ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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1684 - Vol. 4 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1936
Seção: Nota Prévia Páginas: 685 a 688
CURABILIDADE E TRATAMENTO DA LEISHMANIOSE ULCEROSA E DA BLASTOMICOSE
Autor(es):
Prof. Adolfo Lindenberg

Nesta pequena nota, pretendo, num modesto resumo, dar uma idéa do estado actual desta questão, socorrendo-me, para isso, da experiencia colhida no meu serviço, num decurso de 25 anos.

Como molestia produzida por protozoarios, a leishmaniose cedo tirou partido dos progressos realizados na quimio-terapia de outras protozoonoses, em que os preparados de antimonio e arsenico vinham sendo empregados com sucesso evidente; e ainda hoje esses agentes medicamentosos mantêm a sua primazia no nosso arsenal terapeutico.

Os resultados verificados com o uso desses medicamentos e a observação clinica de casos não tratados, levaram-nos ás seguintes conclusões:

1 - Um grande numero de doentes da leishmaniose, quiçá a maioria, apresentando apenas lesões na pele, curam se espontaneamente ou com o uso de uma ou outra aplicação local. Compreende-se que a concomitancia de um tratamento quimio-terapico aí, nada prova da urgencia,da sua indicação.

2 - Numa segunda série de doentes, acusando ulcerações mais antigas e extensas, algumas mesmo vegetantes, inacessiveis á cura espontanea, obtem-se sempre melhoras e muitas vezes a cicatrização completa com os antimoniais e arsenicais.

3 - Num terceiro grupo, felizmente o menor, apresentando lesões vegetantes na pele ou ulcerosas nas mucosas, obtem-se melhoras, ás vezes acentuadas, no principio, entrando, porém, logo os doentes numa fase estacionaria, na qual nem a insistencia no tratamento, mesmo com dóses aumentadas, nem a troca de preparados, conseguem modificar a situação.

O facto é conhecido na quimio-terapia das protozoonoses. O germe tornou-se medicamento-resistente, imunisou-se contra a ação microbicida do remedio

E' esse o grande empecilho a vencer no tratamento da leishmaniose.

Temos tentado contorna-lo, alternando as series de antimonio com as de arsenico. O resultada é precario.

Com a piretoterapia, por analogia com a sifilis, procurámos modificar a reatividade do organismo. O resultado é favoravel, mas passageiro.

Ultimamente iniciámos um outro modo método - o vacico-terapico. Embora a experiencia seja ainda muito recente, já podemos afirmar que, com as vacinas, se consegue encaminhar as melhoras em doentes já refratamos ao tratamento medicamentoso.

Não ha duvida, que o escopo principal foi conseguido. Mas; ha que refletir. O tratamento pelas vacinas, como tratamento imuno-biologico que é, depende muito da individuoalidade do doente. Este precisa ser tratado, se não quizermos cair no efeito contrario, observado ás vezes em todo o tratamento que conta com a alergia, e que se traduz peia reação subita, inesperada, que conduz ao consumo de anticorpos, e como consequencia disto, á exacerbação dos sintomas da moléstia, seguida, não raro de uma disseminação das lesões, como que despertando focos latentes, ignorados.

Tudo isto, melhoras e reações, ternos observado nos nossos doentes. Parece-nos, porém, que a vacino-terapia, na leishmaniose, merece continuar a ser encarada.

Passando a Blastomicose assinalemos o seu prognostico muito mais grave.

Aqui não ha, absolutamente, casos de cara espontânea. A situação torna se particularmente mais grave, por isso que a frequencia da molestia aumenta de um modo impressionante.

Tratando-se de uma micose e profunda, torna-se iminente o uso do iodo.

Da experiencia colhida com um agente medicamentoso, podemos concluir o seguinte:

1 - Ha um pequeno numero de casos que se curam com o iodo em altas doses, ao cabo de alguns mezes. As doses e a marcha do tratamento dão a idéa que a ação é quimio-terapica.

2 - Na grande maioria dos casos, porém, o iodo age em sentido contrario, muitas vezes já depois das primeiras doses, produzindo uma agravação da molestia, que conduz rapidamente ao desfecho fatal.

Esta discrepância da ação medicamentosa em casos da mesma molestia, leva naturalmente a desconfiar que se trata de pelo menos 2 tipos distintos, de agentes etiologicos diferentes.

Esta suspeita de diversidade, nas nossas blastomicoses, tem, portanto, sua justificativa na observação clinica.

Os trabalhos recentes do Dr. Floriano de Almeida, provando ser a nossa blastomicose diferente da norte-americana, de acordo aliás com o preceito já consagrado da diferenciação regional das micoses, trazem mais um argumento em favor dessa tése, que admite, entre nós, a existencia de diversos tipos de blastomicose, produzidos por especies distintas de germes.

Ultimamente, me foi dado trazer a este assunto uma nova contribuição, embora modesta, e isso graças ao emprego do iodo. Num caso, em que a cicatrização ia-se operando sob a ação desse medicamento, suspeitando de um germe diferente do Paracoccidioides, procurei isola-lo, o que facilmente consegui.

O germe, sendo um Saccharomices, revelou-se, realmente diferente dos germes encontrados até agora nos casos diagnosticados como blastomicose, e conseguiu-se a identificação pela reação intra-cutânea, feita com a respectiva cultura, sob a fórma de antigeno. As testemunhas com a culturas de Paracoccidiodes e de outros saprofitas revelaram-se negativas, revesando-se os doentes.

E' de presumir, portanto, que seja esse Saccharomices o agente causador de um outro tipo de blastomicose, curavel pelo iodo.

Se observações ulteriores forem confirmativas, poderemos tirar daí um elemento auxiliar interessante para o método de tratamento a seguir, lançando mão da reação intra-cutanea para o diagnostico do tipo em apreço, o que equivaleria a verificar se é caso de aplicar o tratamento indico ou evita-lo.

E não se diga que essa verificação, a priori, é de somenos importancia. Basta lembrar que o remedio, dado como experiencia, já na primeira vez, por pequena que seja a dóse, póde deflagar a reação fatidica, se nos achamos em presença de um caso de Paracoccidioides.

A blastomicose não é, evidentemente, molestia para tratamento ex-juvantibus.

Concluindo, verifica-se que a terapeutica tanto da leishmaniose como da blastomicose ainda está pedindo solução satisfatoria.

E' um assunto ainda em estudo e para estudo, e que tanto interessa a dermatologia como a oto-rino-laringologia, a esta seguramente mais, porque no seu acervo se encontram os casos mais graves.

Não é, portanto, demais, que muito se espere do esforço conjugado das nossas duas especialidades, para a solução desse problema.

Será obra de benemerencia cientifica, sobretudo de benemerencia patriotica.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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