Apesar de ser a paralisia facial de Bell uma entidade muito freqüente, as múltiplas recorrências são raras. Segundo os grandes estudos estatísticos, a recorrência da paralisia facial de Bell ocorre entre 7 e 10% dos casos, sendo que as múltiplas recidivas são muito raras1, 2, 3. Assim, Devriese e Pelz1 referem 39 pacientes com uma recorrência e 7 com duas. Cawthorne e Haynes2 apontam 33 com uma ou mais recorrências. Park e Watkins3 relatam 24 pacientes com uma recorrência, 6 com duas e 1 com três. Eulemberg, citado por Devriese e Pelz1, descreve um paciente que sofreu 5 paralisias, sendo duas no lado direito e três à esquerda. Observamos um paciente, que apresentou várias recorrências no mesmo lado, sempre com remissão total e pela sua raridade acreditamos estar justificado este registro.
ObservaçãoE.M.G. - 16 anos, negro, masculino, dextro. Relata que aos 11 anos de idade apresentou o primeiro episódio de paralisia facial a direita, com desvio da boca para a esquerda e impossibilidade de ocluir os olhos a direita. Concomitante, alteração da gustação e sensação de ruído no ouvido direito. Negava edema de língua, lábios e face. A paralisia regrediu espontaneamente após 10 dias. Repetiram-se quatro episódios idênticos, no mesmo lado, com intervalo de um ano, todos com remissão total em cerca de 30 dias, sendo o último há 10 dias. Nega otalgia, descarga purulenta pelo ouvido, vertigem ou cefaléia.
Exame físico geral - Normal. Exame otorrinolaringológico - Normal. Exame Neurológico - Fundoscopia e campos visuais normais. Movimentos extra-oculares e pupilas normais. Ausência de nistagmo. Nistagmo optocinético normal. Sensação da face e reflexos corneanos normais. Paralisia facial periférica direita, com desvio da rima labial para a esquerda, dificuldade para ocluir o olho direito, com sinal de Bell. Hipoageusia nos dois terços anteriores da língua a direita. Acentuada diminuição do lacrimejamento no olho direito. Ausência de algiacusia e sensibilidade da parede posterior do conduto auditivo externo normal. Weber na linha média e Rinne positivo em ambos os ouvidos. Úvula e palato na linha média e normais. Esternocleidomastoideos normais. Língua na linha média e normal. Força muscular normal nas quatro extremidades, com tonus normal. Coordenação normal, com ausência de dismetria, disdiadococinesia e movimentos involuntários. Sensibilidade a dor, tato, posição e vibração normais. Marcha normal e sinal de Romberg ausente. Reflexos profundos e superficiais normais, com ausência de reflexos patológicos. Ausculta da cabeça e pescoço normal.
Investigação - Hemoglobina 13,6 gr/100 ml, hematócrito 43%, 8000 leucócitos, com 22% de eosinófilos, 2% de basófilos, 28% de linfócitos, 2% de monócitos, 2% de bastonetes e 44% de segmentados. VHS 22 mm na 1.ª hora e 57 mm na 2 hora. Mucoproteínas 3,5 mg de tirosina/100 ml. Glicemia 88 mg/100 ml. Reação de Paul Bunnel com título de hemaglutinação 1:14 na primeira fase e ausência de hemaglutinação na segunda. Pesquisa de porfobilinogênio negativo. Proteínas totais 6,9 gr/100 ml, com albumina 57,29%, alfa um 4,34%, alfa dois 10,27%, beta 9,73% e gama 18,37%. Parasitológico de fezes com Ancilóstoma duodenale +, Estrongiloide estercoralis + e Giardia lamblia +++. Raio X de crânio e tomografia de conduto auditivo interno normais. Mastoides com sistema celular bastante desenvolvido. Audiometria normal. Eletromiografia - Realizada no décimo dia após a instalação do último processo, com agulhas bipolares, demonstrando discreto aumento de potenciais polifásicos lentos no músculo frontal esquerdo. A duração dos potenciais de ação normais era em média 7 ms e 2000uV. O músculo orbicular do lábio esquerdo estava normal, com potenciais de 6 ms e 300uV. Ausência de potenciais de ação voluntários nos músculos frontal direito e orbicular do lábio direito, apresentando este último, em repouso, ocasionais fibrilações e ondas positivas (Tabela I).
Evolução - Um mês após, persistia somente mínima diminuição da força no músculo orbicular dos olhos e discretíssimo desvio da comissura labial direita. A eletromiografia nesta ocasião revelou raras fasciculações no músculo frontal direito, grande quantidade de potenciais polifásicos lentos, com potenciais de ação de duração aumentada (10 ms e 500uV). O músculo orbicular do lábio direito também mostrava aumento de potenciais polifásicos lentos e potenciais de ação aumentados em duração (8 ms e 400uV).
TABELA I - Paciente EMG. Resumo dos achados Eletromiográficos.
0 Ausência
+ Raros
++ Freqüentes
+++ Abundantes
ms Milisegundos
uV Microvolts
Comentários
Tem sido descrito na literatura, recorrências de paralisias faciais periféricas com características familiares2, 4, 5, 6. Quando estes episódios se acompanham de edema de face ou lábios e língua escrotal, constituem o Síndrome de Melkersson-Rosenthal, que por vezes tem característica genética7, 8. O diagnóstico deste síndrome é clínico e necessita a presença de pelo menos dois dos sinais clássicos para ser identificados9, 10. Patologias próprias do osso temporal ou do ângulo ponto-cerebelar foram relatadas como etiologia de paralisia facial recorrente. Encontramos relatos de colesteatoma comprometendo o nervo facial na altura do gânglio geniculado11, neurinoma do facial, Schwannoma do acústico12 e aneurisma da artéria auditiva interna13. Apesar destas citações, House em 200 casos de tumores do ângulo ponto-cerebelar, não faz referência a recorrências de paralisias faciais14, 15. A interrelação do excesso de pneumatização da mastoide e a recorrência da paralisia facial é desconhecida. Cawthorne e Haynes relatam que todos os seus pacientes possuiam este achado radiológico2. A eletromiografia registrando potenciais polifásicos nos músculos da hemiface normal, evidenciou neuropatia subclínica na mesma, como já foi assinalado na literaturals. Os sinais de denervação no 10.° dia e sinais de regeneração no 30.° dia, são os referidos na literatura, com respeito a evolução eletromiográfica da paralisia facial17.
O retorno completo da mobilidade da musculatura facial, bem como os sinais de regeneração nos músculos previamente lesados no presente caso, demonstram que o processo etiológico das paralisias, qualquer que tenha sido, foi reversível.
SummaryRecurrent Facial Palsy. Report of a case with 4 recorrentes.
A case of a 16 years-old-boy with facial palsy, Bell type, who had 4 recurrences is described. Is presented the clinical features, laboratory study and electromyography.
A discussion about the entities who could make recurrent facial palsy is presented.
Referências 1. DEVRIESE, P. P. & PELZ, P. G.: Recurrent and alternating Bell's palsy. Ann. Otol. Rhinol. Laryngol. 78: 1091, 1969.
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5. DANFORTH, H. B.: Familial Bell's palsy Ann. Otol. Rhinol. Laryngol. 73: 179, 1964.
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11. WALSHI, T. E.: Bell's palsy: A much misused diagnoses. Laryngoscope 71: 761, 1961.
12. STEWART, B. W.: Recurrent facial palsy and tumor. Arch. Otolaryng. 83: 543, 1966.
13. CASTAIGNE, P. PERTUISET, B., CAMBIER, J. & BRUNET, P.: Anévrisme de l'artére auditive interne révele par une paralysie récidivant. Presse Med. 75: 2493, 1967.
14. HOUSE, W. F.: Transtemporal bone Microsurgical removal of acoustic neuromas. Arch. Otolaryng. 80: (Supl) December 1964.
15. HOUSE, W. F.: Acoustic neuroma. Arch. Otolaryng. 88: (Supl), December 1968.
16. SAFMAN, B. L.: Bilateral pathology in Bell's palsy. Arch. Otolaryng. 93: 55, 1971.
17. GOODGOLD, J. & EBERSTEIN, A.: Electrodiagnosis of Neuromuscular Diseases. The Williams & Wilkins Co., Baltimore, 1972.
ENDEREÇO DOS AUTORES
Departamento de Clínica Médica. Disciplina de Neurologia. Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Rua General Carneiro s/n. 80.000 Curitiba, Paraná, Brasil.
Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica (Neurologia), Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
* Auxiliar de Ensino (Neurologia)
** Médico Voluntário (Neurologia)
*** Médico Voluntário (Otorrinoralingologia)