IntroduçãoA utilização da impedanciometria na prática clínica, tem representado um grande auxílio no diagnóstico de lesões de nosso aparelho auditivo. Desde sua introdução em nosso meio por Lopes F.°3, a cada dia vai ganhando maior interesse sua aplicação na rotina audiológica dado o valor das informações precisas e objetivas que nos oferece.
Recentemente Niemeyer e col. no Congresso Internacional de Audiologia5 em 1972. demonstraram a possibilidade da avaliação do limiar auditivo de pacientes portadores de disacusia neuro-sensorial, com o emprego da impedanciometria, de modo objetivo. Segundo Niemeyer, é possível determinar-se o limiar auditivo de pacientes portadores de disacusia neuro-sensorial, como um erro máximo de 20 dB (NA) em 100% dos casos.
Os estudos de Niemeyer5 juntamente com os de Deutschl demonstraram que o emprego de ruídos, era mais efetivo, para a obtenção do reflexo do músculo do estribo, que um tom puro. Em seu trabalho Deutsh demonstrou que para freqüências de 2 Kc e 4 Kc era necessária uma energia sonora de 81 dB (NPS) em média para a obtenção dos reflexos (em pessoas com audição e ouvidos médios normais) enquanto que empregando um ruído de faixa estreita (narrow band), a energia necessária era reduzida para 62 dB (NPS). Isto significa em média, 19 dB (NPS) a menos, do que com o tom puro. Em níveis de 62 e 81 dB, uma energia de 19 dB tem um significado da mais alta importância.
Niemeyer5 utilizou-se destes achados para avaliar a audição em pacientes portadores de disacusias neuro-sensoriais, de modo objetivo, através da pesquisa do reflexo do músculo do estribo.
Estudando uma série de 223 ouvidos e analizando a relação entre o nível do reflexo acústico para tons puros e para um ruído branco (a soma de todos os tons puros do audiômetro) estes autores puderam predizer o limiar auditivo destes 223 ouvidos, em freqüências entre 500 c/s e 4 Kc/s.
Considerando um erro de 20 dB o resultado foi positivo em 100% dos casos e quando o erro considerado era de 10 dB, seu acerto foi de 70%.
Segundo Jergerz a base do fenômeno, parece ser " a modificação na largura da faixa crítica, para a somação de volume no ouvido com uma perda neuro-sensorial". Um ruído branco (white noise) apresenta N freqüências, que provocariam uma sensação central "de somação de intensidade", dando a impressão de um som com uma intensidade maior do que a real, em pacientes com ouvido médio e audição normal. O mesmo não sucederia com aqueles portadores de disacusia neuro-sensorial. Quanto maior a perda neuro-sensorial, menor número de freqüências audíveis e menor a somação central. Quanto maior a perda neuro-sensorial, mais se aproximam os níveis do reflexo obtido com o tom puro e com o ruído branco (gráfico n.° 1).
A largura anormal destas "faixas críticas", somada com a perda da sensitividade para altas freqüências (que caracteriza a disacusia neuro-sensorial) pode ter um efeito substancialmente maior na sensação de intensidade total de um ruído branco, do que nos sinusoides individuais que constituem aquela faixa de freqüência.
O resultado, seria uma redução no aproveitamento do volume oferecido pelo ruído branco, o que não sucede num ouvido com audição normal. A possibilidade da obtenção dos limiares auditivos, por este método é baseado na hipótese de Niemeyer, de que no ouvido normal o limiar do reflexo é obtido quando qualquer ruído exceda ao volume crítico, para aquele ouvido (denominaremos de L). O volume crítico para tons puros, denominaremos de Ltp e para o ruído branco de Lrb.
por definição Ltp = Lrb
Tanto Ltp como Lrb, representam a quantidade mínima de energia sonora, necessária para desencadear o reflexo, portanto são iguais do ponto de vista psicoacústico.
GRÁFICO N.° 1
Nota: adaptdado e modificado de JERGERM.
O volume de Lrb é concebido como a soma dos volumes que são oferecidos pelas faixas críticas. Pelo fato de um tom puro ser limitado a uma faixa crítica e o ruído branco, constituido de N faixas, este necessita de menor intensidade de ruído do que a intensidade de um tom puro, para determinar o reflexo. Esta diferença está representada no gráfico n° 1 por DN (diferença normal). Em casos de pacientes com disacusias, há uma redução do aproveitamento da energia das faixas críticas do ruído branco (até certo ponto proporcional à perda auditiva). Assim se faz a hipótese de que o número de faixas críticas disponíveis para a somação de volume, nos portadores de disacusias, fica reduzida de N para M. O resultado final é que a diferença do limiar do reflexo determinado pelo ruído e pelo tom puro (DNs) é menor. em pacientes com perdas neuro-sensoriais que em normais (gráfico n.° 1).
A possibilidade de se avaliar a audição destes pacientes e principalmente em crianças, por este método, que é objetivo, representa um campo novo dentro da impedanciometria na prática clínica. Embora seja possível através deste método a avaliação da perda auditiva em cada freqüência entre 500 e 4.000c/s (neste caso empregando ruído de faixa estreita), isto se torna desnecessário. Tal precisão exigiria uma perda de tempo precioso e sem grande utilidade prática, principalmente em crianças. Jerger2 prefere oferecer a predição das perdas auditivas, não em decibeis, mas sim em grupos como na tabela 1.
TABELA I
* média das 3 freqüências 500, 1000 e 2000 c/s - Adaptado de Jerger².
TécnicaApós a timpanometria e a medida das complacências dos dois ouvidos, os seguintes dados devem ser anotados (para cada ouvido) a fim de se poder predizer a perda auditiva:
A = limiar do reflexo para 500 c/s em NPS;
B = limiar do reflexo para 1000 c/s em NPS;
C = limiar do reflexo para 2000 c/s em NPS;
D = média dos limiares acima, isto é: A+B+C/3
E = limiar para o reflexo (em tom puro) mais baixo entre A, B e C;
F = limiar obtido para o ruído branco (Lrb) em NPS;
L = diferença entre a média aritmética dos valores obtidos para o tom puro (D) e o limiar para o ruído branco (F) isto é D-F;
M = diferença entre A (limiar para 500 c/s em NPS) e F (limiar para o ruído branco, isto é A-F;
N - limiar mais baixo entre A, B e C, menos limiar para o ruído branco, isto é E-F;
O valor da disacusia predita (de acordo com a tabela 1) será:
D.P. = L+N+M/3
O valor de D.P. é realmente a média das diferenças entre o limiar do reflexo para o ruído e 3 diferentes pesos dos limiares para tons puros entre 500 e 2000 c/s.
Se o valor de D.P. (disacusia predita) é maior do que 20 a audição é normal. Se D.P. estiver entre 10 e 19 a disacusia é de suave a moderada e se menor do que 10 é severa. Naqueles casos em que o reflexo não é obtido, em todas as três freqüências a disacusia será considerada profunda.
Se por outro lado o valor absoluto do reflexo para o ruído branco for de 90 dB ou menos, mesmo que o valor de D.P. esteja entre 15 e 19 se considera como audição normal. No entanto se for maior do que 90 dB a perda será considerada de suave a moderada.
Quando o valor de D.P. for menor do que 10, mas o limiar para o ruído branco for menor que 100, será considerada como suave a moderada. A tabela II resume estes valores.
TABELA II
NOTA: adaptada de Jergge².
É possível também a predição da inclinação da curva audiométrica da disacusia. Para tanto é necessário que o impedanciômetro, disponha de filtros especiais (disponível nos impedanciômetros MADSEN de número acima de 50341). Verifica-se os limiares para o reflexo empregando-se um ruído de faixa larga (white noise) com filtro de passa baixo (Low pass filtered noise-LPFN) em 2600 c/s e com filtro de passa alto (high pass filtered noise-MPFN), também em 2600 c/s.
Com base nas diferenças entre os limiares obtidos com o filtro de passa baixo e com o de passa alto, é possível a predição da inclinação da curva. Se a diferença entre ambos for entre menos 1 a menos 5 pode-se dizer que há uma inclinação discreta na curva audiométrica em direção aos agudos. Quando a diferença for maior do que menos 5, há uma queda brusca da curva em direção aos agudos. Se a diferença no entanto for próximo de zero, a curva é plana.
Jergr2 estudando 1043 ouvidos, obteve uma predição perfeita em 60% dos pacientes e um erro moderado em 36%. Jerger considera um erro moderado, quando o resultado da predição, discordava em uma escala de sua classificação (tabela 1). Por exemplo: se a disacusia realmente era suave a moderada e a predição foi de normal, o erro, era considerado moderado.
TABELA III
Correspondência entre NA e NPS
Nota: segundo Madsen Electronics (1972).
Calibração Fisiológica
É de fundamental importância a "calibração fisiológica" do ruído branco de nosso impedanciômetro. É sabido que nem sempre os impedanciômetros, tem calibração idêntica do ruído branco, em NPS, podendo sofrer pequenas variações de um aparelho para outro, ainda que da mesma fabricação. Assim sendo é importante fazer inicialmente um levantamento em pacientes normais, da quantidade média em dB NPS para a obtenção do reflexo em tom puro e em ruído branco. Toma-se 10 pacientes, jovens e com audição e ouvidos médios normais e verifica-se a média em dB necessário para a obtenção do reflexo em 500 c/s, 1000 c/s, 2000 c /s e 4000 c/s. Repete-se o mesmo para o ruído branco, nos 10 pacientes. Em nosso aparelho a diferença entre os limiares para o tom puro (Ltp) e para o ruído branco (Lrb) foi de 14 dB. Estes valores devem ser adaptados a tabela II. Para Jerger2 a diferença entre Ltp e Lrb, foi de 25 dB, enquanto em nosso aparelho foi de 14. O fator de correção seria 25 - 14 = 11. Nosso fator de correção será 11. Este número deverá ser somado ao valor final de D.P. encontrado permitindo-nos agora a utilização da tabela II, para classificar nossos resultados.
exemplo: em um paciente que desejamos saber sua perda auditiva, obtivemos os seguintes valores dos reflexos:
em 500 cs = 90 dB (NA)
em 1000 cs = 110 dB (NA)
em 2000 cs = 110 dB (NA)
ruído branco = 110 dB (NPS);
para sabermos qual sua perda auditiva teremos:
A = 90 dB (NA) ou 102 dB (NPS);
B = 110 dB (NA) ou 117 dB (NPS);
C = 110 dB (NA) ou 119 dB (NPS);
D = 112.6 (média aritmética entre A, B e C);
E = 102 (limiar mais baixo entre A, B e C);
F = 110 (limiar para o ruído branco);
L = 2.6 (diferença entre D e F);
M= - 8 (diferença entre A e F);
N = - 8 (diferença entre E e F);
O valor de D.P. = 2,6+- 8+- 8 = - 4.4
3
O valor de DP, - 4.4, somado ao nosso fator de correção que é 11, resulta em 5.6, que é o valor final de DP. Na tabela II o valor 5,6 corresponde a disacusia severa. Na realidade os limiares auditivos deste paciente, eram 50, 65 e 80 em 500, 1000 e 2000 cs, respectivamente. A média entre os 3 limiares é de 65 dB, que na tabela 1 corresponde a perda severa. Nossa predição portanto foi correta.
Nossos Resultados
Nosso estude consta da análise da predição auditiva em 82 ouvidos, de pacientes com audição normal (47) e portadores de disacusia neuro-sensorial (35).
Os resultados foram classificados, de acordo com a tabela 1. A tabela IV, mostra os resultados de nossos estudos, com estes 82 ouvidos.
TABELA IV
A análise da tabela n.° IV, permite-nos observar que o maior índice de erro, na predição deu-se com relação ao grupo de pacientes com disacusia moderada, onde a predição foi correta em apenas 60% dos casos. Nos outros grupos o acerto foi da ordem de 80%. Na análise global dos resultados, obtivemos predição correta em 76.8% e um erro moderado em 21.9% dos casos. O gráfico n.° 2, nos mostra em detalhes os dados obtidos em nosso estudo.
DiscussãoSe considerarmos a simplicidade do método da impedanciometria e seus resultados na avaliação do limiar auditivo, verificamos o horizonte que se nos abre, na possibilidade da avaliação da audição, principalmente em crianças pequenas, com deficiências auditivas. Em nenhum caso de perda severa ou profunda, foi feito predição de audição normal, assim como o inverso também foi verdadeiro. Se associarmos os dados obtidos por este método com as informações obtidas através da anamese, exame físico e outros métodos convencionais, poderemos valorizá-lo dentro de uma correta interpretação. A precisão do método é surpreendentemente boa, pois raros foram os erros graves (1.3%). Esta técnica é especialmente útil, na confirmação de audição normal em crianças, que tendo sido submetidas a fatores determinantes de lesão do aparelho auditivo, na gestação, parto ou ainda nos primeiros meses de vida, traziam sérias apreensões à família, quanto à possiblidade da existência de uma deficiência auditiva. Embora pareça ser difícil e demorado, pelos cálculos necessários, o método é simples e pode ser realizado em menos de 15 minutos. Algumas vezes e principalmente em crianças pequenas é necessária uma sedação, que não prejudica os resultados como já havíamos estudado em trabalho anterior4. É óbvio que os resultados não podem ser considerados isoladamente, sem uma avaliação global" como também o resultado de um ERA ou um ECoG não podem ser aceitos de per si. A predição obtida por este método, deve fazer parte de um conjunto de dados, na avaliação global do paciente com deficiência auditiva.
Por outro lado este método só poderá ser empregado, quando ambos ouvidos médios forem normais, o que poderá ser suspeitado pelo tímpanograma. Na anormalidade de um ouvido médio, a ausência do reflexo poderia trazer erros de interpretação.
GRÁFICO N.° 2
Conclusões1 - É possível, através da impedanciometria, a avaliação do limiar auditivo, com uma precisão de 76.8% (em nossos casos);
2 - Embora o método ofereça uma precisão bastante aceitável do ponto de vista clínico, não deve ser seu resultado valorizado, como um dado em separado, mas sim dentro de um conjunto de valores;
3 - O método não terá valor, quando um ou ambos ouvidos médios não forem normais.
Referências Bibliográficas1. Deutsch, L. - The threshold of the stapedius reflex for pure tone and poise stimuli; Acta Otolaryng. 74: 248-251, 1972.
2. Jerger, J. et Al. - Predicting hearing loss from the acoustic reflex; J. Speech and Hearing Dis., 39: 11-22, 1974.
3. Lopes F.°, O. - Contribuição ao estudo clínico da Impedância Acústica. Tese Editora da Universidade de São Paulo, 1972.
4. Lopes F.°., O. - Estudo clínico da ação de sedativos em exames Impedanciométricos. Rev. Bras. O. R. L., 40: 236-240, 1974.
5. Niemeyer, W. & Sesterhenn, G. - Calculating the hearing threshold from the stapedius reflex threshold for different sound stimuli. Trabalho apresentado ao XI Congresso Internacional de Audiologia, Budapest, Hungria, 1972.
ENDEREÇO DOS AUTORES:
Disciplina de Otorrinolaringologia
Faculdade de Ciências Médicas
Santa Casa de São Paulo
Rua Cesário Mota Júnior, 112, 5.° andar
01221 - São Paulo - SP.
* Professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Livre Docente pela Escola Paulista de Medicina.
** Fonoaudióloga.