SOBRE OS AUTORES
*) Professar de Clinicas Otorrinolaringologica do Escola Paulista de Medicina, S. Paulo: Professor de Anotomia da Faculdade de Medicina da Pontificia Universidade de Campinas Otorrinolaringologista-chefe do Hospital da Santa Casa de Campinas,
**) Assistente extranumerário da Clinica Neurológica (Prof. Paulino Longo) e assistente do Serviço de Neurologia (Dr Matos Pimenta) da Escola Paulista de Medicina neurocirurgião por concurso do Instituto dos Comerciários (S. Paulo).
A cirurgia do bulbo da veia jugular era exigida ou 1) pela trombose primitiva do bulbo, ou 2) pela trombose secundária, consecutiva à do sinus tranverso (sinus lateral, sinus sigmóide), ou 3) por lesões inflamatórias ou neoplásticas, localizadas na região, e acompanhadas de manifestações paréticas ou paralíticas dos últimos pares cranianos. A terceira possibilidade é excessivamente rara, mas não deixa de existir, e justamente a observação de um caso dêste tipo é que nos leva a fazer êste estudo. As duas primeiras hipóteses praticamente desapareceram com o advento das sulfas e dos antibióticos, em particular a penicilina. Em verdade, é extremamente rara, hoje em dia, a observação de casos de tromboflebite ou de trombose, quer do sinus sigmóide quer do bulbo, tanto do tipo primitivo, como do secundário.
A cirurgia do bulbo da jugular data de época algo recente: só foi levada em consideração e realizada há pouco mais de cinqüenta anos. O ato operatório devia visar o forame lácero posterior, e êste era considerado, teoricamente, inatingível.
Em verdade, desde que tanto Grunert como Voss estudaram a possibilidade do acesso ao bulbo, ficou patente que o problema era, de fato, difícil, e o maior obstáculo é o nervo facial. Os estudos anatômicos, feitos depois disso, vieram demonstrar que a dificuldade técnica principal era, porém, a extrema variabilidade de situação e de volume do bulbo.
Segundo Ramadier, é incontestável que a cirurgia do bulbo, tal como é realizada pelos diversos processos clássicos, é uma das práticas mais difíceis de nossa especialidade.
Para atingir-se o bulbo é necessário, em verdade, realizar uma intervenção em extremo complexa.
De modo geral, o bulbo da veia jugular não é simétrico: quase sempre o do lado direito é muito mais desenvolvido do que o do lado esquerdo. Êste desenvolvimento chega a tal ponto, que a cúpula do bulbo pode chegar até o dueto auditivo interno.
Na zona da protuberância occipital interna está localizado o confluente venoso chamado torcular ou largar de Herófilo. Aí se encontram o sinus longitudinal superior, o sinus reto, os dois sinus laterais e o sinus occipital. A confluência dá-se, como verificou Knott, sómente em 20% dos casos, na linha média; em 60% dos casos à direita, e em 20% à esquerda. Os sinus laterais dirigem-se para a parte posterior do temporal, e, neste trajeto, podem ter inclinação muito variável: o sinus de curso mais ou menos plano e o sinus de curso mais ou menos íngreme. Desta inclinação maior ou menor depende a curvatura maior ou menor do vaso sanguíneo, e, desta curvatura, o tamanho do bulbo, e, por conseguinte, da fossa jugular do temporal. Como demonstrou Berenguer, em sua tese de doutoramento apresentada à Faculdade da Bahia, e em parte orientada por um de nós, o que dá a variação do volume do bulbo, e por conseqüência, a grandeza da fossa, é o modo pelo qual o sinus longitudinal superior concorre para formar o sinus lateral. Em suas observações, em 200 pares de temporais e os 100 occipitais correspondentes, em 60% dos casos o sinus longitudinal superior dirigia-se para o lado direito, formando, com o mesmo calibre, o sinus lateral direito. Em 27% dos casos, dirigia-se para a esquerda, e, em apenas 9% dos casos, bifurcava-se em dois tubos venosos de calibre semelhante. Ora, isso decido do volume do bulbo e da fossa, pois em 60 casos em que o sinus longitudinal ganhava a direita, a fossa era maior dêste lado.
A variação de grandeza do bulbo determina, pois, a variação de grandeza da fossa jugular.
Em seus 200 temporais, Berenguer encontrou fossas em que não havia o menor vestígio de cavidade - prova de que não existia o bulbo; outras em que esta se apresentava como mera superfície lisa; e outras em que havia cavidades verdadeiramente profundas. Os dados encontrados revelaram:
Profundidade máxima
à direita - 6 mm. 82
à esquerda - 5 mm. 17
Comprimento (sentido longitudinal do rochedo)
à direita - 9 mm. 57
à esquerda - 8 mm. 40
Largura (sentido transverso do rochedo)
à direita - 13 mm. 45
à esquerda - 11 mm. 54
A situação do bulbo é, pois, muito variável, e pode êle entrar em relação com vários pontos do interior da pirâmide. Beyer observou casos em que êle chegava ao aqueducto do vestíbulo e até ao dueto auditivo interno. Num destes casos, havia deiscência da fossa jugular na parede póstero-superior do rochedo, à altura do orifício de entrada do dueto auditivo interno. Berenguer, em um caso, observou comunicação direta, por deiscência, entre o bulbo e o dueto estilomastóideo.
O sinus transverso (ou lateral), na sua parte inferior ou sinus sigmóide, alcança, para deixar a cavidade craniana, o forame lácero posterior, e o atravessa. Da saída dêste orifício em diante, toma o vaso venoso o nome de veia jugular interna, e, nesta saída, forma a curva mais ou menos pronunciada, que recebeu o nome de bulbo ou golfo da veia jugular.
A cirurgia do bulbo visa, portanto, o forame lácero posterior. Paul Laurens, em sua tese da Faculdade de Paris, localiza êste orifício, estabelecendo dois planos vértico-transversos, que passam, respectivamente, pelas bordas anterior e posterior do orifício externo do dueto auditivo externo ósseo. Como assinala Berenguer, só estão marcados, desta sorte, os reparos correspondentes às bordas anterior e posterior do orifício. Estabeleceu, por isso, o especialista brasileiro, dois outros planos, que limitam as extremidades externa e interna: a) um plano vèrticolongitudinal, que parte da face interna da apófise pterigóidé e corta perpendicularmente os planos transversos de Laurens; e b) um plano vèrticolongitudinal, tangente à face interna da base da apófise estilóide, paralelo ao primeiro, e igualmente perpendicular aos planos de Laurens. Infelizmente estes planos - quer os de Laurens, quer os de Berenguer - têm valor muito relativo, uma vez que se reportam ao crânio destituído dos tecidos moles.
O forame lácero posterior é formado, como se sabe, pela união do temporal ao occipital. Apresenta-se sob a forma de uma longa pera, cuja parte mais desenvolvida é externa e posterior. E' a parte chamada venosa do orifício, pois por aí se insinua o seio sigmóide. A espinha jugular do temporal limita para dentro esta parte venosa do forame lácero. A parte interna e anterior dá passagem ao nervo glossofaríngeo e ao sinus petroso inferior, para diante; e aos nervos espinal e pneumogástrico, para trás.
A posição do forame lácero não é horizontal, mas inclinada: a parte mais externa e posterior é mais elevada do que a parte mais interna e anterior. Levando-se em conta o seu formato, podemos dizer que, em operações que procuram atingir o bulbo, a ressecção óssea far-se-á na borda externa do orifício, visando o chamado processo jugular do occipital, muito espêsso, e constituído em grande parte por tecido esponjoso.
O problema na via de acesso ao bulbo tem sido sempre o risco de lesar o facial. Diz Beyer que, antes de se entrar própriamente na operação do bulbo, é muito importante verificar se o facial se apresenta ou inclinado, ou quase vertical. Diz êle que quanto mais lateralmente para fora se apresentar o segundo ângulo do sinus sigmóide, e quanto mais profundo na posição mediana do labirinto fôr o dueto horizontal, tanto mais oblíqua será a direção do nervo.
As operações clássicas preocupam-se, sem exceção, acima de tudo, com o facial. Há mesmo umas técnicas, como a de Panse e a de Winckler, que consistem em ressecar o massiço do facial do segundo ângulo até a saída no forame estilomastoídeo, e, depois de expor totalmente esta parte do nervo e repuxá-la para diante, dar início própriamente à intervenção sobre o bulbo.
Como bem o disse Ramadier, as operações que se destinam a expor o bulbo, podem ser divididas em dois grupos: as que usam a via prefacial, e as que usam a via retrofacial. A maioria dos processos utiliza a via posterior.
A localização do facial não é fácil. Vimos a que propõe Bayer: a maior ou menor inclinação do nervo está na razão directa da posição do segundo ângulo (ou joelho) do sinus sigmóide e da profundidade do dueto semicircular horizontal.
Ramadier, quando teve de estudar o assunto, verificou que não registra a literatura otológica, de modo preciso, a disposição do facial em sua emergência da base do crânio. Já havia eu, aliás, pessoalmente verificado o fato, quando estudava a anatomia cirúrgica do facial. A não ser a velha técnica de Kocher, que poucos autores referem, e a recente de Lathrop, pouco precisa em sua descrição, a exposição do terceiro segmento ósseo do facial também não estava estudada de maneira precisa.
Ramadier admite, para localizar o nervo, dois planos. O primeiro é vèrticotransverso, e passa pela borda anterior da mastóide. O forame estilomastoídeo fica, de modo geral, para diante dêste plano: ou tangente a êle, ou 1 a 3 mms, para diante. O segundo plano é vèrticolongitudinal (ânteroposterior) e tangente à face interna do vértice da mastóide, isto é, ao lábio externo da incisura mastoídea (incisura do digástrico). O forame estilomastoídeo fica sempre para dentro dêste plano. O forame, como se sabe, está no fundo de um funil. O plano passa na sua borda externa, de modo que "todas as formações ósseas, tanto pertencentes à mastóide como ao osso timpânico, que estão para fora dêle, podem ser ressecadas sem risco para o nervo". E um mérito de Ramadier esta sistematização.
Dez são as principais técnicas propostas para chegar-se ao bulbo: 1) a de Stenger; 2) a de Grunert; 3) a de Piffl; 4) a de Kramm; 5) a de Voss; 6) a de Lombard-Rouget; 7) a de Mouret; 8) a de Tandler; 9) a de Neumann; 10) a de Ramadier. Além disso, devemos fazer referência às modificações propostas: as de Grossmann, Iwanoff, Blumenthal, Citelli, para a técnica de Voss; as de Panse e de Winckler, para a técnica de Grunert; a de Fieandt, e a de Casadesus para a técnica de Tandler.
Segundo o parecer de Haymann, que estuda acuradamente as técnicas alemãs, a técnica de Voss modificada por Iwanoff é indubitavelmente a mais adequada, entre os diversos processos preconizados para o acesso ao bulbo, mas "a operação de Grunert, com suas várias modificações, particularmente as de Tandler e Fieandt, representa o mais radical e, do ponto de vista cirúrgico-técnico, em verdade, o melhor método de abertura do bulbo".
Não resta dúvida, porém, que, como aliás o assinala Beyer, na operação de Grunert, o facial pode ser lesado com relativa facilidade. Beyer acentua igualmente que, dadas as diversas variações da mastóide e do rochedo, torna-se um problema especial a topografia, para saber-se de que modo o bulbo deve ser atingido, e, de acôrdo com sua localização, um ou outro processo cirúrgico pode tornarse fácil, difícil ou inexequível".
De todos os processos preconizados, dois são os mais usados: o de Voss e o de Grunert.
Voss descobre o seio sigmóide na região mastoídea e, seguindo o vaso venoso, chega até o bulbo. E um método relativamente fácil em teoria, mas na prática dá um campo muito restricto.
Grunert propôs uma via de acesso muito ampla e com limites e reparos anatômicos mais precisos. Daí a preferência que todos os especialistas manifestaram, em toda parte, pela sua operação. Como vimos, porém, ela não apresenta o rigor anatômico necessário para pôr o nervo facial sob a necessária proteção.
A mais moderna das técnicas, e a que apresenta em verdade reparos mais precisos, é a de Ramadier, apresentada em 1939, que pode ser resumida no seguinte:
1) Incisão para mastoidectomia retroaural, prolongada para o pescoço por uns 3 cents., e esvaziamento petromastoídeo com exposição ampla do sinus sigmóide.
2) Descolamento com exposição de toda a ponta da mastóide e do osso timpânico (bordas posterior e inferior do orifício do dueto auditivo externo). Desinserção dos feixes do esternoclidomastoídeo. Com a rugina, vindo de trás para diante, descolamento do periósteo da face interna da mastóide, da ponta ao alto da incisura mastoídea.
3) Ressecção completa da ponta da mastóide com pinça-goiva ou com martelo e goiva. Exposição da face externa do músculo digástrico.
4) Afastamento para diante, com um afastador de Volkmann, das partes moles anteriores, ficando a descoberto o orifício ósseo do dueto auditivo externo. Ressecção do osso timpânico, até ao nível da ressecção anterior, isto é, até ao nível da incisora mastoídea (face externa do digástrico).
5) Aparece, na zona ressecada, o ponto em que mastóide e osso timpânico se unem: é o ângulo-reparo do facial (ângulo de Ramadier). Um pouco para dentro, palpando-se os tecidos moles, pode ser encontrada a apófise estilóide.
Ressecção da parede posterior do dueto auditivo, vindo de baixo para cima e aprofundando-a até um plano que prolongue para diante o plano do digástrico. E o plano justa-facial. Pode-se reconhecer o facial descendente por suas duas extremidades: a superior, junta ao dueto semicircular horizontal, e a inferior, após pesquisá-la, se quiser, nos tecidos moles desta zona.
6) O ponto atingido dista pouco mais de vinte milímetros do forame lácero, e ainda menos da face póstero-externa do bulbo.
A ressecção óssea vai mudar de direção: em vez de dirigir-se para dentro, como até agora, orienta-se para dentro e para diante.
Desinserção, com rugina, do músculo digástrico, deixando a descoberto o processo paramastoídeo (eminência justa-mastoídea) ressecção óssea, cujo limite anterior é conferido pelo plano transverso de reparo do facial (o que passa pela borda anterior da mastóide), e cujo limite posterior é a parede do sinus sigmóide. Atinge, em profundidade, a sutura petro-ocipital.
7) Ressecção óssea, a partir desta brecha, mas francamente dirigida, em linha inclinada, para diante, em pleno processo jugular do occipital, em direção, não do forame lácero, mas da parede póstero-externa da fossa jugular. Passa-se, destarte, por dentro do facial.
Sente-se a cureta cair no vazio: o bulbo aparece. Entre o extremo inferior do sinus e o bulbo, há, ainda pequeno segmento ósseo, que representa a borda póstera-externa do forame lácero.
8) Eliminado êste resto do osso, estão expostos o sinus sigmóide, o bulbo e o início da veia jugular interna, e pode-se fazer a inspecção cuidadosa da região, e extirpar qualquer neoplasia existente, ou, ligada a veia e ligado o sinus, abrir-se o bulbo e, mesmo, ressecá-lo, se necessário.
Se houver necessidade de expor-se o segmento nervoso, interno, anterior, do forame lácero, é preciso não esquecer o sinus petroso inferior que sai pela sua extremidade mais interna. Encontraremos, uma vez desfeitos os ligamentos que passam de uma borda e outra: 1) para trás e mais superficialmente, o nervo espinal (XI); mais internamente e mais posteriormente, o pneumogástrico (X); e para dentro e para diante, o glossofaríngeo (IX).
Se as indicações da cirurgia do bulbo da jugular desapareceram no que diz respeito a processos de flebíte ou de trombose, permanecem nos referentes às neoplasias.
Com a relativa multiplicidade de casos de tumores do glomus jugulare relatados na literatura médica, não será de estranhar que a cirurgia do bulbo volte a ser realizada com certa freqüência. Muitas das operações feitas em casos de neoplasias do corpúsculo de Guild não têm sido efetuadas com o rigor exigido em tais casos. No trabalho de Weille e Lane, por exemplo, lê-se, na exposição da técnica por êles preconizada, que "uma pequena quantidade de tecido neoplástico foi deixada no soalho da caixa, onde o tumor parecia originar-se do bulbo da jugular. O máximo possível de tecido foi extirpado, até que se manifestou a hemorragia violenta, mas facilmente dominada, oriunda aparentemente do bulbo. Não havia praticamente necessidade de extirpar maior quantidade de tecido da região. Fora disso, teve-se a impressão de que tinha sido efetuada a exanteração completa do tumor". E' evidente que, segundo a natureza dêste tumor, a operação exigia a ressecção do bulbo. Se os próprios autores achavam indispensável a exanteração completa do tumor, é claro que não a fizeram. E sua preocupação era justa, conquanto a radioterapia, ao contrário do que seria de esperar, venha conferindo resultados favoráveis no tratamento dessas neoplasias. Por outro lado, no caso citado, não havia recidiva após 13 meses de observação. A verdade, porém, é que há tumores dêste glomus absolutamente refratários à radioterapia e, além disso, êles se apresentam como neoplasias de marcha invasora, localizando-se habitualmente na adventícia do bulbo de jugular. Tudo isso está a indicar que, em determinados casos, um tumor do glomus jugulare pode exigir a ressecção do bulbo.
Shambaugh propôs, há pouco, para a cirurgia dos tumores do glomus, uma técnica que não sacrifica a audição. O processo visa, porém, os tumores incipientes, pois a área exposta é muito reduzida. Nas suas indicações, ela é útil e deve ser empregada. Mas há casos em que o tumor é tão extenso, que nenhuma espécie de cirurgia pode ser posta em uso. Teve um de nós, há pouco, oportunidade de ver, na Santa Casa de S. Paulo, no serviço do Dr. Rezende Barbosa, um doente em que o tumor destruíra quase todo o rochedo, e determinara paralisia de todos os nervos cranianos, a partir do VI.º, inclusive.
De qualquer sorte, não é possível contestar que, se as operações para acesso, exposição e retirada do bulbo da veia jugular haviam desaparecido da clínica, estão agora na iminência de voltar à prática, com a observação das neoplasias graves e invasoras do glomus jugulare. Este ora é único, ora é múltiplo. Há, ainda, vários outros glomus em zonas vizinhas. Este ano mesmo, Birrell descreveu mais um, situado no gânglio jugular do pneumogástrico. Na maioria dos casos, porém, o glomus da jugular localiza-se no bulbo, e se dêste ponto é que a neoplasia se origina, é óbvio que o ato cirúrgico terá que visar diretamente o bulbo.
O caso que justifica êste nosso trabalho foi de um paciente que apresentou uma síndrome de Collet típica: paralisia dos quatro últimos pares cranianos.
O estudo clínico afastou a hipótese de lesão central e de tumor endocraniano. O estudo radiográfico deixou a suspeita de tumor do forame lácero posterior, dada a existência, na base do crânio, de um orifício amplo e regular. Este orifício só era visível na rádio em posição mento-vértex-chapa, de Hirtz. As rádios em outras posições, e, sobretudo, na de Schueller, não mostravam ser o sinus lateral direito mais largo e mais inclinado do que o esquerdo.
A coincidência de existir êste orifício tão amplo, na zona de passagem dos últimos pares cranianos paralisados, levantou a suspeita de neoplasia da região do forame lácero, e daí a indicação operatória. Passemos a expor o caso.
OBSERVAÇÃO - Garabed B., branco de 66 anos, casado, israelense, comerciário aposentado, residente em Sorocaba, apresenta-se a 4 de Outubro de 1954 ao ambulatório da Clínica Neurocirúrgica do T. A. P. C. em S. Paulo.
HISTÓRIA ATUAL - Está doente há seis meses. Teve gripe, dores na região frontal direita, e febre Logo depois, a metade direita da língua ficou paralisada, o que trazia certa dificuldade para falar. Há um mês, dor de garganta, e há dez dias voz fraca e rouca. Dificuldade na deglutição: engasga-se freqüentemente. Não sente o gosto dos alimentos e não tem apetite. Nada percebe para o lado da audição, que lhe parece normal. Cefaléia constante, localizada na região frontal direita. Não há alterações visuais, mas não consegue usar os óculos por mais de dez minutos, porque sente dor no pavilhão da orelha direita e na região sobre que se apoia a haste dos óculos. Dor no ombro direito, e ria perna homóloga. Tem emagrecido muito.
EXAME NEUROLÓGICO - Crânio: Dor à pressão, mais intensa do lado direito. A intensidade é extrema na pressão sobre o nervo occipital direito. A metade direita da escama occipital é muito mais saliente do que a esquerda.
Nervos cranianos - I. -; II: fundos normais; III, IV -; VI: reflexos normais, motilidade normal; V, VII e VIII: normais; IX anestesia do véu e da faringe, à direita; hipogeusia; X: paralisia da corda vocal direita, paralisia
do véu, à direita; XI: paralisia total à direita, atrofia do trapézio e do esternoclidomastoídeo (Fig. 1) ; XII: paralisia da língua, com atrofia à direita (Fig. 2).
FIGURA 1
Cérebro - nada anormal.
Cerebelo - nada anormal.
Coluna - Dor no movimento na coluna cervical; calor.
Medula - Reflexos em geral pouco intensos. Não há distúrbios da sensibilidade.
EXAME OTORRINOLARINGOLóGICO (Dr. Nelson A. Cruz). Fossas nasais - Nada digno de menção.
FIGURA 2
FIGURA 3
Bôca - Nada de anormal. Nenhum dente.
Faringe - Amigdalite críptica crônica. Nada na rinofaringe.
Aparelho coclear - Audição normal aos diapasões e à voz.
Exame vestibular - Adiadococinese, dismetrias: não há.
Romberg negativo. Marcha cru estrêla: prejudicada (dores articulares coxofemorais à direita).
Nistagmo espontâneo - não há.
Desvio espontâneo do índex - Não há.
Prova calórica (10 cm³ a 25°, Hantant). O.E. Nistagmo horizontal para a esquerda, na posição 1 de Briinuings e nistagrno rotatório, na mesma posição. Desvio dos indicadores à esquerda.
O.D. - Nistagmo horizontal, para a direita, na posição 1 de Brünnings e rotatório na posição III. Desvio dos indicadores à direita.
Conclusão: respostas normais, iguais.
Exame radiográfico - Sinus da face: veladura dos maxilares. Rádios do crânio, frontal e sagital - normais.
Rádios da região cervical - espòndilartrose.
Rádios do osso temporal (incidências de Schueller, Stenvers, Mayer, Towne, e Hirtz). Nada de anormal, a não ser grande aumento, bordas regulares, do forame lácero posterior direito, sem sinais de osteólise ou de osteíte.
Exame do liquor (punção sub-occipital) - Aumento discreto da taxa de proteínas.
Pneumencèfalofragia fracionada: Retirados 15 cm3 de liquor, injetados 15 cm3 de ar. Radiografias com 30, 60 e 105 segundos - ar nas cisternas da fossa posterior e no 4.° ventrículo sob forma, dimensões e posição normais.
Diagnóstico - Lesão periférica dos últimos 4 pares cranianos - síndrome de Collet - de etiologia compressiva. Tumor (?) do forarne lácero posterior direito.
Tratamento indicado - Intervenção cirúrgica, operação de Raniadier.
Preparo do doente - Exame de sangue: Uréia normal. Hematológico anemia, hipoleucocitemia, hipolinfocitemia absoluta; granulações tóxicas nos neutrófilos.
Operação - 28 de Outubro de 1954. Operadores: Dr. Paulo Mangabeira Albernaz (parte otolágica). Dr. Paulo Mangabeira Albernaz Filho (parte neurológica); auxiliar: Dr. Nelson Alvares Cruz. Anestesistas: Dra. Gromallina Abs e Adyr Rêgo Freitas. Pre-anestésico: demerol 100 mgrs., amplictil 50 mgrs., fenergan 50 mgrs. A mistura foi dividida em três doses, aplicadas por via intramuscular, às 6:30, às 7:00 e às 7:30. Anestesia: indução com amplictil 12 mgrs., 5, fenergan 25 mgrs., dolantina 50 mgrs, por via venosa. Tionembutal a 2,5% e flaxedil por via venosa. Intubação. Manutenção com protóxido de azoto. Início da operação às 9:35; término às 14 horas.
Operação de Ramadier. Incisão de mastodectomía retro-auricular, prolongada até 5 cents. da região cervical. Incisão perpendicular em direção do occipital. Esvaziamento petro-mastoídeo até exposição ampla do adifs. Ressecção total da ponta da mastóide, e exposição da face externa do digástrico. Descolamento das paredes posterior e inferior do dueto auditivo externo e ressecção do osso timpânico. Exposição do ângulo de Ramadier. Exposição do sinus sigmóide e, a seguir, da veia jugular. Ligadura de ambos. Resecção da borda póstero-externa do forame lácero. Exposição do bulbo, abertura. Na face interna do vaso venoso, granulações aderentes, de cor parda. Retirada do bulbo e exposição das paredes da fossa jugular. Exposição do forame lácero e dos nervos (glossofaríngeo, espinal e pneumogástrico).
O espinal aparece sob a forma de rosário, cheio de nódulos. Ressecção do nervo degenerado para estudo. O osso, na borda interna do forame lácero, apresenta-se friável. São extraídos fragmentos para exame histopatológico. Não há sinal de lesões na dura, nem de tumor.
Sutura, drenagem. Transfusão, penicilina + estreptomicina. Terramicina. Pós-operatório normal. 13 de Novembro: já não sente dores.
Exames histopatológicos: 1) Fragmento do nervo espinal - processo inflamatório constituído de uma reação histiocítica e de infiltrado linfoplasmocítico difuso.
2) Fragmentos da veia jugular e do bulbo - Tecido inflamatório constituído de proliferação conjuntiva, reação histiocítica e infiltração linfoplasmocítica difusa. Em um dos campos, vê-se parede de veia infiltrada pelo processo inflamatório. Não há indícios de neoplasia.
3) Fragmentos irregulares de tecido ósseo (mastóide) - Osso esponjoso, cujas traves apresentam aspecto mais ou menos normal, mas nos espaços medulares existe processo inflamatório constituído de proliferação conjuntiva e infiltração difusa de células linfóides.
4) Fragmentos irregulares de tecido osseo (occipital-forame lácero). Osso esponjoso com processo inflamatório idêntico ao do n.° 3.
Diagnóstico: 1) Inflamação crónica inespecífica do nervo espinal.
2) Inflamação crônica inespecífica.
3) e 4 Osteomielite crônica.
(a Dr. José Donato de Próspero.
O doente deixou o hospital em bom estado de saúde a 10 de Novembro, com a indicação de voltar no prazo de 30 dias. Não o fez, e não se conseguiu, por enquanto localizá-lo.
A cirurgia do bulbo precisa ser feita com a exposição mais ampla possível do campo, por causa não só do facial, como da artéria occipital, do seio petroso inferior, e dos nervos dos IX, X e XI pares. Toda a cirurgia que não obedecer a esta exigência é arriscada, e não merece confiança. Infelizmente a técnica de Ramadier é extensa e mutilante; mas toda técnica que visa neoplasias tem de ter estas características. No momento atual, a operação de Ramadier representa, pois, o método mais técnico, mais preciso e menos perigoso de acesso ao bulbo da veia jugular.
MANGABEIRA-ALBERNAZ, P. and MANGABEIRA-ALBERNAZ FILHO.
P.: Surgical Approach to the jugular Bulh.
Surgery of the jugular bulb was performed at first, for the following reasons: 1) primitive thrombosis of the bulb; 2) secondary thrombosis consecutive to thrombosis of the sinus transversus (lateral sinus, sigmoid sinus); 3) inflammatory or neoplastic conditions affecting the region producing paresia or paralysis of the Iast cranial nerves. The third probahility is exceedingly rare.
The surgery of the jugular bulh dates back about fifty years, and is one of the most difficult in otology.
The greater or lesser development of the bulo accounts for the greater or lesser depth of the jugular fossa. Maximum depth is 6.82 mm.; maximum length is 9.57 mm.; maximum with is 13.45 mm.
There are ten major techiques for reaching the bulb. Besides, there are several modifications, eight beeing worthy of mention.
The most modern and perfect of the technique is that of Ramadier, which the A.A. employed in one case of Collet's syndrome (paralysis of the 4 last cranial nerves determined by osteitis of the posterior foramen laceras and neuritis of the spinal verve (NI).
This surgery is now once again necessary due to the relatively increasing incidence of neoplasms of the glomus jugulare. For cases in which the neoplastns of the bulb tend to invade the tympanic cavity, Ramadier's technique is the most satisfactory, and the only one that permits guaranted complete extirpation of the neoplasm, since is performed on opera field.
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