ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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1699 - Vol. 4 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1936
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 1039 a 1048
DAS SINUSITES INFANTIS
Autor(es):
ANTONIO LEÃO VELLOSO (1)

TRABALHO DO SERVIÇO DE OUVIDOS, NARIZ E GARGANTA DA POLICLINICA DE BOTAFOGO DO DR. R. DAVID DE SANSON

Todos nós que labutamos na oto-rino-laringologia sabemos da frequencia, sobretudo em nosso meio, das afecções dos seios ce face, no adulto. As sinusites maxilares constituem objecto da cogitação diaria dos especialistas, tanto nos hospitais quanto nas clinicas particulares. E, embora menos frequentes, os processos localisados nos demais seios tambem fazem parte do repertorio quasi quotidiano dos que militam nesse ramo da medicina. As condições creadas pela humidade atmosferica talvez contribuam para tornar tão frequentes, no Brasil, essas enfermidades. E si assim o digo é porque, embora sobejamente conhecida dos especialistas europeus, são as sinusites menos corriqueiras na Europa do que aqui.

Surpreende, pois, que sendo dessa forma conhecidas e testemunhadas, pela sua frequencia, as sinusites do adulto, estejam as da creança relegadas para um plano secundario. Jean Terracol prefaciando seu trabalho sobre "As rinites e as sinusites purulentas na infancia", disse com propriedade, que a atenção do especialista, atraida para a amigdala faringea desde o dia em que Wiliam Meyer praticou, em 1867, o primeiro toque digital, foi desviada de outros territorios, com o que muito perdeo a rinologia infantil.

Não foram, porem, somente as adenoides que impediram aos especialistas enxergar, na creança, afecções que lhe são por demais familiares no adulto. A maneira, pela qual envolvem os sinais clinicos da sinusite infantil e certas peculiaridades proprias da edade, radicaram a ideia preconcebida de que haveria uma antinomia entre a infancia e as doenças dos seios da face. Não ha muito tempo, em 1935 o Dr. Charles Rufe, que desempenha na clinica do professor Lemaitre, em Paris, as funcções de estomatologista, escreveo o seguinte no seu livro "Semiologia das afecções da boca e dos dentes": "No lactente a cavidade antral é pequena e muito aberta, não ha portanto sinusite do lactente. A afecção que se encontra nessa edade é uma osteomielite, é uma falsa sinusite. Antes dos sete anos não ha, por assim dizer, sinusite. Até a adolescencia a sinusite é rara e quasi sempre de origem nasal".

Será realmente assim rara a sinusite na creança? Dar-se-a peio contrario, como pensa Jean Terracol, que seremos nós que não -as encontramos, distraidos por outras entidades morbidas na infancia? Foi para responder a essas perguntas que eu resolvi trazer ao seio desta reunião, de especialistas brasileiros, o problema da sinusite na infancia, para que eles me dissessem o que pensam a seu respeito, e para que, d'ora avante, os que não tiverem juizo formado sobre esse tema, dirijam sua atenção para ele, de forma que se reduza ao trabalho da verificação clinica a comprovação ou a negação dessa verdade aparentemente contraditoria.

Data de muito a demonstração da existencia da sinusite na creança e mesmo de sua frequencia. Que digam alguma coisa as estatisticas dignas de fé. Harké, em 1895, fazendo autopsias em creanças verificou o seguinte: em 394 necropsias examinou 62 vezes os seios perinasais, podendo evidenciar 52 vezes afecções desses seios, em pacientes cuja edade ia de 9 mezes a 15 anos. Desses 52 casos, 47 eram de sinusite maxilar, 3 de sinusite etmoidal e 2 de esfenoidal. Wolff, no mesmo ano, 1895, encontrou ao autopsiar creanças de 3, 5, 5 e 6 anos alterações do seio maxilar. Wertheim tambem pela mesma epoca verificou a sinusite etmoidal numa creança de cinco anos.

O professor A. Onodi, em seu livro "As cavidades peri-nasais na creança", editado em 1911, colegío 23 casos tratados por operação e curados quasi todos, de sinusite em creança. Nessa estatistica, com excepção de tres casos atribuidos a Haike, todos sobrevieram á escarlatina como complicação. Havia casos de quatro anos de edade, de tres anos e meio, de dois anos e meio e até um de Killian de quinze mezes, no qual o seio apontado foi o frontal, tendo-lhe sido feita a autopsia comprobatoria.

Baseado nessas afirmações pôde asseverar Onodi, naquele ano, que "as publicações sobre afecções dos seios na creança, se multiplicavam, permitindo supor que as sinusites são mais frequentes nessa edade do que se supõe. Um facto é certo, acrescentava: a coriza aguda frequentemente encobre uma sinusite, na creança, o que sobretudo se verifica no decurso das enfermidades infecciosas. Na primeira infancia terminava o professor de Budapest, o diagnostico da sinusite é dificil e os processos terapeuticos muito limitados".

Mas, a despeito do que o professor Onodi escreveo ha um quarto de seculo, e máu grado o que revelaram as autopsias acima referidas, continuaram as sinusites na infancia no rol das coisas pouco dignas de estudo, quando não eram tidas como despreziveis. Ha dois anos apenas, o professor A. Laskiewicz, insistia sobre a escassez de trabalhos acerca das sinusites na infancia, mostrando quanto eram sumarios os conhecimentos a seu respeito, e explicando o estranho facto pela sintomatologia um pouco diferente, pela evolução clinica da enfermidade nesse periodo da existencia. Somente nos ultimos dez anos começavam a aparecer, dizia ele, os trabalhos francezes e americanos sobre o tema. "Essas afecções na creança, eram muito mais frequentes do que se supunha". Lembrava por outro lado um facto já conhecido, e que tive ocasião de referir linhas acima, qual o da importancia da escarlatina na etiologia das sinusites infantis. Estatisticas de Silvermann, Carnack e Clement puderam apurar, em 292 casos de escarlatina, 22,3 por cento de sinusites maxilares em creanças de menos de cinco anos. Geceld certificou-se da existencia de 30 casos de sinusite em 1000 creanças acometidas de diversas enfermidades infecciosas. Baumler, em cem creanças com escarlatina encontrou vinte com sinusite, sendo a metade de sinusite maxilar.

Ha hoje na literatura medica, a despeito do que afirma o professor polonez, documentos de sobra sabre o assunto. Apenas o que lhe falta é a indispensavel uniformidade de vistas, reinando a seu respeito opiniões controvertidas e caoticas, que contribuem para torna-lo menos compreensível. Os casos de comprometimento isolado dos seios sem participação do tecido osseo sendo menos nitido do que no adulto, fizeram com que, em torno de sua interpretação as duvidas se objetivassem em negativas e enunciados obscuros. Quasi sempre a osteite se associa ao processo sinusiano, mascarando-o e dando-lhe diversa fisionomia clinica. A proposito de um caso dessa natureza, apresentado á Sociedade de Laringologia dos Hospitais de Paris, puderam Andre Bloch e Joseph Lemoine focalisar o assunto, preferindo capitula-lo de falsa sinusite. "Creio disse então, que no meu caso occorreo uma osteite previa, com propagação posterior ao seio, e provavelmente tambem um ponto de osteite do lado do etmoide, com penetração do abcesso na cavidade da orbita. "E' esse realmente o parecer de muitos especialistas, para os quais o que se vê, na infancia e pelo menos nos seus primeiros anos, é sempre uma osteomielite. No entretanto Halphen, que não está longe de esposar esse ponto de vista, teve ocasião de publicar dois casos, em colaboração com o Dr. Aubin, de verdadeira sinusite, em creanças de quatro e cinco anos. Os casos disseram seus autores, diferem das sinusites habituaes do lactente e da primeira edade, e que não passam comumente, seja de uma osteomielite do maxilar com multiplas fistulas, seja de uma supuração da bolsa dos germens dentarios com expulsão posterior desses mesmos germens.

O professor Lemaitre dando seu parecer, a respeito das sinusites na infancia, ao comentar os casos de Halphen e Aubin, lembrou que os processos de osteomielite do maxilar superior, na infancia, poderiam ter inicio numa sinusite. As lesões de osteite se iniciariam pelo soalho do seio e suas partes inferiores, para depois se propagar aos germens dentarios, realisando o aspecto clinico de todos conhecidos; púz no seio, osteite do maxilar, exposição e posterior eliminação dos germens dentarios. Aí porem a infecção dentaria seria secundaria á do seio.

Pelo exposto se póde resumir o problema das sinusites na infancia afirmando, em primeiro lugar, a sua existencia e frequencia, o que parece incontestavel, mas acentuando, em segundo lugar, a possibilidade de lesões do maxilar superior, como processos de osteomielite de origem diversa, frequentemente encontrada nos germens dentarios capazes de serem com elas confundidas. Levy-Decker escreve, com razão, que na infancia se encontram duas especies de sinusite: a verdadeira osteomielite partida dos germens dentarios, e que é uma enfermidade do lactente, e a sinusite purulenta franca, considerada geralmente como excepcional, e que é consecutiva a uma enfermidade infecciosa, mais comumente a escarlatina. Alem dessas duas ele descreve a sinusite latente da creança, que consiste num processo inflamatorio da mucosa do seio, agudo ou cronico, verdadeira sinusite mucosa e catarral e que se oculta atras de uma suposta infecção do cavum e da faringe. Suas victimas são sujeitas ao tratamento da hiperplasia amigdalina, tanto da amigdala de Luschka quanto da amígdala palatina, sem o menor beneficio. O trabalho de Dean, publicado em 1918, chama igualmente a atenção para esses factos. Alem da possibilidade da confusão, que leva a atribuir a infecções amigdalinas processos localisados nos seios, convem lembrar que, os trabalhos mais recentes, como Davis, Turnre e Allanda, procuram provar as relações existentes entre as sinusites e os estados inflamatorios do tecido linfoide da garganta e cavum.

Nem todos os seios da face costumam ser indiferentemente atingidos na infancia. Em 145 casos de sinusite, em creanças de 5 a 12 anos, Mitchell encontrou 84 etmoidites, 59 sinusites maxilares, 2 esfenoidites e 1 sinusite frontal. A sinusite frontal é assim a de incidencia mais rara, a despeito dos casos já apontados na infancia, como ode Van den Wildenberg, de uma menina de sete anos, com sinusite frontal purulenta complicada de abcesso sub-dural. Já tive, por minha vez, a oportunidade de ver uma sinusite frontal operada, numa creança de nove anos.

Além da circunstancia justamente apontada por Terracol, pela qual se vê que a importancia quasi exclusiva dada ao cavum e a, faringe era uma das causas do desconhecimento das sinusites na creança, outra existe e importante, que tambem tem desviado delas a atenção dos especialistas: é o facto das manifestações oculares de exteriorisação, tanto na osteomielite quanto na sinusite propriamente dita, darem preferencia aos oculistas para atender a enfermos dessa natureza. Não admira que tal suceda, porque, conforme as estatisticas dignas de credito, entre as sinusites encontradas na infancia são mais frequentes as etmoidites, que se exteriorizam por meio de suas complicações orbitarias. Como tiveram ocasião de escrever no seu artigo "Etmoidite aguda da infancia", publicado no Ano Pediatrico relativo a 1934, Roberte Broca e Julien Marie, com a colaboração de P. C. Huet, laringologista dos hospitaes de Paris, "anatomicamente quasi sempre se trata de uma pansinusite, como no adulto, mas como os seios se desenvolvem pela expansão excentrica das celulas etmoidaes nos ossos visinhos (frontal, maxilar e esfenoide), pode-se admitir que praticamente, na creança, a pansinusite é sobretudo uma etmoidite". "Clinicamente o que traduz essa etmoidite é a complicação orbitaria. A propagação orbitaria se faz por via ossea, venosa ou mais raramente através de deiscencias osseas. No primeiro caso se verifica a osteite da lamina papiracea consecutiva á inflamação da mucosa etmoidal, acarretando periostite orbitaria. No segundo a infecção atinge as veias da cavidade orbitaria seguindo o curso das veias etmoidaes, sem lesão ossea. Finalmente a deiscencia ossea constitue a eventualidade mais rara. O professor Fernando Lemaitre, da Faculdade de Medicina de Paris, no relatorio que apresentou á Sociedade Franceza de Oto-Rino-Laringologia, em 1921, ainda tendo na lembrança o espetaculo da grande guerra que acabava de terminar, descreveo, usando de uma linguagem inspirada nos boletins militares da epoca, a invasão da orbita pelos germens e pelo púz das sinusites circunvisinhas. Ele objectivou tres linhas de defesa na fronteira osteoperiostea, que separa a orbita dos seios: a primeira formada pela, mucosa, periosteo de revestimento do seio, e sobretudo pela rica rede linfatica tributaria idos vasos linfaticos das fossas nasais; nela se trava a batalha classica entre germens e leucocitos; se os germens patogenicos levam vantagem atingirão a segunda linha, formada pela propria lamina ossea, onde não ha linfaticos, mas uma verdadeira rede conjuntiva pseudo-linfatica perivascular, destinada, como o arame farpado dos campos de batalha, mais a reter do que a repelir o inimigo; a terceira linha de defesa, finalmente, intra-orbitaria é formada pelo periosteo da orbita e sua rica rede linfatica, tributaria dos vasos linfaticos da face. Vencida essa linha os agentes patogenicos caem em plena cavidade orbitaria, fazendo-o de maneira diversa, conforme o ponto em que se deo a abertura da lamina ossea, ou, na linguagem sugestiva do professor Lemaitre, a "trouée" da cerca de arame farpado. Se a invasão se processa na parte anterior do etmoide, onde o periosteo é aderente, a sua rutura forçada abre o acesso da região palpebral, acarretando a produção de um abcesso superficial da palpebra. Se ela se faz pela parte posterior do etmoide, na qual o periosteo é descolavel, o puz permanece temporariamente entre o periosteo e o osso. Somente mais tarde ele vence a barreira periostea alcançando o espaço retro-capsular. E quando então se dá a invasão da gordura orbitaria e dos orgãos que nela banham, assim como, indiretamente a do globo ocular por intermedio do espaço de Tenon e dos vasa verticosa. Póde acontecer, tambem, que o abcesso, permanecendo entre o osso e o periosteo descolado se dirija até os ligamentos largos das palpebras, cujos orificios atravessa tornando-se superficial. O abcesso profundo quando não logra essa saída, ou quando o faz tardiamente, acarreta complicações graves; o nervo ótico, o ganglio ciliar, o seio cavernoso podem ser comprometidos.

Parece-me do maior interesse assinalar que as sinusites na infancia muita vez têm a sua expressão clinica resumida no abcesso da palpebra. E essa a sua complicação mais frequente e é o sinal de exteriorização que chama a atenção do meio circunstante para o doentinho. Levam-no natural e logicamente a um oftalmologista que não lhe atribue a verdadeira origem, nem muitas vezes o desconhecimento dessa circunstancia lhe faz falta, porque o doentinho cura com a abertura e drenagem naquele foco supurativo. "Praticamente, escrevem dois pediatras a que tive ocasião de me referir acima, quando citei a sua (publicação no "Année Pediatrique" - é a complicação orbitaria que revela, ao medico, a etmoidite: O sindromo orbitario domina o quadro clinico". E tambem esse o motivo pelo qual, a despeito de sua frequencia atestada, as sinusites infantis escasseam nos serviços de oto-rino-laringologia. Edward Campbell, de Filadelfia, escreveo o seguinte nos "Archives of Otolaryngology": "criança alguma atinge um ano de idade sem ter tido uma infecção dos seios nasais, as sinusites são mais comuns na criança do que no adulto". Si a afirmação do autor americano desafia ainda a comprovação é porque as circunstancias acima apontadas desviam do ambito dos oto-rino-laringologistas essas sinusites. Não pode haver a menor duvida a esse respeito. Um dos casos que hoje apresento á elevada sabedoria deste congresso não teria chegado até mim se o serviço onde trabalho não possuísse, conjuntamente, uma clinica oftalmologica. Foi o oculista quem o vio primeiramente, porque a feição clinica do caso fez com que os responsaveis pelo doentinho dessem preferencia, para trata-lo, ao especialista em doenças dos olhos. O Dr. Jean Despons, a quem conhecem todos aqueles que tiveram a oportunidade de frequentar os serviços do professor Georges Portmann, em Bordeaux ou mesmo seu curso em Paris, escreveu o ano passado um artigo para a "Revoe de Laryngologie" numero de setembro-outubro, acerca das "Sinusites na Infancia e suas relações com a dentição. Esse trabalho vem ilustrado por tres observações. Em duas delas os fenomenos orbitarios foram por assim dizer dominantes: no primeiro havia uma inflamação da palpebra superior direita, que se transformou em edema vermelho e duro, cobrindo o globo ocular. No segundo processou-se uma tumefacção do angulo interno do olho direito, com edema da pálpebra superior. Esse edema impedia a oclusão da palpebra superior, e depois de ambas, por se ter propagado á inferior. Dos dezoitos casos que o professor Laskiewicz publicou no seu estudo, da "Revoe de Laryngologie", de setembro-outubro de 1934, sobre "As sinusites na infancia e suas complicações", oito se caracterizaram por edema das palpebras, um por exoftalmia, cincoenta por cento, portanto, por manifestações oculares. Aí está porque os casos de sinusites, na criança, vão ter comumente as mãos do oftalmologista. Convem pois chamar para o facto a atenção dos colegas que exercem essa especialidade, pedindo a sua preciosa colaboração. Eu pediria aos meus colegas deste congresso que me dissessem algo acerca da conveniencia de se dirigir um apelo, nesse sentido, aos oftalmologistas.

E' clássica a divisão em duas formas da etmoidite aguda na criança: a forma fluxionar, subdividida em superficial e profunda, e a forma supurada, subdividida, por sua vez, em anterior e posterior. Em todas elas, porem, e somente por isso as refiro, pois não tenho por programa escrever uma monografia didática, sobre sinusites na criança, predominam os fenomenos oculares: edema e abcesso da palpebra, exoftalmia, kemosis, midriase paralítica, anestesia da cornea. Até as indicações cirurgicas são fornecidas por sintomas oculares, tres sendo os sinais que ocupam a primeira plana, entre os que a justificam: disaparição progressiva do motilidade ocular, midriase paralítica e anestesia corneana, traduzindo o sofrimento dos nervos ciliares. Que mais será preciso para justificar o apelo aos oculistas?

Ao lado, porém, dessas manifestações oculares as sinusites na infancia despertam a atenção pelos fenomenos de osteite e osteomielite da maxila superior que as acompanham, bem como pelo quadro dentario que a envolve. Daí a confusão que ainda persiste entre osteomielite e sinusites da infancia, dando lugar ás interpretações dubias, a seu respeito. L. Riegele, no numero de abril de 1933, do "Zeitschrrift für Hals-Nasen und Ohrenheilkunde" reivindica para as osteomielites da criança um mecanismo patogenico que difere dos até então aceitos. Ele se afasta um pouco da negativa de uns e da afirmativa de outros, pouco se preocupando com o papel dos dentes ou dos seios, para exaltar a importancia dos focos de medula ossea, esparsos na estrutura do maxilar superior, e pelos quais se iniciaria o processo em causa.

O exame de fetos de sete mezes, de recem nascidos e de crianças até quatro mezes, evidenciou a presença, de medula ossea neoformada em diversos pontos do maxilar superior. Esses nucleos de medula ossea apresentam ligações uns com os outros e são os seguintes: abaixo da parte anterior e media do septo cartilaginoso o nucleo infra-septal; o nucleo supra e interalveolar; o nucleo da parte posterior do corpo do maxilar superior; os infra-orbitarios; o nucleo da parede interna da orbita. A importancia desses nucleos nos processos de osteomielite está em que eles correspondem ás localizações da propria enfermidade ossea. As fistulas quasi sempre correspondem a eles. Em seus casos, afirma o observador citado, é notavel que não se tenha verificado infecção primaria dos germens dentarios ou dos seios maxilares.

Ora, é essa osteite do maxilar superior, cuja interpretação legitima ainda tanta controversia, que frequentemente se encontra nas crianças, justificando a individualização clinica da "falsa sinusite do lactente" e que inspirou o celebre trabalho de Brown-Kelly, "The so called empyema of the antrum of Highmore in infants", o qual a começar pelo titulo, tanto contribuio para reduzir, embora o fizesse com razão o numero de verdadeiras sinusites. Um dos meus casos se enquadra perfeitamente nesse quadro morbido.

No estado atual dos nossos conhecimentos acerca do tema que nos propuzemos a tratar deveremos considerar: A osteomielite do maxilar superior, tambem chamada falsa sinusite, cuja origem dentaria tinha em seu favor a unanimidade dos autores que nela se ocuparam, até a publicação do trabalho de Riegele, acima citado; e a verdadeira sinusite. Eu apresento um caso de osteomielite típica e outro de sinusite aparente, assim o digo porque o doentinho desertou da clinica, não permitindo seus exames complementares. Além deles apresento dois casos de sinusites em crianças de sete anos. Dos quatro, dois foram operados.

Entre nós encontrei sobre o assunto alguns trabalhos e observações, a saber: Campos - sobre um caso de sinusite. Tribuna Medica, 1918; Paulo Mangabeira Albernaz - Etiologia da sinusite maxilar na criança, Archives de Laryngologie, 1927; Penido Monteiro - Caso Grave de Osteomielite numa criança, em Publicações Medicas. Aos colegas brasileiros que trataram do assunto, inadvertidamente por mim omitidos, peço que me desculpem, mas que me façam sentir a falta cometida, para reparal-a em tempo.

Primeira observação - maio de 1934.

2 mezes, branco, brasileiro. - Veio a consulta mandado pelo oculista a quem procurou por ter apresentado, quatro dias antes, inchação do olho. Antes disso a mãe notara uma ferida na boca. A rinoscopia nada revelou. Na boca havia uma ulceração com necrose ossea do rebordo alveolar superior esquerdo. Chamava a atenção o edema da face, com infiltração das palpebras do olho esquerdo, mais acentuada na palpebra inferior. Havia protusão do globo ocular.

A penuria do doente não permitio lhe fosse feita uma radiografia. Foi incontinente aberto o abcesso da palpebra e posteriormente curetado o maxilar superior, ao nivel do rebordo fistulisado. Eliminação de um germen dentario. Além da fistula do rebordo alveolar havia uma fistula infra orbitaria, por onde se penetrava no soalho da orbita.

Segunda observação - junho de 1935.

P. O., dois anos, bras. - Veio a consulta examinar o nariz. Crosta e impetigem na entrada da naricola direita. Secreção mucopurulenta. Amigdalas palatinas aumentadas de volume. Foi pedida radiografia que o doentinho não apresentou. A abundancia da supuração, a unilateralidade da lesão, eliminados seus factores habituais, fizeram-me formular o diagnostico de sinusite.

Terceira observação - abril de 1934.

M. V., sete anos, brasileira. - Veio a consulta examinar o nariz. Informa o pae, que a acompanhou, que depois de um resfriado lhe aparece "uma carne vermelha saindo do nariz" segundo suas expressões. Nunca saiu puz. Em localidade do interior lhe foi feito um tratamento depois do qual apareceo a purgação atribuida pelo seu progenitor ao traumatismo operatorio.

Luz da naricula esquerda obstruida por um grande tumor vermelho e mole, com inserção superior e aspecto polipoide. Havia puz na fossa nasal. Hipertrofia dos ganglios superiores da cadeia carotideana mais acentuada a esquerda. Amigdalas palatinas aumentadas de volume. A radiografia revelou: transparencia diminuida do seio maxilar esquerdo; celulas etmoidais posteriores esquerdas opacificadas; celulas etmoidais direitas com discreto espessamento da mucosa (fala o radiologista). Seios frontais presentes e normais. Foi retirado o poupo e mandado a exame anatomo-patologico, em vista de seu aspeto um tanto peculiar, confirmando porem esse exame a sua natureza (fibro-mixoma). Foi feita a operação de sinusite maxilar pelo processo de Caldwell-Luc, encontrando-se puz e franca degeneração da mucosa. Anestesia geral pela Cloretila em vista da idade da paciente. Alta curada dezenove dias depois.

Quarta observação - agosto de 1935.

M. F., 9 anos, bras. - Veio a consulta examinar o nariz e a garganta. Ha cinco anos teve purgação dos ouvidos. Pela rinoscopia encontrou-se abundante secreção purulenta do meato medio esquerdo, com hipertrofia do cartucho inferior. Amigdalas palatinas hipertrofiadas. Catarata de puz vinda do cavum. A radiografia revelou: desenvolvimento unilateral direito do seio frontal, que se mostra transparente. Diminuição de transparencia dos seios maxilares, mais acentuada a direita. Não foi operado pela relutancia da familia.

Trago quatro observações, duas de sinusite, a terceira e a quarta, uma de osteomielite, a primeira. A segunda como se vê carece de confirmação radiografica que infelizmente não foi feita. Mas o aspeto clinica reivindica, com eloquencia o diagnostico de sinusite. Como vêm minha contribuição é pequena. Em se tratando, porém, de sinusite em criança, que tem justificado até trabalhos com uma observação não relutei em trazer as minhas até aqui. Meu principal intuito, porém, fazendo-o, mais uma vez o digo, é o de chamar a atenção dos especialistas brasileiros ¡para o assunto, pedindo-lhes suas luzes para o mesmo.




(1) Livre docente da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. - Chefe de clinica da Policlinica de Botafogo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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