dos Santos aventou, não compete a nos analisá-la e sim aos fisiologistas, mas podemos afirmar que ela é engenhosa; e mesma a proposito da objeção do Dr. Rebelo Neto, devo dizer que a melhora não é tão rapida, e talvez não seja completa, por causa da atrofia.

Mattos Barretto - Desejo trazer o testemunho do 2.º caso do Dr. Ribeiro dos Santos, pois eu o tenho observado mais de perto: trata-se do caso que na Secção de hontem eu tive ocasião de vos relatar.

O facial foi atingido em dois pontos por grandes estilhaços de arma de fogo.

Quanto á melhora do doente não foi tão rapida, apenas a movimentação das palpebras, que se notou logo no segundo dia. Mais evidente foi a melhora observada na mucosa nasal. Ao envez de mucosa resecada e crostosa com o aspéto tipico da rinite atrofica, o paciente apresentou logo um humedecimento franco da pituitaria, que se revestiu mesmo de uma serosidade sanguinolenta.

Uma ageustia que vinha regredindo aos poucos após a operação craneana, desapareceu prontamente depois da stelectomia.

O doente observado ainda esta semana, quer dizer 6 mezes após a stelectomia, apresenta mais nitidos movimentos da bochecha, o que muito lhe facilita a mastigação. E' interessante se notar isto porquanto Rebattu e Proby, em trabalho muito recente, com uma estatistica de 30 casos, são pessimistas a respeito do resultado da ablação do ganglio cervical e do ganglio estrelado. Eles viram resultado apenas nos primeiros tempos e desaparecendo ao fim de 2 meses,

Foi Leriche iniciador deste processo, e ele tem encontrado adeptos entusiastas na França e na Italia. O Prof. Ostrowsky, da Polonia, tem 15 belissimos casos, com reconstituição completa dos movimentos, apenas não conseguindo os movimentos emocionais. A correcção deste defeito indelevel só foi conseguida por Duel, que aqui esteve o ano passado e expoz com um filme a sua tecnica de enxerto.

Aproveito, pois, esta oportunidade para aplaudir ao Dr. Ribeiro dos Santos pela iniciativa. dessa cirurgia entre nós especialistas. Já ouvimos na conferencia inaugural desta semana, uma exhortação a nós oto-rino-laringologistas, de não limitarmos a nossa acção unica e exclusivamente aos orgãos da especialidade e sim dispormos a outros recursos cirurgicos - não como simples devaneio, mas como complemento indispensavel a determinados casos de nossa alçada. A stelectomia, eu acredito, será bem mais cabivel do que a nossa invasão pela neurocirurgia ou cirurgia endocraneana, nas afecções de fundo não otogenico, embora a otologia ahi possa concorrer com o seu auxilio para o diagnostico de localização.

O Dr. Ribeiro doe Santos, assegurado por escrupulosos estudos e exercicio em cadaver, focalisa um problema um tanto descuidado, ao que parece, não sómente entre nós. Pois consultando a respeito um dos mais abalisados mestres de Vienna, com surpreza acabei por indicar-lhe os trabalhos de Oetrowsky, cujos resultados me entusiasmaram a ponto de aconselhar a stelectomia ao meu doente, quasi ainda em convalescimento das consequencias de dois tiros no ouvido.

Dr. Ottobrini Costa - O trabalho do dr. Ribeiro dos Santos é muito interessante e a sua concepção engenhosa, mas não satisfaz inteiramente e é passivel de algumas observações. Tendo jia, realizado duas vezes a estelectomia em afecções cirurgicas outras que a paralisia facial, tenho um vivo interesse sobre este assunto -e venho procurando analisar o mecanismo de ação desta simpatico-exerese. Na paralisia facial, a volta dos movimentos pela excisão do estrelado chama desde logo a atenção e requer uma explicação de seu mecanismo. A explicação dada pelo dr. Ribeiro dos Santos que a igualação da cronaxia se dá nela melhor circulação dos musculos paralisados não resolve totalmente o problema, porque nos sabemos que em consequencia da resecção do estrelado dá-se uma vaso-dilatação da hemi-face do mesmo lado havendo um afluxo de sangue superior ao do lado são, resultando uma desigualdade de vascularização que de modo algum poderá igualar a cronaxia dos musculos. Talvez a explicação deste mecanismo seja mais exata encarando o problema da seguinte forma: os musculos da face têm uma supra inervação, motora e simpatica. Para que haja perfeita harmonia entre estas duas inervações é necessaria a integridade de ambas. A lesão do facial estabelece o desiquilibrio do lado lesado determinando a preponderancia do simpatico sobre a inervação facial que foi interrompida e como consequencia a cronaxia destes musculos apresenta-se diversa da do lado oposto onde o equilibrio simpatico-facial continua o mesmo. Existem anastomoses do facial de um lado com o homologo do lado oposto, Por onde passaria o influxo nervoso acionando os musculos do lado lesado não fora a diferença de cronaxias determinada pelo desiquilibrio simpatico-facial. Realisando a excisão do estrelado que é a chave do simpatico-cervical, interrompemos consequentemente a inervação simpatica do lado lesado, permanecendo a musculatura facial desse lado independente de influxos nervosos do mesmo lado. Os estimulos vindo da inervação simpatico facial do lado oposto pelas anastomoses dos faciais podem atuar sobre a musculatura lesada, porque a hipertonia simpatica não mais está presente dando liberdade a estes estímulos de agirem sobre os musculos paralisados cuja cronaxia possivelmente torna-se igual á do lado oposto.

Outro ponto que precisa salientar é o seguinte. Nos pacientes em que se faz simpatico-exerese mesmo em afecções outras que a paralisia facial instala-se o sindrome de Claude-Bernard Horner o qual até certo ponto corrige as perturbações determinadas pela paralisia facial, porque a ptose palpebral e a enoftalmia contribuem para o fechamento da rima palpebral. Por este duplo mecanismo pode-se compreender o modo de agir da simpatico-exerese na correção da paralisia facial.

Dr. Ribeiro dos Santos - O prof. Dr. R. David de Sanson deseja saber quais os resultados conseguidos com a stelectomia no caso a que me referi. Foram os seguintes: desaparecimento da lagoftalmia e da epifóra, possibilidade de contrahir a comissura labial do lado doente e de assobiar, melhorados fenomenos de contractura, possibilidade de firmar a vista por muito tempo, isto é, de ler. Agradeço ao prof. Paula Santos e aos distintos Drs. Rebelo Netto e Mattos Barretto o testemunho que acabam de dar quanto a esses resultados.

Em casos de extirpação de parotida a stelectomia tem sido praticada por alguns cirurgiões tanto antes como depois e num como noutro caso tem dado resultado; de modo que é indiferente praticar a stelectomia antes ou depois de lesado o nervo.

Cumpre-me dizer ao Dr. Rebelo Netto que com a stelectomia conseguem-se duas ordens de fenomenos: uma que constitue, no seu conjunto, o syndroma de Claude-Bernard-Horner, e outra que é representada pela volta dos movimentos á face paralisada. O sindroma de Claude-Bernard-Horner aparece prontamente, mas a volta dos movimentos se dá progressivamente alcançando o maximo depois de mais de ano: é o que afirma Leniche com a sua grande experiencia.

A questão da inervação dupla em que tocou o Dr. Mario Ottobrini Costa é sobejameste conhecida e em nada afecta a nossa teoria.




1 - Dos Serviços do prof. Dr. A. de Paula Santos (Fac. de Med. de S. Paulo), e do Dr. J. J. da Nova (Policlinica de S. Paulo).
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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