ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1662 - Vol. 41 / Edição 2 / Período: Maio - Agosto de 1975
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 162 a 167
BAROTRAUMA SINUSAL AGUDO IATROGENICO
Autor(es):
Roberto M. Neves Pinto*
Ubirajara P. de Farias**

Resumo: O objetivo desta comunicação é a apresentação de um caso de barotrauma sinusal agudo, com hematoma bilateral dos seios maxilares, produzido por aplicação inadequada do método de Proetz. Incluimos um comentário sobre esse método e a variante proposta por Ermiro E. de Lima2.

Relato sumário do Caso

C.R.M.B., 26 anos, sexo masculino, solteiro, português, foi reprovado em exame de saúde para obtenção da licença brasileira para Piloto de Linha Aérea (P.L.A.), no Centro de Medicina Aeroespacial do Ministério da Aeronáutica (C.E.M.A.L em 26 de dezembro de 1974. Foi reprovado no setor de O.R.L., de acordo com os regulamentos em vigor, por ser portador de sinusite maxilar crônica direita, com alterações radiológicas discretas da muscosa sinusal (figura 1-A). Em sua pátria, foi piloto da Força Aérea e possuia também uma licença de Piloto Comercial desde 1969. Esteve no serviço ativo realizando missões de combate na África, por quatro anos (até 1974). Era submetido a inspeções periódicas, cada seis meses, e nunca houve qualquer restrição otorrinolaringológica (sic). Todavia, confessa que algumas vezes não pôde se furtar de realizar missões aéreas estando resfriado. Após receber o parecer do C.E.M.A.L., procurou um especialista em Copacabana que, em 28 de dezembro, confirmou o diagnóstico anterior e iniciou o seguinte tratamento: manobra de Proetz, diariamente e sem introdução de qualquer líquido medicamentoso (!?), antibiótico por via sistêmica e inalantes, por seis dias (sic). Sentia muita dor durante a execução da manobra de deslocamento e por duas vexes houve sangramento. (sic). Em 2 de janeiro, as radiografias dos seios da face foram repetidas e o aspecto radiológico havia experimentado uma substancial piora. Agora, havia uma opacificação sub-total de ambos os seios maxilares (figura 1-B) e uma diminuição de transparência dos seios etmoidais. Com tal resultado procurou um outro especialista. Foi feita uma nova série de manobras de Proetz, sem dores, com introdução de um fluído que não soube identificar. Além disso, fez uso de antibióticos e anti-inflamatórios por via oral. Em 9 do mesmo mês novas radiografias revelaram as mesmas alterações anteriormente registradas. Nessa altura, recorreu a um de nós (N.P.) em 10 de janeiro. Ao exame encontramos fossas nasais permeáveis, mucosa de coloração normal e ausência de secreção. Havia uma leve sensação de dor à pressão da parede anterior dos seios maxilares e tudo mais estava dentro dos limites normais. O paciente permanecia assintomático assim como sempre havia estado, pelo monos desde o exame no C.E.M.A.L. Foi feita uma medicação, durante duas semanas, com doses decrescentes de triancinolona (oito miligramas iniciais) e manobra de Proetz, segundo a variante de Lima, em dias alternados com uma solução de efedrina a 0,5%.

Novas radiografias revelaram seios maxilares inalterados e os demais com transparência normal. Nesse momento, afastamos nossa hipótese inicial de edema da mucosa, reversível com tratamento clínico, em favor de hematoma bilateral. Assim considerando, submetemos o paciente a uma sinusotomia bilateral, em 28 de janeiro de 1975, no Instituto Brasileiro de O.R.L. (Clínica do Prof. Ermiro de Lima). A cirurgia foi realizada sob anestesia local e o acesso ao seio feito através incisão no bordo inferior da gengiva, conforme técnica descrita em outro trabalho3, 4). Após trepanação da parede anterior do seio maxilar direito, surgiu uma enorme massa globosa que praticamente enchia toda a cavidade sinusal. Cheia de sangue escuro, apresentava um revestimento muito espesso de consistência coriárea. O resto do seio também exibia mucosa com mais de dois milímetros de espessura e por isso foi removida junto com a lesão supracitada. Foi feita contra-abertura para a fossa nasal correspondente e síntese da incisão na gengiva. No lado oposto foi praticada a mesma cirurgia e os achados foram semelhantes. O conteúdo de ambos os seios foi enviado à anatomia patológica e o laudo exarado foi o que se segue: mucosa espessa (4,0mm) com superfície irregular e focos hemorrágicos mostrando organização parcial compatíveis com processo inflamatério inespecífico e hematoma parcialmente organizado. Em face do exposto, firmamos o diagnóstico de barotrauma sinusal agudo iatrogênico, com hematoma bilateral. Não levamos em consideração a discreta patologia sinusal preexistente, ao nível do seio maxilar direito por ocasião da inspeção no C.E.M.A.L., por que não acreditamos que tenha representado influência ponderável na gênese das lesões que vimos de descrever. Com efeito, os dois seios maxilares, o são e o patológico, comportaram-se de modo semelhante face o barotrauma inflingido. O paciente teve pós-operatório tranquilo e, na data atual, já logrou a obtenção da licença pretendida (PI.A.) após novo exame no CE.M.A.L.

Comentário

Não nos parece haver dúvida de que as lesões sinusais descritas tenham sido produzidas pelo uso incorreto (pressão negativa excessiva) da manobra de Proetz, pelo primeiro especialista. A dor e o sangramento em conseqüência da manobra, relatados pelo enfermo, são documentos eloquentes desse fato. Além do mais, as radiografias feitas, logo após o primeiro tratamento, atestam bem o que sucedeu dentro desse breve período (figura 1-A e 1-B). Cremos, portanto, oportuno rever aqui como executar de modo seguro a manobra clássica de Proetz.

O método de deslocamento de Proetz¹ baseia-se na elasticidade do ar contido nas cavidades paranasais. Quando se faz uma sucção, através da narina, o ar existente nos seios é aspirado graças à pressão negativa criada ao nível das fossas nasais (figura 2-B). Ao se descontinuar a sucção, a pressão passa a ser maior nas fossas nasais do que nos seios e um fluído qualquer que esteja, nesse momento, em contato com os ostia sinusais será empurrado para os seios, substituindo o ar previamente deslocado através desse líquido (figura 2-C). Desse modo se reestabelece o equilíbrio das pressões entre fossas nasais e cavidades sinusais.

Para o sucesso da manobra de Proetz faz-se necessário observar os seguintes itens:

1- A posição da cabeça do paciente deve ser adequada a fim de que o líquido que se quer introduzir seja posto em contato com os ostia dos seios paranasais que se deseja preencher¹. Em geral se utiliza as bem conhecidas posições de Rose e Parkinson.

2- Uma pressão negativa intermitente deve ser aplicada a uma narina, enquanto um dedo fecha a oposta e o paciente oclue a faringe dizendo "Q-Q-Q". É fundamental que essa pressão seja igual ou superior a 150 e inferior a 180 mm de Hg a fim de que seja suficiente para o deslocamento do ar se processar sem contudo produzir lesão barotraumática dos seios. Para tal, é imperativo o uso de aparelhagem adequada capaz de produzir, sob controle efetivo, a pressão negativa desejada em um ou dois segundos¹. Outrossim, é aconselhável não realizar a manobra de deslocamento no auge dos processos sinusais agudos. Graças ao método de Proetz¹ pode-se introduzir substâncias, com finalidade terapêutica ou diagnóstica, em todos os seios paranasais sem a necessidade de manobras cirúrgicas tais como punção ou canulizacão.





Tais manobras, inclusive, não nos possibilita preencher os seios etmoidais os quais, quase sempre, são a fonte de origem e/ou de alimentação das infecções dos demais seios da face. A inovação introduzida pela variante de Lima2 está na pressão negativa obtida sem qualquer aparelho, isto é, pelo próprio paciente que simplesmente cerra as narinas e com a boca fechada aspira forte. A variante de Lima2, por não exigir qualquer aparelhagem e por sua simplicidade, pode ser executada pelo especialista sem exigência de local específico ou, pelo próprio paciente, desde que devidamente instruído, em sua própria residência. Além do mais, o fato da intensidade da pressão negativa ser controlada pelo paciente e o fato de uma sensação de dor ser experimentada antes da pressão se tornar capaz de produzir barotrauma evitam que níveis de pressão indesejáveis sejam atingidos.





Por mais de quinze anos temos utilizado o método de deslocamento de Proetz, segundo a variante proposta por Lima, sem qualquer caso de barotrauma e com amplo sucesso terapêutico. Inclusive para minorar o problema da secura do ar, a bordo dos grandes jatos comerciais durante vôos de longa duração, os tripulantes têm se valido também dessa manobra a fim de introduzir nos seios paranasais uma solução de água destilada, cloreto de sódio e cloreto de benzalcônio5. Não vemos, portanto, por que não aproveitarmos a oportunidade para recomendarmos e reiterarmos as vantagens do uso da variante de Lima.

Sumário e Conclusões

Os autores apresentam um caso de barotrauma sinusal agudo iatrogênico, com hematoma bilateral dos seios maxilares, e comentam a execução da manobra de Proetz e da variante proposta por Lima2 concluindo que:

1- O método de deslocamento de Proetz quando aplicado de modo incorreto é capaz de produzir barotrauma sinusal com descolamento da mucosa, hemorragia e hematoma;

2- Para evitar barotrauma sinusal, ao usar o método de Proetz, é essencial o emprego de aparelhagem adequada e controle efetivo da pressão negativa que deve ser igual ou maior do que 150 e menor do que 180 milímetros de Hg;

3- A variante de Lima por dispensar qualquer aparelhagem e por se tratar de manobra controlada pela vontade do paciente, o qual poderá interrompê-la de imediato, caso experimente dor, nos põe a salvo das vicissitudes supra-referidas;

4- Por apresentar as vantagens sem os inconvenientes da manobra de Proetz a variante de Lima faz jus à nossa preferência; com efeito, a temos utilizado por mais de 15 anos sem notícia de qualquer complicação inerente ao método;

5 - Grandes lesões da mucosa dos seios paranasais podem coexistir com a ausência de sintomas.

Summary and Conclusions

The AA present a case of iatrogenic acute sinus barotrauma with bilateral hematoma of both maxillary sinuses. They comment the Proetz manueuver and its variant proposed by Lima. Their conclusions are:

1- The Proetz displacement method has to be correctly applied; otherwise it may cause a sinus barotrauma with detachment of the mucosa, hemorrhage and hematoma;

2- It is essential the use of appropriate equipment and effective control of the negative pressure when using Proetz method in order to avoid a sinus barotrauma;

3- The Lima's variant dispense any equipment and it is a maneuver controlled by the patient's will, who is able to interrupt it immediatly in case of pain;

4- The AA have used successfully the Lima's variant for more than 15 years, without noticing any complication due to the method. It makes thern to believe that Lima's variant has the advantages of the Proetz maneuver without the disadvantages;

5 - Big lesions of the paranasal sinuses mucous menbranes can be present even in assymptomatic patients.

Referências Bibliográficas

1. Proetz, A. W.: The displacement method of sinus diagnosis and treatment. Annals Publishing Company (St. Louis), 3a. ed., 1946.
2. Lima, E. E. de: Las sinusitis, em Alonso, J. M.: Tratado de Oto-rino-laringologia e broncoesofagologia. Ed. Paz Montalvo (Madrid), 2a. ed., 1946.
3. Neves Pinto, R. M.: Incisão no bordo inferior da gengiva para o acesso ao seio maxilar. XVI Congr. Pan-Amer. de O.R.L. e B.E., São Paulo, 1974.
4. Neves Pinto, R. M.: Incisão no bordo inferior da gengiva para o acesso ao seio maxilar. Rev. Brasil. Oto-rino-laring., 40: 398, 1974.
5. Neves Pinto, R. M.: Secura da mucosa nasal e bordo dos grandes jatos comerciais. Rev. Med. Aer., 21: 65, 1969.




Endereço:
R. M. Neves Pinto
Serviço Médico VARIG
Aeroporto Santos Dumont

* Maj. Med. Aer. Assistente da Cl. O.R.L. do H.C.Aer. Prof. Livre-Docente de Cl. O.R.L. da F.M.P.A. (U.F.R.G.S.).
** 1° Ten. Med. Aer. Assistente da Cl. O.R.L. do H.c.Aer.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia