I - INTRODUÇÃODesde que foi estabelecida por Aran & Le Bert em 1968, a Eletrococleografia - ECoG - tem sido empregada em vários Serviços como um método objetivo, importante no diagnóstico da surdez1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 16, 11, 12, 13, 14, 15. O presente trabalho tem por objetivo apresentar a experiência da Clínica O.R.L. do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P. na Eletrococleografia efetuada em 483 ouvidos correspondentes a 253 pacientes atendidos no período de outubro de 1973 a julho de 1975.
II - CASUÍSTICA E MÉTODOA) CASUÍSTICA
Foram estudados 483 ouvidos correspondentes a 253 pacientes, atendidos na Clínica O.R.L. do Hospital das Clínicas da F.M.U.S.P. O paciente de menor idade foi de 9 meses e o de maior, 60 anos.
B) MÉTODO I
A ECoG foi realizada conforme o método de Aran.
1 - Princípio do ECoG
Quando se faz um estímulo sonoro, este é captado pelo ouvido externo e transmitido ao ouvido médio e finalmente à coclea. Na coclea, a vibração sonora é transmitida das células ciliadas às fibras nervosas. E em cada uma destas etapas se acompanha de fenômenos elétricos (respostas sensoriais e nervosas). As respostas sensoriais são representadas pela microfonia coclear e potencial de somação. E as respostas nervosas são constituídas de potencial de ação unitária de uma fibra nervosa e o potencial de ação global do nervo auditivo. Esta atividade elétrica do nervo auditivo pode ser registrada por meio de um eletrodo colocado diretamente sobre o promontório ósseo da coclea Assim a resposta eletrococleográfica é o sinal elétrico médio que aparece entre o promontório ósseo da coclea e o lóbulo da orelha por ocasião de estímulos sonoros repetitivos (clic) de fases alternativamente opostas.
2 - Materiais
O conjunto de materiais é constituído de aparelhagens, eletrodos e acessórios. A aparelhagem é formada por um sistema de estimulação (gerador de estímulos, inversos, filtro, atenuador, amplificador, alto-falante) e recepção da resposta (pré-amplificador, amplificador, osciloscópio, computador). Utiliza-se 3 eletrodos: ativo, indiferente e massa. Os acessórios são constituídos de porta-eletrodo, anel de fixação, espéculo auricular, micropinça.
3 - Desenvolvimento de Exame
O paciente é colocado na mesa de exame na sala acústica e faradizada. As crianças abaixo de 8 anos de idade são submetidas aos efeitos da anestesia geral (Ketamina) e os adultos com anestesia local (Xilocaina). Coloca-se o eletrodo indiferente sobre o lóbulo da orelha e o de massa na frente. O eletrodo - ativo é colocado sobre o promontório na vizinhança da janela redonda (Fig. 2) . Os 3 eletrodos são ligados a caixa conectada ao pré-amplificador. O alto-falante é colocado a 70 cm do ouvido a ser examinado. Na ante-sala observa-se, no osciloscópio, a sinal de entrada no computador. Inicialmente procura-se uma resposta nítida, utilizando-se de clic suficiente. Esta resposta é vista no osciloscópio. Pesquisa-se o limiar diminuindo progressivamente a intensidade à cada 10 dB. Mede-se no osciloscópio, a amplitude e a latência das respostas obtidas (Fig. 3). Terminado o exame retira-se os eletrodos e goteja-se antibiótico no ouvido. Repete-se a mesma manobra para examinar o outro ouvido.
4 - Apresentação de Resultados
O conjunto de informações fornecido pelo ECoG para cada ouvido examinado é o seguinte: limiar; latência ao limiar; forma da resposta; forma das curvas representando as variações da amplitude e da latência em função da intensidade do clic.
III - RESULTADOS E COMENTÁRIOSTodos os pacientes foram previamente submetidos a anamnese, exame otorrinolaringológico e exame audiométrico. E o ECoG foi indicado e realizado somente naqueles pacientes em que o teste audiométrico subjetivo apresentou dúvidas ou que não foi razoável devido à falta de colaboração dos doentes. Neste último grupo se encontra a maioria das crianças de meses de idade ou retardadas ou excepcionais que não podiam colaborar na realização do exame audiométrico subjetivo. O exame é simples e fácil de ser realizado. Não tivemos nenhuma criança com problemas de complicação anestésica à Ketamina. Os resultados eletrococleográficos obtidos auxiliaram na elucidação diagnóstica da deficiência auditiva.
O ECoG. 72 se refere a uma criança de 2 anos de idade que ainda não fala e a mãe acha que não ouve. Relata que aos 3 meses de idade começou a apresentar crises convulsivas e foi diagnosticado como portadora de Síndrome de West. O exame O.R.L. foi normal Não se conseguiu fazer o exame audiométrico subjetivo. E o ECoG revelou para o ouvido Direito; limiar 30 dB; iatência ao limiar 3,8 mseg; variação da curva de latência é decrescente e lenta com o aumento da intensidade; variação da curva da amplitude é crescente, lenta e progressiva nas fracas e médias intensidades, seguida de crescimento rápido acima de 60 dB; forma da resposta a 110 dB foi monofásica. Estes elementos caracterizam ECoG normal. O mesmo aspecto foi encontrado no ouvido Esquerdo. Neste caso o órgão de corti é normal e o distúrbio auditivo talvez, estivesse relacionado a outros problemas como o central.
O ECoG. 65 se refere a uma criança de 5 anos de idade. Os pais referiram que estava fazendo reeducação para autismo e como não estivesse obtendo resultado procurou O.R.L que achou não se tratar de autismo mas sim de deficiência auditiva. Mas a audiometria foi inconclusiva. E o ECoG revelou no ouvido D: limiar de 65 dB; latência de 1,9 mseg; curva de latência com pequena variação; curva de amplitude com crescimento rápido; forma de resposta monofásica a 110 dB. O mesmo aspectofoi obtido no ouvido E. Estes dados são características de ECoG de percepção. Portanto, foi constatada uma disacusia neurosensorial e com este limiar (65 dB) não poderia ter um desenvolvimento normal de linguagem. Foi orientado para o uso de prótese auditiva.
O ECoG. 86 é de uma criada de 3 anos de idade e cujos pais referiram que a criança não falava nada e achavam que não escutava. Não apresenrava nenhum antecedente familiar ou individual. Exame O.R.L. normal. Criança agitada e muito nervosa (segundo a mãe). Foi impossível de se realizar audiometria. O ECoG revelou: ouvido D: sem resposta a 110 dB enquanto o E. revelou limiar de 80 dB. Portanto, sem resposta eletrococleográfica à D. e ECoG de percepção à E. Portanto com disacusia neurosensorial. Foi sugerido o uso de prótese auditiva á E. Felizmente a criança aceitou bem e começou a falar.
O ECoG. 33 se refere a uma criança de 4 anos de idade: A mãe relata que com 1 ano de idade teve otites de repetição. Não fala e acha que não escuta. O exame OR.L foi normal. Audiometria irrealizável devido a falta de colaboração da criança. O ECoG acusou á D. sem resposta a 110 dB e à E. limiar de 70 dB; latência de 1,5 mseg; curva de amplitude com crescimento rápido; curva de latencca quase rerilínea e forma de resposta difásico a 110 dB. Estes elementos no ouvido E. são característicos de ECoG com recrutamento.
O ECoG. 173 é de uma criança de 12 anos. A mãe refere que desde criança tem dificuldade para falar e acha que não ouve bem. Procurou vários otologistas que informavam ter audição dentro da normalidade. E a psicóloga achava que escutava bem e não falava porque o paciente não queria. Nasceu de parto induzido e com icterícia por incompatibilidade Rh. e foi realizado 2 exsanguíneo transfusões. Tem 2 irmãos maiores, seguido de 3 abortos e o 6.° filho é o próprio paciente. Exame O.R.L. normal. Audiometria inconclusiva. ECoG revelou à D. limiar de 80 dB; curva de latência com variação mínima; curva de amplitude com crescimento rápido; forma de resposta anormal com pico positivo precoce. ECoG anormal. Este tipo de ECoG, com forma de resposta anormal com pico positivo precoce é característico de má discriminação e a inteligibilidade comprometida (Aran). Como se pode observar o ECoG permitiu chegar ao diagnóstico da deficiência auditiva de maneira objetiva e precisa. Deste modo pode-se orientar melhor a terapêutica do deficiente auditivo com segurança e precocemente na reeducação.
IV - RESUMO
Os autores apresentam a experiência da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo na Eletrococleografia de 483 ouvidos correspondentes a 253 pacientes. E chegam a conclusão de que o ECoG fornece: avaliação auditiva objetiva e precisa; o diagnóstico precoce da surdez na criança; melhor orientação na reeducação precoce da criança deficiente auditivo.
V - SUMMARYThe autores show the experiency at E.N.T. Clinic of Faculty of Medicine of the University of São Paulo of 483 Electrocochleography tracings in 253 patients. The A.A. showed: a) objetive avaliation of hearing; b) early precise diagnosis of the loss ira children and babies; c) early treatment and reeducarion of the hearing loss ira children.
VI - BIBLIOGRAFIA1. Aran, J. M. - L'electrocochleogramme
I - Principe et tecnique - Cahiers de Ia C.F.A. - Paris, 12, 1971.
II - Resultats - Cahiers de Ia C.F.A. - Paris, 7 3, 1971.
III - Interpretation - Cahiers de Ia C.F.A. - Paris, 14, 1972.
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ENDEREÇO DOS AUTORES
Departamento de O.R.L. - 6.° andar
Hospital das Clínicas
São Paulo - SP.
* Trabalho realizado na Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Docente-Livre da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Prof.-Adjunto e Chefe da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
**** Prof. Titular da Clínica Otorrinolatingológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
***** Assistente-Doutor da Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
****** Docente-Livre do Serviço de Anestesia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
******* Preceptor do Serviço de Anestesia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.