ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
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1724 - Vol. 4 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1936
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 1329 a 1352
CONSIDERAÇÕES SOBRE UM CASO DE DOENÇA DE RIGA-FEDE
Autor(es):
DR. HELIO LEMOS LOPES - 1

DEFINIÇÃO: - A doença, de Riga-Fede consiste em uma ulceração da base do freio da língua, produzida pelo atrito desta região com o bordo gengival inferior ou com os incisivos medianos, nos movimentos que o lactente imprime á língua para a sucção do leite ao seio materno.

E uma afecção da primeira infancia caracterisada pelo aparecimento ao nível da base do freio da língua de uma tumefação dura, de forma irregular, podendo atingir as dimensões de um grão de café, tendo geralmente a sua maior dimensão transversal, recoberta de um espesso exsudato fibrinoso, de côr branco-amarelada, de aspéto difteróide e muito aderente á superfície sub-jacente, a qual sangra facilmente á mais leve tentativa de descolamento de qualquer porção deste exsudato.

Pelas suas dimensões, sua consistência endurecida, sua localização, sua projeção oriunda dos movimentos da língua no ato da amamentação, determina essa produção sub-lingual certa dificuldade na sucção e uma salivação exagerada.

Para alguns autores as perturbações digestivas favorecem o aparecimento da doença de Riga-Fede, diminuindo a resistencia dos tecidos. Para outros a causa de frequentes desordens gastro-intestinais é essa ulceração do freio da língua. Alguns estudiosos franceses pensam que esta afecção não é mais do que uma insignificante complicação da gastro-enterite dos lactentes; outros, italianos, vêm nesta gastro-enterite uma das muitas localizações de uma enfermidade infecciosa geral, a doença de Riga-Fede.

HISTORICO: - Esta doença foi observada, pela primeira vez, na Itália, por Cardarelli em 1857 e descrita, com exatidão, pelo Dr. Antonio Riga, de Terra de Lavore, nas colunas do "Mouvement Medico-Chirurgical" de Napoles, em 1881. Entretanto, no XI.º Congresso Internacional de Medicina, em 1894, Tauri reivindicava o direta de primazia, asseverando ter visto essa doença desde 1878 e atribuía a Pandolfi, Schivardi e Pini a autoria das primeiras descrições, reclamando tambem o mérito que lhes devia caber.

Ainda na Itália, de 1875 a 1884, Ridola, Pandolfi, Riga, Chiarello, De Marinis, Somma e Mario Abbeti fizeram estudos sôbre essa sub-glossite difteróide.

Na França, Pede, Comby, Brun e Mouchet foram os primeiros que se ocuparam do assunto, após a publicação do trabalho. do Dr. AntonioRiga e F. Brun, cirurgião do Hospital des Enfants-Malades, foi o autor da 1.ª observação de um caso de doença, de Riga, publicada em Paris.

Em 1890, os trabalhos de Fede e Guida davam a essa afecção verdadeiro caráter de entidade mórbida.

Em março de 1909, R. Cruchet e E. Leuret publicavam nos Archives de Médicine des Enfânts um caso de doença de Riga, sôbre o qual o Dr. Auché fez estudos acurados do ponto de vista histológico.

De patogenia muito discutida, achando cada novo estudioso uma causa nova, produtora da doença de Riga, teve esta um grande número de sinonímias, as quais correspondiam á ideia pessoal de cada autor.

Assim é que foi chamada de: afta caquética por Cardarelli, produção ou papiloma sub-lingual por Fr. Fede, papiloma ulcerado do freio da língua pelo Dr. Antonio Riga, sub-glossite difteróide por Comby, pequeno neoplasma fibroso perolado ou lupinelo por Pandolfi, ulceração papilomatosa do freio da língua por F. Brun, ulceração sub-lingual por Cruchet e Leuret, papiloma granuloso por Silvio Palazzi, necrose por compressão, denominação de Ridola, e, ainda, pseudo-membrana sub-lingual, produção hipersarcótica, doença de Fede e doença de Riga-Fede.

Por muito tempo foi a doença de Riga encontrada exclusivamente na Italia, especialmente nas regiões meridionais, como nas provincias de Calábria, Campânia e Napoles, nas quais chegou a ter, grosso-modo, um caráter endêmico e nos Abruzos e em Molisa, divisão territorial banhada, á noroeste, pelo Adriático. Em Palmanova, na Vila de Údine, região de Veneto ou Venêcia, limítrofe com a Austria, Fedele registrou alguns casos, bem como na Clínica de Escherich e Andard nos hospitais de Paris.

Afecção rara para fóra do territorio italiano, era a doença de Riga-Fede apenas mencionada por autores latinos e anglo-saxões e foi conhecida na França através dos trabalhos de Fede e da observação de F. Brun.

SINTOMATOLOGIA: - A doença de Riga-Fede é uma afecção da primeira infancia, atingindo, em geral, os meninos de 7 a 14 mêses, coincidindo o seu aparecimento com a saída dos dois incisivos medianos inferiores. Na literatura médica, porém, encontramos referências a casos da ulceração papilomatosa do freio da língua em lactentes de menos de 7 mêses de idade e nos quais não havia o menor sinal de afloração dos incisivos medianos inferiores, casos estes muito raros, em crianças de 18 e 23 mêses, nas quais já haviam nascido os quatro incisivos inferiores da primeira dentição.

Os primeiros sinais mórbidos da ulceração sub-lingual passam desapercebidos, e não é sinão por acaso que se tem a atenção voltada para a bôca da criança, notando-se, então, a existência de uma ulceração ou de um exsudato branco-amarelado ao nível do freio da língua. Vêzes outras, é o choro do pequeno ou a dificuldade que se lhe nota ao tomar o seio materno para mamar, que dá ao clínico ensejo de examiná-lo e firmar o diagnostico.

Ao exame, depara-se uma lesão ulcerosa, vegetante, de forma e contornos irregulares, mais larga do que comprida e repousando sôbre um nódulo endurecido. Neste estado a erosão é muito superficial e ao em vez de exibir uma pseudo-membrana difteróide, apresenta-se sómente semeada de formações necróticas punctiformes (Silvio Palazzi).

Com tendência sempre a progredir, quer tenha coincidido ou não a ulceração do freio da língua com o aparecimento de um ou dos dois incisivos medianos inferiores, que, por uma ação mecânica, constituem fonte de irritação perene para a doença em inicio, a qual pode ter sido provocada pelo bordo agudo do mandibular, vai a (lesão se estendendo, os tecidos sub-jacentes reagindo originam uma pequena neo-formação do tamanho de uma ervilha. Com a duração do processo mórbido, a mucosa se hipertrofia e hiperplasia, podendo a pequena neo-formação, que tem consistência fibrosa ou fibro-elástica e é móvel, atingir o volume de um grão de milho ou de um feijão, chegando, ás vêzes, a cobrir completamente o freio da língua, ao qual excede lateralmente, revestindo-se de uma neo-membrana de cor nacarada ou branca-amarelada, que se destaca com facilidade por meio de fricções com um tampão de algodão montado num estilete ou á apreensão com uma pinça comum, aparecendo o fundo da ulceração mamiloso e irregular e seus bordos serrilhados e sangrentos.

Não ha reações inflamatórias de visinhança" nem alterações dos tecidos mucosos circunvizinhos, nem o menor infartamento dos gânglios linfáticos da região.

Chiarello chama atenção para a sialorréia discreta que, em geral, por propagação do processo irritativo do freio ás glandulas salivares sub-linguais, coexiste com o papiloma.

Enquanto a neo-formação é pequena, os movimentos da língua permanecem normais e a absorção dos alimentos faz-se regularmente. Desde que, ao contrario, o tumor atinge um certo desenvolvimento, a movimentação da língua torna-se difícil e dolorosa, pelo atrito da região ulcerada sôbre o bordo da mandíbula ou a superfície cortante dos incisivos medianos inferiores, advindo da: certas perturbações na alimentação do lactente, cuja repercussão no estado geral se afaz sentir por um leve depauperamento.

Êste é o quadro mórbido da doença de Riga-Fede na sua manifestação benigna, a qual, felizmente, é a mais comum. Todavia, alguns estudiosos, surpresos diante de lactentes que sucumbiam em virtude de manifestações gastro-intestinais graves ou septicêmicas, havendo, concomitantemente, a existência do papiloma ulceroso do freio da lingua, inquiriam, curiosos, se não haveria tambem uma forma grave desta afecção.

Vejamos como alguns autores descrevem os casos letais. Pianese diz que, pouco depois do aparecimento do papiloma, o lactente tem uma palidez acentuadíssima, emagrece, torna-se apático, notando-se hipertrofia esplênica e hepática; disturbios intestinais, ora diarrêicos, ora constipantes, e, após um estado de grave caquexia, sucumbe. Uns, com Pandolfi, sustentam que o papiloma do freio da língua é acompanhado de fenômenos pseudo-leucêmicos. Outros, seguindo as idéas de Gianelli e Menni, acham na doença de Riga-Fede duas formas distintas: a caracterisada por fenômenos locais simples e isolados de estomatite circunscrita e a de fenômenos graves, mal definidos, que fazem parte de uma doença pouco conhecida. Ainda ha terceiros que a descrevem de modo inteiramente diverso, afirmando a existência de sintomas de anemia grave, acompanhados de alterações do baço, constituindo um verdadeiro sindromo com caracteres de anemia esplênica; perturbações gastro-intestinais, com vômitos, diarréias, inflamações para o lado do aparelho respiratório e até convulsões.

Diante destes fatos é o caso de se perguntar: o papiloma ulceroso do freio da língua é uma doença que se manifesta exclusivamente por fenômenos locais ou é uma doença geral?

As observações e os estudos publicados por diversos autores levam-nos a considerar a doença de Riga-Fede como um processo mórbido exteriorizado por um sindromo inteiramente local. Os sintomas graves, descritos por muitos clínicos, são o produto de uma coincidência acidental e jamais poderão ser considerados parte integrante da própria doença. Todavia, não ha negar que fenômenos secundários possam ser registrados num caso de papiloma ulceroso do freio da língua, tornando o prognóstico sombrio. Assim é que esse processo mórbido poderá servir de porta de entrada a infecções graves secundarias, de caráter septicêmico, bem como levar o lactente a um estado de miséria orgânica" por perturbações da nutrição, capaz de o fazer sucumbir.

Quanto á transmissibilidade dessa afecção por contágio, posto que haja na literatura médica o relato de casos de doença de riga-fede nas regiões da Calábria, Campânia e Napoles com caráter por assim dizer endêmico e, por vêzes, acometendo todas as crianças de uma mesma família, as experiências de Cannarsa, Zanetti e Fede negam absoluta e terminantemente a contagiosidade do mal.

Os exames de laboratorio, praticados num caso de doença de Riga-Fede, não fornecem, em geral, para a orientação do diagnóstico, o menor contingente, pois nêstes exames não se registra a mais leve alteração característica dessa afecção.

Ha na literatura médica menção a uma eosinofilia assinalada por Pede num doente de papiloma ulcerado do freio da língua, a qual jamais foi encontrada em outra observação, sendo para salientar a falência desta afirmação desde que o referido autor não mandou fazer exame das fezes do paciente, o qual se impunha pois, como é sabido, as verminoses podem ser responsáveis por uma eosinofilia. Chamo atenção para êste fato porque na doentinha de nossa observação, que será apresentada mais adiante, havia eosinofilia e verminose.

ETIO-PATOGENIA: - No particular da etio-patogenia da doença de Riga-Fede muitas foram, as teorias apresentadas, as quais, defendidas com ardor pelos seus autores, se não chegaram á origem única e verdadeira desta afecção, pelo menos deram lugar a estudos e discussões cientificas que contribuíram para o seu melhor conhecimento geral.

Vejamos as principais teorias formuladas e as razões em que as mesmas se escudavam, ficando dito, de passagem, que todos os seus autores, de um modo geral, filiavam-se a dois grupos: os que viam na afta caquética de Cardarelli uma manifestação local dum estado geral mórbido, e os que asseveravam ser o papiloma ulcerado do freio da lingua de Riga, manifestação puramente local de origem traumática.

As primeiras teorias emitidas consideravam a sua etio-patogenia influenciada por fenômenos estranhos ao aparelho bucal; idéia esta que foi cedendo terreno a de que a sua produção era provocada, exclusivamente, por agentes locais traumatisantes. Era o atrito do freio da língua sobre os incisivos inferiores a causa da molestia e, imediatamente, foi a tosse convulsa impugnada por muitos estudiosos como; fator indispensável á produção do papiloma sublingual. Silvio Palazzi, entretanto, rebatia esta afirmativa mostrando, com muita razão, que sendo a tosse coqueluchóide afecção frequente na primeira infancia, seria tambem encontradiça a lesão traumática dela decorrente, o que não se observava. Em seu auxílio, veiu a declaração de Comby, achando que em alguns casos a tosse convulsa era a causa exclusiva da referida ulceração, porém em outros havia ausência absoluta do mais ligeiro acesso de tosse.

Sôbre a ação indispensável dos incisivos inferiores na produção da doença de Riga-Fede, sobretudo se apresentavam retrovertidos, muitos estudiosos a asseveravam, justificando êste proceder com o fato de que a extração dos dentes incisivos inferiores era seguida de uma regressão considerável da neo-formação, chegando, ás vezes, á cura, mas sendo a recidiva inevitável desde que aflorava um novo dente na região limítrofe á extração.

Mais tarde, porém, a só existência dos incisivos inferiores já não implicava no aparecimento do papiloma ulceroso: era necessário que os seus bordos fossem finos e cortantes. Com o perpassar do tempo, chegaram os clínicos á comprovação de que o próprio bordo gingival gera capaz de produzir a ulceração do freio da língua, por terem registrado vários casos desta afecção em lactentes desprovidos ainda de dentes e Schultz relatava uma observação de sua clínica, em que o paciente apresentava na mandíbula, correspondendo aos incisivos medianos, uma protuberância dura.

A amamentação natural, pela escassez de leite ou pelas pequenas dimensões do mamilo ou pelo seu uso prolongado, era tambem considerada como agente patogênico, bem como a amamentação artificial em si mesma, e a existência no lactente de um freio muito curto. Realçavam alguns autores a influência considerável das condições higiênicas e econômica-financeiras do paciente e as estações climatéricas da região onde residia, sendo o proprio Schultz quem nos diz ter registrado maior número de casos nas estações frias. Contrariando estas idéias, Silvio Palazzi, pensa que, se estes fatores contribuem para a produção do papiloma, deverão ser classificados como causas secundárias em relação aquelas já anteriormente tratadas, pois é natural que delas decorra certa influência patogênica mas não como o proclamava Guida: "a produção sub-lingual se manifestava exclusivamente nos casos em que, por insuficiência de secreção mamária (amamentação efêmera), a sucção era contínua (sucção paradoxal), determinando assim um constante traumatismo frênulo-incisivo, fator de tão grande importancia na genese do papiloma".

Moro, procurando explicar a maior frequência de casos da doença de Riga-Fede nas províncias meridionais da Itália, alude ao uso local das mães amamentarem os seus filhos até após a dentição, determinando traumatismos repetidos na região do freio da língua.

Schultz afirmava que a tuberculose predispõe o organismo á sub-glossite difteróide e baseia esta declaração nas suas observações, pois a maioria de lactentes, ex-sofredores de papilomas ulcerosos do freio da língua, veiu mais tarde a sofrer de tuberculose óssea, ganglionar ou das articulações. O mesmo assevera Tauri em relação ao estado linfático ou escrofuloso.

As perturbações gastro-intestinais sempre estiveram ligadas a essa entidade mórbida, ora como consequencia, ora coma causa da ulceração sub-lingual.

O próprio Riga admitia duas origens diversas para a produção do papiloma: uma infecciosa, idéia tambem defendida por Cappucio, e outra interna.

A escola napolitana, assegurando a contagiosidade do mal, e Magrassi, reconhecendo a sua origem no depauperamento do lactente, afirmavam que as causas mecânicas, consideradas por Chiarello e Fede como únicas capazes de produzir o papiloma, não poderiam criar esta alteração mórbida se a resistência dos tecidos estivesse íntegra, se o estado de saúde do pequeno fosse normal, se não houvesse uma vulnerabilidade do freio da língua.

Num doente com caquexia grave tumor esplênico e lesões hepáticas, Scaramucci atribuiu a produção sub-lingual a êste sindromo anêmico-esplênico, contrariando a idéia de Pianese que via num caso como êste, uma forma grave, com manifestações secundarias do freio da língua.

Não se pode negar que num organismo combalido por funcções imperfeitas ou alteradas mais facilmente se instale esse processo mórbido, fato de valor relativo, a não ser que diante de um caso de mixedema espontâneo infantil com néo-formação sublingual, como o encontrou Silvio Palazzi, seja o mixidema considerado causador da doença de Riga-Fede. Aliás, quem assim o fizesse, seguiria as idéias de Brun que, referindo-se a um seu doente, perguntava: "É preciso procurar uma interpretação diferente para os casos em que a lesão bucal se observa em lactentes caquéticos, com perturbações gastro-intestinais graves que o levarão á morte, e nela, ver, com Pianese, uma verdadeira doença infecciosa, caracterisada, duma parte, por sintomas gerais e doutra por lesão local, a produção sub-lingual que seria a porta de entrada da infecção ou sua localisação particular?"

Contra a idéia de dar demasiado valor a simples causas predisponentes temos o testemunho do exame histológico, cujos caracteres observados em preparações, obtidas de pacientes em ótimas condições orgânicas e de lactentes caquéticos, lhe negam qualquer apoio e, com esta melhor orientação, Brun e Fede preferem admitir que a doença de Riga é mais frequente nos caquéticos porque os seus tecidos resistem menos a qualquer irritação.

As afirmações de Pianese, procurando ligar as formas graves da néo-formação do freio da língua a uma suposta infecção, teoria sustentada tambem por Cappucio, não procedem absolutamente e só têm um valor relativo, por não possuírem documentação científica e já terem sido negadas; por Cannarsa, que, em repetidas experiências, provou não ser a doença de Riga-Fede contagiosa, apezar do próprio Pianese e De Villa afirmarem que, em estudos seus, observaram na pseudo-membrana micro-organismos, que consideraram específicos. Em pesquisas bacteriológicas ulteriores o primeiro conseguiu do sangue de um paciente com esta doença uma cultura de micro-organismos idênticos aos encontrados na pseudo-membrana.

Letulle observou cócos com a disposição de diplocócos ou em cadeia e bacilos gram-Positivos, dispostos exclusivamente sobre a superfície da mucosa.

Fede e muitos outros estudiosos, interessados nesta descoberta, fizeram culturas e inoculações, cujos resultados negaram completamente a hipótese de Pianese, havendo a documentação científica de Concetti que, tendo inoculado no olho de um coelho pequenos fragmentos do papiloma, obteve, somente, um simples abcesso, em cujo pús não encontrou um só dos tais microorganismos de Pianese; a própria inoculação de material no freio sublingual de animais de laboratorio falhou.

Com a falência da teoria infecciosa, só não ficou o assunto cabalmente resolvido, porque Abbeti, que observou uma colônia de cócos resistentes ao Gram, com disposição semelhante a do microcóco tetrágeno, sem determinar qual o microorganismo da cavidade bucal, achou esta teoria discutível e merecedora de mais algumas experiências que, talvez, a tornassem uma verdade científica.

Imbuído dêste modo de pensar, Orta, suspeitando de uma forma parasitária em dois casos por ele observados, fez inúmeras e cuidadosas pesquizas bacteriológicas com material retirado do centro do tumor, do bordo e da pseudo-membrana, em plena fase ulcerativa, encontrando, sómente, em todas as preparações, o bactério coli comum de Escherich. Anche Roux, Arnard, Chantemesse, Hueppe e Widal, insistiram em numerosos trabalhos na influência patogênica do coli-bacilo.

A teoria da influência hereditária é tambem de pouco valor na doença de Riga-Fede. Apesar de invocada por alguns autores é excluída pela maioria dos clínicos, cujas observações, raramente, atestam o seu valor como causa predisponente, o que não acontece em relação ao terreno, que desempenha papel um tanto importante na étio-patogênia da néo-formação.

Do que ficou exposto, parece razoavel, desde que a doença de Riga-Fede acomete indiferentemente lactentes sãos e caquéticos, considerá-la, como Fede, Concetti, Brun, Broca, Letulle e outros, produzida por causas absoluta e puramente mecânicas.

DIAGNOSTICO: - O diagnostico da doença de Riga-Fede não oferece dificuldades, quer se trate de um caso simples ou complicado.

Num caso simples, a ulceração do freio da língua só pode ser atribuída, tambem, á coqueluche. Se não há, concomitantemente com a ulceração, acessos de tosse coqueluchóide, trata-se forçosamente, da doença de Riga-Fede e a presença de um ou dos dois incisivos medianos inferiores vem reforçar mais ainda a diagnose feita.

Num caso complicado, apresentando o paciente um estado caquético grave, poder-se-ia pensar na ósteo-gingivite gangrenosa ou estomatite necrosante dos recém-nascidos; mas, esta afecção tem sua séde na gingiva e não na porção mediana da face inferior da língua como a doença de Riga-Fede. Além disso, só é observada, em geral, antes da erupção dos dentes e determina lesões ósseas.

Como se vê, a sede da lesão, a sua forma, colorido e relêvo, e a idade em que acomete a criança, são características que tornam facil o seu diagnostico.

TERAPÊUTICA: - Sôbre o tratamento da doença de Riga-Fede, muito se há dito, e várias são as terapêuticas propostas, as quais logram de uns os maiores encômios, enquanto outros lhes tiram o suposto valor.


De um modo geral, o tratamento é dirigido da seguinte forma

1°) - Desinfecção bucal e cauterização química ou ígnea;

2°) - Exérese da néo-formação ulcerosa;

3°) - Extração dos incisivos inferiores ou manobras corretoras de sua posição alveolar.

Para a desinfecção bucal recorrem os clínicos aos antissépticos comumente empregados nas estomatites, não havendo menção especial a algum dêles.

As cauterizações químicas eram feitas por meio de toques com um colutório salicilado, com o perclorêto de ferro ou com o nitrato de prata, em soluto a 2 e 5% ou em lapis, sendo o nitrato de prata o agente terapêutico mais empregado.

Comby e Bonnani e, recentemente, Gennaro Siciliani, do "Ospedale Clinico Jesú e Maria", de Napoles, usaram a tintura de iodo em aplicações diárias e, ás vezes, dependendo do estado da lesão, mais de uma vez por dia, logrando êxito, afirmando êste autor ter curado um caso com quatro cauterizações. Essas cauterizações, entretanto, mesmo praticadas após a retirada das falsas membranas, não oferecem garantia de cura, pois são de resultados inconstantes.

A exérese da néo-formação è para uns a única medida terapêutica éficaz, ao tempo em que outros a consideram recurso que, excecionalmente, se torna indispensável.

Enquanto J. von Mikulicz e W. Kümmel, no seu livro "Die Krankheiten des Mundes", dizem que a terapêutica deve consistir na extirpação do papiloma ulceroso, porque processos menos enérgicos, como as cauterizações, não dão resultado: Fede, Broca e Brun acham que tal terapêutica só deverá ser empregada em casos muito rebeldes; Jules Comby, em casos em que haja grande saliência do tumor, e Deutsch e Schultz afirmam que a simples extirpação do tumor não é suficiente, porque há recidiva dentro de um lapso de tempo mais ou menos longo, teoria esta que está em completo desacôrdo com as idéias de Abbeti e outros.

A-pesar destas afirmações contraditorias, é a exérese largamente indicada. Será praticada com tesoura curvas, que farão incisões semilunares laterais ao tumor, permitindo a ablação da base endurecida sobre a qual repousa a ulceração.

Em geral não se faz necessária a sutura dos bordos da ferida e se, por acaso, houver hemorragia, rebelde aos meios hemostáticos clínicos, por secção da artéria do freio da língua, recorre-se ao galvano ou ao termocautério. Fede, Broca e Brun mandam suturar aferida ou cauterizá-la com o termocautério. Jules Comby aconselha que, em seguida á exérese do tumor, seja a região cauterizada com "ferro em braza".

Ainda assim, não é a exérese um meio terapêutico de eficácia constante pois ha observação de vários casos de recidiva após a extirpação do tumor.

Enquanto sómente os incisivos inferiores eram responsabilizados como únicos agentes causadores da doença de Riga-Fede, idéia defendida por Deutsch e Schossberger, os quais chegaram a declarar que "se já existissem incisivos desenvolvidos, o tumor desapareceria espontaneamente após a sua extração" era lógico que o tratamento se cingia em limar o bordo cortante dos dentes incisivos ou na sua retirada, terapêutica que logrou, de logo, grande aceitação, merecendo de Mouchet a afirmativa de que "á extração dos dentes seguir-se-ia uma cura rápida".

Quando, posteriormente, ficou provado que não só os incisivos inferiores, mas tambem o bordo agudo do mandibular era capaz de produzir esta ulceração, já a ablação dos dentes foi fortemente combatida por muitos estudiosos e Silvio Palazzi aconselhava "deixar-se a extração dos dentes para último recurso".

Schultz e Chiarugi indicavam a correção dos desvios dos incisivos inferiores para dentro da arcada, por meio de pressão suave e contínua, feita com os dedos, meio terapêutico que falhou completamente. Lembraram-se outros autores de usar aparelhos protéticos para a consecução do mesmo afim, mas, como é fácil de se conceber, a quasi impraticabilidade destes aparelhos em lactentes. fê-los abandonar a idéia.

PROGNOSTICO: - Considerada em si mesma, é a doença de Riga-Fede de prognostico absolutamente benigno, dependendo a brevidade da sua cura do tratamento adotado e do estado de saúde da criança. Entretanto, tratando-se de um lactente caquético ou atrépsico ou si a doença for mal conhecida ou abandonada a si mesma, participará da gravidade do estado geral, no primeiro caso; ou virá, dificultando a sua alimentação, atuar desfavoravelmente sobre a saúde do paciente, no segundo, levando-o, num e noutro casos, talvez , á morte.

ANATOMIA PATOLÓGICA: - Praticados os primeiros exames histo-patológicos, varias foram as conclusões a que chegaram os estudiosos e assim é que: Fede considerava o material examinado como uma hiperplasia do tecido dermo-epitelial, admitindo tratar-se de um papiloma; Pianese um granuloma infeccioso ou mais própriamente, um plasmoma; para o Dr. Auché, que teve ocasião de examinar um caso observado por R. Cruchet e E. Leuret e para Letulle a lesão era puramente inflamatoria; para Callari Cozzolino tratava-se de um fibroma, pela existência de muito tecido conjuntivo; Reinbach, considerando a lesão como um tecido conjuntivo mais ou menos rico em vasos e revestido de epitélio muito desenvolvido, classificava-a como um angioma fissurado; Mikulicz, levando em conta não só o aspecto ,histologico como tambem a etiologia da doença de Riga-Fede, dizia ser a mesma uma calosidade rica em vasos e para Schultz o tumor, nos casos recentes, era um papiloma granuloso e, nos antigos, um papiloma fibroso.

Sôbre este assunto é interessante transcrever o resultado de dois exames histologicos do tumor, um praticado por Letulle e citado por Nogué no capitulo "Maladies de la bouche" do "Traité de Stomatologie" de Gaillard e Nogué, vol. VII, pagina 410, e o outro constante do trabalho do Dr. Silvio Palazzi, assistente do Instituto de Estomatologia de Milão, intitulado "Contribution clinique et histo-pathologique á la maladie de Riga - Papillome ulceré du (frein de la langue" - La Stomatologie, volume XVIII, n.° 8, 1920".

Letulle diz:

"Os cortes feitos perpendicularmente á superficie do fragmento levado a exame mostram camadas sucessivas da mucosa bucal atingidas de alterações diversas:

1.°-O tecido conjuntivo-vascular -da mucosa é rico em vasos, na sua maior parte capilares, muito dilatados, revestidos por endotélios normais, dos quais alguns apresentam-se em via de cariocinése manifesta. As malhas conectivas, distendidas por uma linfa, pouco ricas em células brancas, não contêm especies microbianas.

2.° - As camadas epiteliais da mucosa repousam sobre uma série de longas papilas conjunctivais, amplamente irrigadas de vasos capilares, mais largas que normalmente. A prova de que as papilas dérmicas, que correspondem á massa tumoral, são hipertrofiadas, é fornecida pelo estudo da derme nos bordos da peça; a êste nível as saliências papilares são reduzidas á metade do tamanho que têm em pleno centro da massa hipertrofiada.

O mesmo se dá com as camadas epiteliais que as recobrem; neste ponto de vista, é preciso distinguir os bordos, os epitélios pavimentosos se acumulam em faixas espessas, terminadas por um aglomerado de células epiteliais nucleadas, achatadas, muito mais densas do que na superfície de uma mucosa (bucal normal. Entre as papilas hipertrofiadas, os feixes epiteliais, muito grandes, se insinuam profundamente sem ter, muitas vezes, em ponto algum, rompido o limite normal que os separa do tecido dérmico. Ha, então, nestas zonas hiperplasiadas, que são como a orla do tumor retirada, vestigios de produção neoplásíca epiteliomatosa. Não ha, todavia, caracteres suficientes para dar a esta hiperprodução dermoepitelial o nome de papiloma; é antes uma hipertrofia da mucosa em todas as suas partes" e as causas desta .hipertrofia são fornecidas pelo estudo do centro do tumor.

No centro, com efeito, o estado das partes é completamente diferente. Aí numa extensão difícil de apreciar, devida a orientação do corte, a derme está ulcerada ou pelo menos, posta a nú ; em vários pontos as papilas são menores, algumas têm mesmo desaparecido e todas as camadas epiteliais caíram para dar lugar a um exsudato fibrino-leucocitico muito característico. A falsa membrana que recobre assim a derme da mucosa se estende, de lado, sôbre as camadas epiteliais da periferia. Daí resulta um aspecto muito característico, a falsa membrana distérica (no sentido alemão da palavra) cobrindo a quasi totalidade da saliência tumoral.

As camadas de fibrina são formadas ás custas dos epitélios e dos leucócitos exsudados: o exame microscópico demonstra-o facilmente. Elas são espessas, densas e sua superfície é coberta de leucócitos, de muco e de micróbios.

As camadas tratadas pelo Weigert mostram duas espécies muito distintas de micro-organismos: a) bacilos longos, muito finos, Gram positivos e unicamente encontrados na falsa membrana na qual penetram a custo; b) microcócos arredondados, tenues, muitas vezes tomando a forma diplocócica e em feixes circulares, por vezes, também, em pequenas cadeias; estes micróbios se insinuam da superfície para as camadas mais profundas da falsa membrana, sem, contudo, chegar jamais ás camadas mais inferiores do exsudato fibrinoso; os pontos em que êles desaparecem são sempre mais próximos da superficie do que da derme, da qual os estreptococos não se avizinham.

Em resumo, a massa examinada não é um tumor. Consiste em uma hipertrofia crônica da mucosa bucal, puramente inflamatoria. O centro de sua superficie está ulcerado e recoberto de falsas-membranas fibrinosas infiltradas de micróbios. Estes micróbios não parecem ter ação patogênica na formação dos exsudatos".

O laudo do exame histo-patológico citado pelo Dr. Silvio Palazzi na sua interessante e excelente observação, é o seguinte:

"O tumor é fixado pelo formol a 10 %. Coloração pela hematoxilina-eosina antes da inclusão na parafina.

Com fraco aumento, o exame simultâneo das regiões e do tumor deixa ver uma formação grânulo-papilomatosa que apresenta diversos aspectos, segundo as zonas observadas.

Na parte central do tumor, onde é exercido o traumatismo da incisão do freio, observa-se, antes de tudo, profundas alterações da superficie do tumor em relação ás regiões limítrofes e excêntricas. Uma formação de aspecto pseudo-membranoso ocupa a região central; e na parte correspondente a esta o epitélio perdeu seu elemento constitutivo que foi substituido, nas regiões profundas, por um tecido granuloso de néo-formação.

Pelo contrário, nas regiões da periferia, o epitélio apresenta-se conservado em massa e nos seus elementos, o tecido subjacente exibe uma eminência papilar bem saliente, que aparece tanto mais exteriorisada quanto mais se a compara ás saliências papilares colocadas sob a região central.

Com grande aumento, observa-se, correspondendo ás zonas excêntricas, um tecido epitelial de superficie plana e uniforme com elementos multi-estratificados adjacentes, tendo o aspecto de epitélio da mucosa bucal com núcleos e citoplasma muito coloridos. As células das camadas superiores são muito chatas e alongadas no sentido transversal. Diferem das células das camadas profundas. A última camada é constituida por elementos celulares menores, tendo seu maior diâmetro no sentido vertical. Verifica-se, facilmente, os espaços intra-celulares e interciliares.

Não se vê alteração alguma de degenerescência, nem de formação de caráter neoplásico, nem de forma cariocinética multipolar. A camada sub-epitelial apresenta um verdadeiro conjunto de formações papilares vásculo-conectivas (entre as quais têm suas raizes as papilas do epitélio) ricas de capilares de calibre normal ou ligeiramente ectasiados com endotelio normal. Sob as formações papilares nota-se um tecido comparável á derme cutânea, constituido por fibras conectivas com facêtas, que se entrelaçam, recolhendo nos seus espaços inter-trabeculares elementos, na sua maioria, mononucleares de infiltração leucocitária com pequenas células de plasma.

No seio deste tecido, numerosos vasos, de diferentes secções, apresentam, na sua luz, hemátias, leucócitos bem conservados e espaços linfaticos forrados !por um epitélio normal. Este tecido conectivo que exibe uma trama moderadamente frouxa nas suas porções justa-papilares, deixa ver, nas regiões profundas onde se dá a implantação sôbre o freio da língua elementos constitutivos dispostos confusamente e muito misturados a raros elementos de infiltração, sem elemento granuloso, nem muscular.

A observação da parte central do tumor, onde se exerceu o traumatimo incisivo, apresenta uma estrutura mais ou menos diferente pela alteração das partes constitutivas do tumor, pela transformação das relações dos diversos tecidos que a formam, e pelas novas formações que aí se encontram.

Sôbre a superficie que corresponde á região ulcerada, o epitélio desapareceu completamente, restando sómente algumas celulas epiteliais com um, protoplasma pálido de núcleo pouco colorido. Sôbre a parte da zona inter-epitelial, uma formação pseudo-membranosa, constitui-da apor uma rede de fibrina, recolhe nas suas malhas numerosos elementos de infiltração, geralmente, polinucleares, micro-organismos baicilares e cócos. Esta rede de fibrina emite na sua parte inferior ramificações que se vão insinuar no tecido sub-jacente. Êste tecido apresenta todos os caracteres do tecido granuloso em diferentes estados, rico de células fusiformes, estraladas e irregulares (com núcleo claro, grande, de forma quasi vesical com citoplasma finamente granuloso), células oriundas, sem nenhuma duvida, de infiltração leucocitária, rica de grandes elementos redondos, contendo em abundancia citoplasma, ligeiramente basófilo, com um núcleo redondo, vesiculoso, "plasmazellen" de Unna. Não se observam "mastzellen". As camadas profundas dêste tecido granuloso se confundem com uma ramada de tecido conectivo adulto, rico em vasos semelhante a que se observou nas regiões excêntricas do papiloma.

As formações papilares hipertroficas e hiperplásicas nas zonas da periferia são, no ponto em que correspondem á parte ulcerada, alteradas ou desapareceram. Elas são, geralmente, de uma espessura visinha da normal, e apresentam, exceto as dimensões e a estrutura fina, os mesmos caracteres que as partes excêntricas.

Nas secções coloridas pelo May-Grünwald e com o triácido de Ehrlich, não se encontram eosinófilos que, segundo Tizzoni, são constantes entre os elementos do tumor".

Interessante é, tambem a frequencia com que são encontrados eosinófilos nos exames histo-patológicos de papilomas ulcerosos de freio da língua e a significação que lhes emprestam certos autores.

Cappucio Cozzolino acusa uma existência de eosinófilo em dois de três casos examinados; Comby uma vez em duas, e Petrone em quasi todas as suas observações. Frizzoni e Meynier encontraram em diferentes retenções do tumor, e mais frequentemente na camada conectiva, numerosas celular eosinófilas, fazendo-lhe crer que havia uma relação entre o tumor e os eosinófilos do sangue da circulação.

De Villa, seguindo a opinião de Frizzoni, acha que esta eosinofilia se explica por uma ação hemostática positiva sobre o sangue em circulação, determinada pela distribuição dos elementos epiteliais, e diz mais:

"Partindo-se do fato de que os produtos bacterianos agem sobre os polinucleares e os eosinófilos, com uma ação quimiotáxica negativa, o sinal dos eosinófilos deveria faltar, quando se acham germens no tumor; assim deduz-se que se o sinal dos eosinófilos era constante no papiloma ulceroso do freio da língua, êste fato afasta a hipótese da origem bacteriana desta lesão".

OBSERVAÇÃO:

Aos 16 dias do mez de Junho de 1935, Maria Aparecida Z., com sete meses de idade, de côr branca, residente na Fazenda Ariano, em Lins, foi trazida ao nosso consultorio para exame da boca, por apresentar um "tumorzinho branco" debaixo da lingua.

Nascida de termo, de pais fracos e doentios, sofrendo o pai, aos 34 anos, dos alhos e do coração (sic) e a mãe dos rins (sic), alimentada somente ao seio, jamais apresentou a nossa observada qualquer alteração de saúde a não ser ligeiros resfriados.

Nem os pais, na primeira, infância, nem os irmãos vivos, em numero de cinco, tiveram doença, idêntica a esta, que ora acometeu a pequena Maria Aparecida.

Conta a sua progenitora que aproximadamente há duas semanas, após a erupção dos dois incisivos medianos inferiores, que se fez normal, apareceu debaixo da língua um pontinho esbranquiçado", do tamanho doe uma cabeça de alfinete, o qual foi aumentando, sem se encher de liquido, sem sangrar e sem se romper, motivando esta consulta ao especialista.

Ao exame geral, notava-se, somente, um certo grau de palidez, mucosas descoradas, diminuição sensível do paniculo adiposo e poli micro-adenopatia cervical. Para contrastar com este quadro mórbido, tinha a pequena regular vivacidade, movimentos e choro normais.

Ao exame local, verificamos apresentarem-se normais a mucosa dos lábios, das gengivas, das bochechas, do véu do paladar, bem como o aparelho ósseo mastigador e a língua, pelos seus bordos e face superior.

Reclinada a língua para trás, pondo-se a descoberta a sua face inferior, vimos, ao nível do freio, ocupando a sua, base, uma pequena néo-formação saliente, séssil, arredondada, móvel sobre os planos que a sustentam, com as dimensões de um grão de café, recoberta por uma membrana esbranquiçada, de superficie lisa, de consistencia fibroelastica, deixando-se destacar com facilidade, aparecendo a porção sub-jacente mamilosa, irregular e sangrenta. Essa néo-formação repousava sobre um nódulo endurecido, sem, contudo, haver comprometimento dos canais de Warthon.

Afastada a idéia de lesão provocada por coqueluche, não só pela declaração da mãe da nossa doentinha, como pela ausência da mais leve crise de tosse coqueluchóide, apesar do choro da pequena durante o exame, estavamos diante de um caso de doença de Riga-Fede ou papiloma ulceroso do freio da lingua.

Instituímos, doe logo, o tratamento classico: cauterisações locais com um soluto de nitrato de prata a 2 %, que não puderam ser feitas com a regularidade precisa, pois a distância de muitos quilometros que separava a residencia da família da paciente da cidade, e os seus minguados recursos economino-financeiros lhe não permitiam frequentar regularmente a nossa clinica.

Em cinco sessões seguidas, repetimos a nitratação e em 26 de Junho fizemos umas galvano-punturas superficiais, destruindo a membrana esbranquiçada e atingindo de leve o plano sub-jacente; em 28 repetimos a terapêutica da sessão anterior e em 30 voltamos á nitratação, apresentando a pequena melhora local sensível.

Com esta melhora, a paciente não foi trazida mais á nossa clínica até o dia 5 de Novembro do mesmo anno de 1935, quando voltou em idênticas condições és apresentadas no primeiro exame.

Insistimos na nitratação local, feita com intervalos irregulares de 4, 5, 8 e mais dias, pelas mesmas razões expostas atrás, até o dia 5 de Dezembro e dessa data em diante começamos a alternar as aplicações de nitrato a 2 % com as de tintura de iodo.

Nesta segunda fase de tratamento em nossa clinica, foram feitos pelo Ph. Francisco Peduti, Diretor-técnico bacteriologista do Laboratório Biológico do Brasil, com séde em Lins, os seguintes exames:

1.° - Hematimetria e hemoglobinometria:

Resultado: - "Encontramos no sangue, colhido no nosso Laboratório, 3.840.000 hematias por mm3 e 60 a taxa de hemoglobina. sendo o valor globular de 0,70 ou VG 1".

2.°) - Curva leucocitária:

Resultado: - "Encontramos no sangue colhido no nosso Laboratório:

Mononucleares grandes - 16,3%
Mononucleares médios - 3,4%
Mononucleares pequenos - 15,5%
Polinucleares neutrofilos - 41,3%
Polinucleares eosinofilos - 22,4%
Polinucleares basofilos - 1,1%

Total: 100%

3.º) - Pesquisa de ovos e larvas de parasitas intestinais:

Resultado: - "O exame, feito no material enviado ao nosso Laboratório, foi positivo para ovos e larvas de ancilostomo".

Chamo atenção, ao tratar da curva leucocitária da nossa paciente, para o fato de ser assinalada sinalada uma ecentuda eosinofilia, e se encontrar no "Tratado de Patologia Interna", publicado sob a direção de Ed. Enriquez, A. Lafitte, C. Laubry e C. Vinoent, a citação de uma, observação de Fede na qual se registrou tambem uma eosinofilia, fenomeno que jamais tornou a ser observado.

A eosinofilia da nossa observada justifica-se plenamente com o resultado do exame das fezes, pois nestas foram encontrados ovos e larvas de ancilostomo.

E' para notar, entretanto, que este dado fornecido por Fede, não tenha sido fundamentado com um exame de fezes, quando todos os clinicos são acordes em que "a percentagem de eosinófilos superior a 4 % pode significar, em semiologia, helmintiase, intestinal ou sanguínea".

Essa eosinofilia, citada por Fede, sem um exame de Rezes da paciente, tornou-se inexpressiva em face da doença de Riga-Fede, o mesmo acontecendo com a da nossa observação, por terem sido encontrados, nas fezes da doente, ovos e larvas de anciloctomo.

As aplicações de nitrato d.e prata a 2 % e 5 %, alternadas com as de tintura de iodo, mau grado a irregularidade com que foram feitas, chegando a haver intervalos de 8, 10 e mais dias, deram um resultado satisfatório, pois a falsa membrana desapareceu logo com as primeiras cauterisações, a base endurecida foi diminuindo de dimensões e modificando a sua consistência, bem como toda a ulceração e, presentemente, resume-se a lesão em uma mancha de cor vermelha carregada, ligeiramente empastada, sem contornos nítidos e sem relevo, recoberta já de mucosa normal. A doentinha teve a erupção dos outros dentes sem acidente de qualquer natureza e, após ter tomado um vermífugo, apresenta melhor estado de saúde. Continuamos a fazer as cauterizações alternadas, nitrato de prata e tintura de iodo, e esperamos em breve dar alta a nossa paciente completamente curada.

CONCLUSÕES: - Silvio Palazzi, tomando em consideração os estudos anteriormente feitos e os resultados das suas observações, tirou as seguintes conclusões:

l.ª) - A doença de Riga-Fede é uma afecção puramente local, de origem mecânica (Chiarello, Fede). E' absolutamente benigna, pode causar ligeiras perturbações gerais, hiponutrição, etc., que devem ser imputadas á dificuldade de absorpção dos alimentos.

2.ª) - Sob o ponto de vista anátonlo-patológico, o tumor deve ser considerado como uma formação grânulo-papilomatosa e a denominação de papiloma granuloso é a que melhor lhe convém. Efetivamente, o tumor não é senão um papiloma que sofreu uma fase ulcerativa e inflamatória, tomando em certas partes o aspecto de tecido granuloso.

3.ª) - O tratamento deve ser essencialmente cirúrgico e é preciso intervir sôbre o tumor, abstração feita de qualquer outra terapêutica. A extração dos dentes não deve ser praticada senão nos casos de recidiva do tumor depois de sua excisão."

Infelizmente, a raridade desta doença, da qual só tive até o presente ocasião de verificar uma única observação, não me dá direito a tirar conclusões, nem formular princípios, nem defender teorias novas. Baseando-se, contudo, nos estudos e observações que outros fizeram, com mais largueza de material, e pelos dados que esta única observação me forneceu, acho que poderei expressar o meu modo de agir diante de um caso de papieoma granuloso do freio da língua ou doença de Riga-Fede.

Concordo com as duas primeiras conclusões do Dr. Silvio Palazzi in totum. Da terceira, subscrevo sómente a segunda parte, a que diz: "A extração dos dentes não deve ser praticada senão nos casos de recidiva do tumor depois ide sua excisão". Quanto á primeira parte: "O tratamento deve ser essencialmente cirúrgico e é preciso intervir sôbre o tumor, abstração feita -de qualquer outra terapêutica", aponho o seguinte argumento: não seria proveitoso para o doente tentar um tratamento por cauterisações e na falência dêste, então, recorrer ao cirúrgico? Lembro esta hipótese de Cura por cauterisações louvando-me no fato da nossa paciente estar quasi curada, a-pesar da irregularidade do tratamento, sem complicação alguma a lastimar, e a lesão apresentar-se em plena fase regressiva, dando-nos grandes esperanças de cura completa dentro de um prazo mais ou menos curto.

BIBLIOGRAFIA

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CHIARELLO - Maladie de Riga - Mouv. médico-chirurgical, Naples, année XII, fase. 7, pag. 394.
CHIARELLO - Seconde contribution á la connaissance de la maladie de Riga ou ulcératibn sublinguale mécanique - Mouv. médico-chirurgical, pag. 269, Naples, 1882.
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COZZOLINO - A propos d'un cas de production sublingual avec absence d'éosinophiles dans les élements de la tumeur - La Pediatria, n.º 7, 1904.
CRUCHET ET LEURET - Nouveau cas d'exulcération sublinguale (maladié de Riga) avec autopsie - Árch. de Médicine des enfants, n .º 3, 1909.
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LUSTIG-GALEOTTI - Traité de Pathologie générale - Societé Editrice Libraria, Milan, 1911.
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ZANETTI - Maladie de Riga-Fede - La pediatria, Napoli, 1906.

DISCUSSÃO

Dr. Mano Ottoni de Reende - O caso apresentado pelo Dr. Helio Lemos Lopes é não só bastante interessante mas tambem raro. A observação do Dr. Lemos, que muito embora, traga a Indicação de um só caso de uma molestia, nos serve para nossa orientação futura.

Tomando naturalmente o maior cuidado no exame das crianças deste tipo, afim doe que não nos passe desapercebido caso semelhante, pois que não estando o espirito inclinado para a observação de determinadas molestias, os nossos olhares passam ás vezes por ela, sem nos apercebermos.

Helio Lemos Lopes - Agradeço ao Dr. Mario Ottoni as suas considerações e aproveito a ocasião Para dizer ao Dr. Mangabeira, Albernaz, meu Mestre, o grande auxilio que prestou ao meu trabalho, colocando sua Bibliotheca á minha disposição e a sua orientação de mestre.




1 - Ex-Interno da Clinica do Prof. Eduardo Moraes no Hospital Sta. Izabel, da Bahia e Ex-Assistente da sua clinica civil.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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