INTRODUÇÃOAs hipertrofias cronicas dos cornetos são devidas ao desenvolvimento exagerado seja da parte ossea, seja das partes moles que recobrem o esqueleto.
O aumento de volume das partes moles pode consistir em um simples processo degenerativo (como ocorre no aumento de volume dos cornetos medios nas sinusites cronicas); ou em um processo de verdadeira hiperplasía (rinite hipertrofica ou hiperplásica); ou em mera dilatação das lacunas vasculares, processo de simples congestão, no qual o aumento de volume é mais devido ao acrecimo da massa sanguinea do que a um aumento de volume dos tecidos proprios do corneto (rinite vaso-motora).
De um ponto de vista pratico, podemos assim esquematisar as hipertrofias dos cornetos
Em rigor, o aumenta de volume das partes moles que revestem os cornetos, com aumento de celulas proprias, constitue processo de hiperplasia, e não hipertrofia. No entanto, o uso, aqui como em muitos outros setores da Medicina não se submete aos rigores de perfeita terminologia. Empregaremos indistintamente os termos "hipertrofica" e hiperplasica".
As hipertrofias osseas que venham a produzir disturbios, são corridas pela resecção apura e simples do osso, recoberto de suas partes moles (Cornetomía). As hipertrofias degenerativas são confiadas á extirpação pela alça fria, ou pela alça galvanica, ou pelas tesouras nasais. O mesmo poderemos dizer das rinites hipertroficas circunscritas. Quanto ás rinites hipertroficas difusas e á rinite vaso-motora, tão encontradiças na pratica, seu tratamento tem sido objeto de maiores discussões. Elas constituem o principal objeto do presente trabalho.
HISTOLOGÍA NORMAL DOS CORNETOS
Quem deseje aprofundar um pouco o estudo dá anatomia das fossas nasais não pode deixar de lançar mão da classica "Anatomia normal e patologica das fossas nasais e de seus anexos pneumaticos", de Zuckerkandl. Esta, obra continúa a ser fundamental em rinología. Vejamos o que diz sobre a estrutura do tecido cavernosa dos cornetos, assunto que nos interessa diretamente, não nos detendo no que se refere a outros elementos linfaticos, glandulas, etc.
Zuckerkandl, que, aliás, se apoia no trabalho de Kohlrausch, de 1853, admite que as partes moles que recobrem o corneto osseo não passam de mucosa, na qual está incluído, com, maior ou menor desenvolvimento, um tecido cavernoso. Tanto é assim que, nesse tecido, podem-se observar glandulas que se estendem, muitas vezes, desde o epitelio de revestimento, até á camada periostica, o que prova, que as lacunas vasculares estão incluídas no meio da mucosa.
O tecido eretil se compõe de duas camadas: uma, a verdadeira, é formada de grossos troncos venosos; a outra, a camada cortical, repousa sobre a primeira.
Sobre a disposição das veias que constituem o tecido cavernoso, notemos:
1.º As veias da camada profunda se dirigem transversalmente entre a superfície da mucosa e a superficie ossea, do corneto, isto é, têm uma direção perpendicular á superficie da mucosa. As veias que dão saída ao sangue do corpo cavernoso se dispõem em torno das arterias, formando rêdes periarteriais. Assim, como nos vasos intracraneanos, essa disposição permite que as arterias, contidas em involucros osseos, possam executar seus movimentos de sistole, o que não seria possivel se essas arterias se apoiassem diretamente em canais osseos, rigidos.
2.° A rêde venosa cortical ou superficial, menos espessa que a rêde profunda, é mais uniforme, não se notando tão grandes desegualdades no diametro de seus canais.
Zuckerkandl chama a atenção para a persistencia da camada muscular das veias, que não desaparecem pela transformação das veias em lacunas venosas. E frisa que "a parte da mucosa nasal que: contem tecido eretil é um orgão muito musculoso".
Entre as lacunas venosas existe um tecido intercalado, que não é mais do que uma expansão da tunica externa das paredes vasais, encontrando-se nesse tecido um grande numero de fibras elasticas.
Pilliet descreveu, na musculatura das veias do tecido cavernoso, fibras longitudinais e circulares, como exisem nas veias em geral.
Segundo Zuckerkandl, as fibras musculares do corpo cavernoso dos cornetos, são todas pertencentes ao sistema venoso. Outros autores admitem que ha fibras musculares independentes, disseminadas no tecido intersticial ou interlacunar.
O que se observa de notavel no tecido cavernoso dos cornetos, e que o distingue do tecido cavernoso tipico, é que não existem anastomoses diretas entre o sistema arterial e o venoso. Pesquisas recentes de Swindle, publicadas no "Annals of otology, rhinology and laryngology" de Dezembro de 1935, confirmam esse ponto.
Assim, o tecido cavernoso dos cornetos não é típico. Para Zuckerkandl, "representa morfologicamente uma especie de transição entre um plexo venoso simples e um corpo eretil verdadeiro".
O mecanismo de esvasiamento e enchimento de tecido cavernoso se acha sob a dependencia do ganglio esfeno-palatino. E' digno de nota que a retração do tecido cavernoso dos cornetos não se faz pela simples diminuição do afluxo de sangue, ruas por uma verdadeira constrição muscular. Com efeito, os corpos cavernosos, após esvasiamento, não se transformam em massa mole, mas todo o corneto se retrae, inclusive a mucosa.
Admite-se, com base em dados fisiologicos e patologicos, que o tecido eretil dos cornetos é manobrado por nervi erigentes, ramos do esfeno-palatino.
HISTOLOGIA PATOLOGICA DAS HIPERTROFÍAS DOS CORNETOS
Na rinite hiperplasica, segundo Denker ha mulplicação dos elementos proprios do tecido e não um simples estado hiperemico, como acontece nas rinites cronicas simples. Essa multiplicação dos elementos tanto pode ser difusa, como localisada na cabeça, na cauda ou no bordo inferior do corneto, realisando então o tipo da rinite hiperplasica circumscrita.
Eis, segundo Laurens, as lesões histo-patologicas na rinite hipertrofica cronica (Compendio de oto-rino-laringología).
"Numa primeira fase hiperemica, as lesões se caracterisam pelo relaxamento das malhas do sistema, eretil da mucosa nasal, conduzindo a uma hipertrofia mole dessa mucosa. Os vasos estão dilatados, as lacunas abertas, os capilares vegetantes, ha extravasamentos sanguíneos. Nesse período congestivo, a mucosa, vermelha se retráe sob a influencia da cocaína. Numa segunda fase, o epitelio espessado se torna, parceladamente, pavimentoso estratificado, o sistema glandular se hipertrofia, sobretudo o tecido conjuntivo prolifera ao nível dos espaços sob-mucosos, mais ou menos infiltrados de celulas redondas. Nessa fase, a mucosa está mais palida, bruco-violacea, e se retráe menos á cocaína. Enfim, num terceiro período, uma degeneração edematosa dá á. mucosa uma aparencia translucida e polipoide. Na visinhança, o periosteo e o osso reagem por hipertrofía".
Na rinite vaso-motora as alterações consistem em uma turgecencia das areolas do tecido cavernoso. Com o correr do tempo, pela repetição das crises a mucosa sofre degeneração edematosa. Às vezes se formam polipos mucosos, seja nos cornetos inferiores, seja nos medios (Laurens).
Não nos deteremos no estudo das hipertrofias osseas, que nada apresentam de extraordinario, nem das hipertrofias degenerativas, consequentes a supurações cronicas, onde se nota apenas grande infiltração edematosa das partes moles.
DISTURBIOS PRODUZIDOS PELAS HIPERTROFÍAS DOS CORNETOS
As hipertrofias cronicas dos cornetos podem produzir disturbios:
a) Respiratorios ou mecanicos;
b) Auriculares ou infecciosos;
c) Reflexos ou nervosos.
Vejamos, rapidamente, cada uma dessas classes de perturbações:
Disturbios respiratorios - É evidente que, se durante a respiração, ha passagem de uma dupla coluna de ar atravez das cavidades nasais, a respiração se torna dificultada pela diminuição da largura, da amplitude dessas mesmas cavidades.
Como se dá essa diminuição?
Se considerarmos que o interior do nariz é dividido em duas partes pelo septo, disposto paralelamente á direção da corrente de ar, poderemos prever que o desvio do mesmo septo, seja para a direita, seja para a esquerda, a não ser que seja muito acentuado, pouco influe na passagem do ar. Com efeito, se o desvio do septo para um lado tende a estreitar a fossa desse lado, em compensação tende a alargar a do lado oposto. Portanto, podemos, á priori, afirmar que se dá, geralmente, importancia indevida aos desvios do septo como agente de obstrução nasal.
Ao contrario, a hipertrofia de um corneto reduz, de fato, a amplitude da fossa correspondente, dificultando a passagem da corrente de ar, quando não a impede quasi totalmente. O papel obstrutivo dos cornetos é, segundo penso, muito mais importante do que o do septo, devendo as vistas do especialista se voltarem mais para a cirurgia dos cornetos que para a do septo.
Na pratica tenho obtido confirmação desse ponto de vista. Muitas vezes, por meio de uma simples intervenção em cornetos, corrigi uma obstrução da qual o doente se queixava sempre, e da qual não se vira livre por meio de uma resecção do septo feita anteriormente, e bem feita. Não resta duvida que, talvez por ser mais interessante, se abusa da resecção septal, quando uma simples intervenção nos cornetos resolve muito casos. Naturalmente não me refiro aqui ás grandes deformidades septais por desvios, nem aos casos de cristas e grandes esporões septais, que produzem os mesmos disturbios que as hipertrofias dos cornetos.
Os disturbios mecanicos produzidos pelas hipertrofias dos cornetos são, de muito, mais frequentes que os nervosos e auriculares. É tambem aí que a terapeutica, é mais eficiente. Com efeito, os disturbios nervosos, muitas vezes, se desencadeiam em terrenos já preparados, a intervenção nasal pouco adeantando. Quanto aos disturbios auriculares, uma vez instalado um processo patologico da trompa, ou da caixa, nem sempre é possível curá-lo somente pela intervenção sobre o corneto.
Dirturbios auriculares - Em geral são produzidos pelas hipertrofias das caudas dos cornetos inferiores, acarretando desordens na circulação para o lado dos orifícios tubarios ou mesmo pela irritação, inflamação e até obstrução direta dos mesmos orifícios, consequentes a uma grande hipertrofia circunscrita do corneto. Qualquer tratamento auricular, sem previa resecção da cauda do corneto correspondente é, nesses casos, inutil.
Disturbios reflexos - O desenvolvimento exagerado de um corneto, colocando-o, ás vezes, em contato direto com o septo, produz, talvez por um mecanismo de compressão e irritação das terminações nervosas, uma serie de disturbios conhecidos pela expressão generica de nevroses nasais reflexas.
Muitas vezes esses disturbios cedem pela simples aplicação local de vaso-constritores, que temporariamente determinam o afastamento e descompressão dos cornetos e do septo. A resecção do corneto, ou qualquer processo que determine sua permanente retração, tem, nesses casos, formal indicação, resultando, muitas vezes, o remedio heroico de bronquites asmatiformes, de estados angustiosos, etc. Por esse processo, principalmente pelas cauterisações, já foram realisadas muitas "curas milagrosas", que impressionam o doente pelos seus resultados quasi imediatos.
TRATAMENTO DAS HIPERTROFÍAS CRONICAS DOS CORNETOS
Os tratamentos classicos - Morel-Mackenzie, em seu "Tratado pratico das doenças do nariz", edição franceza de 1888, nos fornece um interessante capitulo referente á "hipertrofía da mucosa das fossas nasais", no qual se mostra prudentemente intervencionista. Aí já se refere ao emprego de escudos protetores do septo, aconselhando o de Shurly, que consiste em um especulo nasal do qual uma das valvas é substituida por uma placa de marfim. Tambem aconselha o uso da pasta de Londres, do acido acetico cristalisado e do nitrato de prata.
O velho "Tratado das molestias das fossas nasais", de Moldenhauer, de 1898, nem faz referencias á rinite hipertrofica, embora se refira aos estados congestivos dos cornetos inferiores ligados á febre do feno.
Moure, em 1893, em seu livrinho "Manual pratico das doenças das fossas nasais", consagra um capitulo ao "coriza hipertrofico", que ele define "a tumefação persistente e mais ou menos generalisada da mucosa pituitaria". Estende-se nos sintomas objetivos e aconselha a cauterisação galvanica dessas hipertrofías.
Garel, em 1897, no pequeno volume "Diagnostico e tratamento das doenças do nariz - Rinoscopia", passa em revista os processos então usados e recomenda a electrolise dos tecidos, reservando a alça galvanica para as hipertrofias da cauda dos cornetas. Na edição de 1910 do mesmo livro, mantem os mesmos pontos de vista.
Lermoyez, na sua "Terapeutica das moléstias das fossas nasais", de 1896, ao tratar das hipertrofias difusas, considera mediocres os resultados da eletrolise e se bate pela cauterisação quimica (acidos tricloracetico e cromico) e, principalmente, pela galvanocaustía linear por meio de cauterios munidos de protetores de marfim ou de cobre, com o fim de evitar as queimaduras do septo e consequentes sinequias.
O "Tratado de oto-rino-laringología", de Ricardo Botey, de 1902, se estende no tratamento pela galvanocaustía, alças, tesouras, conchótomos.
Chiari, em "Moléstias do nariz", tradução franceza de 1902, resume as indicações terapeuticas em: causticos químicos para as hipertrofias difusas menos pronunciadas; galvanocaustía para as mais pronunciadas; alça. galvanica para as hipertrofias circunscritas. E frisa:
"Será bom evitar, nos narizes muito estreitos, a cauterisação, para evitar o perigo de sinequias entre os cornetos e o septo".
Castex, nas "Molestias do laringe, do nariz e das orelhas", de 1909, se detem na galvanocaustía, embora cite outros metodos, inclusive o do ar quente, de Lermoyez e Mahu.
O mesmo autor, em sua "Consultas oto-rino-laringologicas, para uso do pratico", de 1912, se refere apenas á cornetomía e galvanocaustía.
Moure e Brindel, no seu Guia pratico das molestias da garganta, do laringe, das orelhas e do nariz", de 1914, rejeitam a cauterisação, seja galvanica, seja química, reservando-a apenas para os casos pouco acentuados e preferindo a cornetomía.
Laurens, em sua "Cirurgia do ouvido, no nariz, do faringe e do laringe", em 1924, é positivo. Ao falar das indicações da cauterisação galvanica, se refere á rinite hipertrofica,dizendo:
"A cauterisação ignea tem aqui sua principal indicação para reduzir o volume exagerado da mucosa do corneto. A turbinotomía não deve ser feita senão quando a mucosa sofreu uma, degenerescência polipoide ou nos casos de impermeabilidade por atresía esqueletica".
Lamb, de Birmingham, no seu "Guia pratico das molestias da garganta, nariz e ouvidos", de 1909, tambem cita a galvanocaustía, reservando-a para a congestão turbinal, enquanto as alças são destinadas ás hipertrofias.
No livro de 1911 "Molestias do ouvido, nariz e garganta, para o medico da família e o estudante de medicina", por Henrique Reik e Neilson Reik, de Baltimore, os autores não se detêm na tecnica mas advertem o medico sobre os perigos da galvanocaustía e cauterisações entre mãos não especialisadas.
O pequenino manual de Mancioli "Molestias do ouvido, do nariz e da garganta", de 1924, prefere, ainda, a galvanocaustía e, em alguns casos, a coagulação dos tecidos pelas correntes de alta frequencia.
Na grande "Tecnica cirurgica oto-rino-laringologica", em 1924, Moure, Liebault e Canuyt atacam vivamente as cauterisações, preferindo a cornetomía, baseados nos seguintes argumentos:
1.° A resecção é mais simples;
2.° Os resultados da cauterisação são temporarios;
3.º As cauterisações da cauda dos cornetos são impossiveis.
Jorge Portmann, no seu "Tratado de tecnica operatoria otorino-laringologica.", de 1932, diz, a proposito da cornetomía:
"É indicada cada vez que o corneto está hipertrofiado de maneira permanente e que os fenomenos se acompanham de perturbações respiratorias, auditivas ou reflexas".
Assim, põe de lado qualquer indicação de cauterisação.
O "Tratado de Oto-Rino-Laringología e das enfermidades da boca", de Denker e Albrecht, datado de 1928, preconisa a galvanocaustía e se refere com cepticismo ás cauterisações quimicas para as hipertrofias difusas da mucosa.
O livro de Korner, edição de 1912, "Tratado das molestias do ouvido, nariz e garganta", considera a galvanocaustía como tratamento antigo e prefere o acido cromico ou tricloracetico, bem como as tesouras, alça fria, etc. Essa opinião não é modificada na tradução de Grünberg, de 1933.
Para encerrarmos esse golpe de vista historico, citemos a opinião de Laurens, no seu "Compendio de Oto-Rino-Laringología", de 1931, cuja edição brasileira, de 1935, refere a galvanocaustía para os casos de hipertrofia sob forma "congestiva simples" e a ablação com alças ou pinças, nos casos de "hipertrofía conjuntiva". A certa altura diz Laurens:
"A terapeutica das rinites cronicas, catarrais, congestivas ou hipertroficas não deve se reduzir á cauterisação nasal, isto é, á fertil e industriosa convenção da ponta de fogo, mas deve ser ora medica, ora cirurgica".
Nota - As cauterisações nasais, feitas com o galvano-cauterio expõem á formação de sinequias, seja pela simples irradiação do calor que, ao mesmo tempo que age sobre o corneto, age sobre o septo, na sua porção fronteira; seja pela indocilidade do paciente, que, por um brusco movimento da cabeça, provoca o contato da alça quente com o septo. O resultado é uma aderencia do corneto, ao septo, peorando as condições de permeabilidade nasal, em logar de melhorá-las.
Para impedir esses desastres, os autores inventaram numerosos dispositivos, mais ou menos complicados e fora de uso - espatulas e escudos protetores, laminas protetoras na propria alça galvanica, etc.
Ha varios anos venho adotando, com os melhores resultados, um processo simplissimo e absolutamente seguro para evitar as sinequias. Consiste em associar á valva curta de um especulo nasal ordinario, uma, valva longa de um especulo de Killian. A valva curta servirá para afastar a azado nariz e a valva longa, introduzida ao longo do septo, desempenha o papel de escudo ou espatula protetora, tornando impossivel o contato da alça com o septo, visto como o galvanocaustico trabalha entre o corneto e a valva longa.
Por meio dessa combinação dos dois especules, que se torna facil desde que sejam de construção semelhante, diferindo apenas no comprimento das valvas, evitamos, com instrumentos existentes em qualquer consultorio, uma desagradavel complicação de uma intervenção em si mesma muito simples.
TRATAMENTO DAS HIPERTROFIAS DOS CORNETOS PELAS INJEÇÕES ESCLEROSANTES EM GERAL
As injeções esclerosantes no tratamento das varizes já foram empregadas pelos antigos cirurgiões do século passado. Usaram percloreto de ferro, lugol, cloreto de sodio, alcool, acido fenico, sublimado, cloral, etc. Os resultados, ás vezes desastrosos, desanimaram os tecnicos e só depois que Sicard e seus colaboradores puzeram em uso as soluções de carbonato de sodio e, mais tarde, o salicilato de sodio, é que se poude esperar algo desse metodo.
Foi Genevrier que, em 1922, introduziu os sais de quinino na terapeutica esclerosante, empregando o cloridrato, solubilisado pela uretana.
Vandier, em 1926, recomendou o cloridrato de quinina e uréa, que tem sido largamente experimentado não só no tratamento das varizes, como em proctología, tendo dado origem ao conhecido processo de Bensaúde. Em 1934, Riddoch, atribuindo as escaras verificadas no tratamento das varizes, ao radical hidroclorico, solveu tentar o lactato, em logar do cloridrato, tendo obtido resultados muito melhores em 170 casos observados.
Tendo conhecimento desse processo, induzí o distinto colega Dr. Mendes de Castro, então interessado no tratamento das varizes, a experimentar o lactato, tal como o emprego na terapeutica das rinites hipertroficas. Embora em experimentação, o lactato parece ter dado, nas mãos daquele colega, resultados muito superiores aos outros processos.
No nariz foram aplicadas e experimentadas injeções de alcool, por Vail, em 1933 e Metzenbaum, em 1934.
Lafayette Monson, em 1935, refere ter experimentado dextrose a 50 %, cloreto de sadio a 20% e salicilato de sodio a 20 %.
O Dr. Joseph, de Berlim, tambem refere ter empregado soluções de cloreto de sodio.
Os resultados foram variados. Mas ha tendencia para substituir aquelas substancias pelos sais de quinino.
Pessoalmente, tive ocasião de empregar o cloridrato duplo de quinino e uréa, e o lactato de quinino. Passo a referir os resultados obtidos, que não passam de um ensaio, visto como só uma centena de observações e por longo tempo, poderá estabelecer algo de definitivo em um processo terapeutico novo.
TRATAMENTO PELO CLORIDRATO OU SULFATO DUPLO DE QUININO E URÉA
Foi na França que se principiou a empregar esses sais na terapeutica nasal, tendo sido Richier o primeiro a mencionar o processo, em sessão de Fevereiro de 1930, na Sociedade Laringologica dos Hospitais. Em junho do mesmo ano publicou um artigo nos antigos "Annales des maladies de l'oreille".
Em Agosto de 1930, Luiz Lerroux publicou um artigo na "Presse Médicale", sobre o mesmo assunto.
Finalmente, em Outubro de 1930, Dutheilhet de Lamothe apresentou ao Congresso das Sociedades Francezas de O-R-L, novo trabalho sobre o mesmo tema, o qual foi publicado no faciculo de Outubro da "Revue de Laringologie", de Bordeaux.
Do ano de 1930 para cá nada encontrámos, na bibliografia franceza, que se refira ao assunto.
Em S. Paulo, na Clinica da Faculdade de Medicina, o Dr. Rafael da Nova resolveu experimentar esse novo metodo, tendo resumido os resultados em uma nota previa apresentada á Sociedade de Medicina e Cirurgia de S. Paulo.
Da mesma Clinica saiu, em 1932, a tese de doutoramento de Julio França Bittencourt, na qual o autor publicou 29 observações, sendo um dos casos, de epistaxis.
Na Policlinica de S. Paulo, em 1933, tive ocasião de empregar o processo de injeções de quinuréa. Como anestésico de embebição podemos usar a solução de cocaína a 10 % ou de percaína a 2 %. A percaína é um anestesico mais poderoso que a cocaína, mais barato com a grande vantagem de não ser estupefaciente.
Quanto ao vaso-constritor usado, quer em combinação com o anestesico, quer depois da injeção, pode-se usar a adrenalina. Excelente se revelou a Adrefina, da casa Parke & Davis, que é uma solução de adrenalina a 1:1000, sulfato de efedrina a 2% e cloretona a 0,5%.
Nota - Embora a farmacodinamica da efedrina não esteja perfeitamente elucidada tem sido objeto de numerosos estudos nestes ultimos tempos. A seu respeito, assim se exprimem Canuyt e Joublot, no seu excelente volume sobre a anestesía na especialidade:
"Possue propriedades vaso-constritoras muito energicas sobre as arterias perifericas e sobretudo sobre os capilares. Sua acção seria mais rapida e mais duravel que a da adrenalina".
Aliás, a composição quimica da efedrina (C10 H15 AZO), muito proxima da composição da adrenalina (C9 H13 Azo3), faz prever uma acção semelhante.
Tambem tive ocasião de empregar o Efresol "Evans", preparado de adrenalina e efedrina, obtendo resultados analogos aos da adrefina.
Em 1933 pratiquei as injeções de quinuréa em 7 casos, sendo 6 de doentes da Policlinica e um da minha clinica particular.
Colhi resultados pouco animadores. Alguns pacientes não voltaram após a primeira injeção. Em alguns casos foi necessario realisar duas injeções de cada lado. Os resultados não eram, porém, definitivos. As vezes o paciente se dizia curado e voltava duas semanas depois, queixando-se de ter o nariz novamente obstruido. Por isso abandonei o metodo, voltando ás cauterisações com o galvano-caustico.
Foi em 1935 que iniciei experiencias com o lactato de quinino, com os resultados que passo a relatar:
TRATAMENTO PELO LACTATO DE QUININO
O Dr. Lafayette Monson, de S. Francisco, E. U. A. N., no numero de julho de 1935 dos "Archives of Otolaryngology", publica, como nota clinica, os resultados que obteve com o emprego das soluções esclerosantes nas hipertrofias dos cornetas inferiores. Usou a solução de cloreto de sodio a 20%, a de glicose a 50%, a de salicilato de sodio a 20%. Não obteve resultados satisfatorios. Com uma a quatro injeções, obteve melhoras ou cura clinica, em 1/3 apenas dos casos. Em 17 casos empregou a solução de cloridrato de quinino, obtendo melhoras ou cura em 70% dos casos, necessitando de menos injeções que nos outros processos.
Passou, afinal, a empregar as soluções saturadas de lactato de quinino, sendo o primeiro a fazê-lo na terapeutica nasal. Em 25 casos obteve a cura, em 18; melhora, apenas, nos outros 7. Mais da metade eram casos de febre do feno ou asma do feno.
O numero de Abril de 1936 dos "Archives of Otolaryngology" traz outra nota do mesmo autor, na qual se refere ao emprego das soluções de lactato de quinino no tratamento das hemorragías nasais, com o qual obteve "consideravel sucesso".
Tendo eu lido as notas de Lafayette Monson, resolvi experimentar o processo, tendo obtido ótimos resultados em muitos casos, principalmente se compararmos com os usualmente obtidos pelos outros dois processos - galvanocaustía e injeção de quinuréa.
Segundo informação da Repartição para Propagar o Uso da Quinina, com séde em Amsterdam, o lactato de quinino. tem os seguintes caracteres físico-químicos:
Soluvel na agua fria na proporção de 1:3; na agua aquecida a 250 na proporção de 1:6 e na agua quente na proporção de 1:1; é facilmente soluvel no éter e no alcool. O pH de uma solução saturada na agua é 7,5.
A formula química é C20 H24 N2 O2 CH3 CH (OH) COOH. O teôr em base de quinina é de 76%, mais ou menos.
Tecnica - As soluções recentemente preparadas vêm acondicionadas em empôlas de 2 c.c. Não ha necessidade de esterilisação,pois, segundo Monson, as soluções de lactato de quinino são auto-esterilisantes, em concentrações acima de 1%. A solução saturada segundo Monson, contem 16,6% de lactato.
O manual operatorio é simples:
1.° Anestesía apor embebição da mucosa, por meio de repetidos tamponamentos com. solução de percaína ou neotutocaína,. adicionadas de adrenalina ou de adrefina ou de efresol.
2.° Injeção de 1 a 2 c.c. de solução de lactato por meio de seringa pequena, munida de agulha longa e fina. Empreguei, a principio, a seringa ordinaria, mas apresentava o inconveniente de, quando a pressão era maior, no interior da seringa, espirrar o liquido entre o bico e a agulha, necessitando retirada desta ultima e nova picada, o que se deve evitar o mais possível, para que se não perca, o liquido injetado. Com efeito, se houver dois orifícios nos tecidos, a injeção feita atravez de um se escôa pelo outro. Por todas essas razões, passamos a empregar a seringa Record, tipo Silvio Caldas, que tem a vantagem de ser instrumento acotovelado (facilitando a visibilidade), possuir agulha forte, de ponta finíssima, sendo absolutamente estanque, com a vantagem de ser mais barata quê as extrangeiras.
A injeção deve ser feita o mais lentamente possivel. Muitas vezes o paciente acusa uma subita dor de cabeça, que cessa em poucos segundos.
3.º Tamponamento imediato, após retirada da agulha, para isso usando tampões embebidos em adrenalina ou adrefina, fortemente comprimidos entre o corneto e o septo. Esse tampão pode ser retirado no dia seguinte, no consultorio.
Incidentes - Não tetra' maior importância. Na pratica podem se verificar os seguintes:
a) A pequena hemorragia que em geral aparece nas intervenções sobre os cornetos e que depende não só de melhor ou peor hemostasía previa como, principalmente, do estado de maior ou menor turgecencia do corneto doente.
b) Fortes dores de cabeça, produzidas pela brusca, distensão mecanica do tecido injetado; cessando logo quê se termine a injeção.
c) Em paciente na qual pratiquei a injeção de quinuréa, apareceu uma subita dor nos incisivos superiores do mesmo lado, cessando em pouco tempo. É provavel que, nas injeções de lactato ou em qualquer outra, feita rios cornetos, esse incidente tambem se verifique.
Sequencia. - Nos primeiros dias nota-se uma forte tumefação do corneto injetado, que principia a ceder no 4.° dia, aproximadamente. Daí por doente, a retração se faz lentamente, podendo considerar-se terminada no fim de 3 semanas a um mez.
Em alguns casos de grande hipertrofia, a retração é tão intensa que a mucosa, tendo que recobrir um volume muito menor do que antes, dobra-se sobre sí propria, dando aos cornetos um aspeto rugoso e chegando a formar verdadeiras franjas, de cor esbranquiçadas, pendentes na cavidade.
Geralmente, em torno do ponto injetado, aparecem algumas crostas finas que são removiveis por meio de simples lavagens com salmoura.
Em alguns casos, ou porque se injetasse pouco liquido, ou porque este não se difundisse bem no interior do corneto, torna-se necessaria segunda injeção. Pessoalmente nunca fiz mais de duas injeções no mesmo corneto e julgo que, se não se obtiver bom resultado com duas aplicações, não se obterá grande cousa com a terceira.
Parece-me que, mais do que da dose injetada, a retração depende do estado anterior do tecido cavernoso. Em tal raso, uma dose pequena produz grandes resultados; em tal outro uma dose maior pode produzir resultados insignificantes.
Se tivermos em conta o provavel mecanismo de ação das substancias esclerosantes (destruição da tunica interna elas aureolas vasculares ou, pelo menos, produção de fortes lesões, acarretando um processo de fibrose nas circumvisinhanças) podemos prever que as injeções :não darão resultada nos cornetos cujo aumento de volume seja devido á hipertrofia intersticial, sem aumento da parte propriamente vascular. É, de fato, o que se observa, na injeção de cornetos degenerados, que não se retráem bem á adrenalina. Em taes casos, só as grandes cauterisações ou a resecção pura e simples, poderão dar resultado.
É preciso ter em mente que o lactato de quinino, lançado, em solução saturada, em um meio fortemente vascularisado como o corpo cavernoso de um corneto (embora muito retraído pela ação de vaso-constritores), é, em parte absorvido, caindo na circulação geral. Isso é comprovado pelos dois casos nos quaes verifiquei, minutos após a injeção, o desencadeamento de fortes colicas uterinas. De passagem, digamos que isso vem demonstrar a realidade da discutida ação tonica do quinino sobre a musculatura uterina.
Outro ponto interessante é a verificação feita, em uma das observações que se seguem, sobre a inocuidade da injeção em paciente tuberculoso. Esse paciente, bastante depauperado, tendo sido portador de lesões abertas, suportou, sem a menor reação local ou geral, as injeções de lactato, sentindo-se curado dos repetidos resfriados.
Em nenhum caso verifiquei acidentes toxicos para o lado dos nervos acusticos ou otico, pontos de eleição para lesões pelo quinino, isso apezar da forte concentração do liquido manipulado.