IntroduçãoO sintoma zumbido, do mesmo modo que a dor crônica, é causa de grande ansiedade, mal-estar físico, não raro levando o paciente a extrema descompensação psicológica, chegando mesmo à tentativa de suicídio. Segundo Goodhill (1981), vários fatores causadores de zumbidos podem ser resolvidos. São os casos de cerumen, otosclerose, otite média secretora, doença de Menière em fase inicial, drogas ototóxicas reversíveis, tumores glômicos e alguns casos de trauma acústico.
De diagnóstico nem sempre fácil e controle terepêutico decepcionante, têm motivado uma série de tentativas para o seu alívio ou eliminação.
House (1981) adota o uso de "biofeedback", pois foi o que melhor resultado encontrou. Até sobre cirurgias, tais como secção translabiríntica do oitavo nervo, não encontrou resultados satisfatórios.
Vernon e colaboradores (1978) conseguiram alívio dos zumbidos com o uso de mascaradores e aparelhos de audição. Têm também sugerido o uso de rádio fora-de-estação para os acúfenos na freqüência da fala.
Após a conferência do Dr. John Shea no XXVI Congresso Brasileiro, em Recife, sentimo-nos animados a tentar a lidocaína em alguns pacientes, visto que outros métodos utilizados são pouco difundidos entre nós.
HistóricoBarany, em 1935, e Fowler, em 1953 (Apud Jackson 1985), já relatavam que a administração de anestésicos locais diminuía temporariamente os zumbidos. De acordo com Bernhard e Bohm (1954), a lidocaína bloqueia a atividade do sistema nervoso central, inibindo os zumbidos originários de "codificação" incorreta na via de transmissão auditiva dos impulsos nervosos. Englesson (1976) também notou que licocaína marcada tinha maior afinidade com a melanina dos tecidos cutâneos, da úvea e da cóclea, concordando com Ward e Honrubia(19), que constataram o modíolo como sendo a região do ouvido com maior concentração de lidocaina. Esses autores reportaram que a lidocaína tinha efeito mais pronunciado nos potenciais de ação do oitavo nervo do que em outros receptores. Para Black (1969), a lidocaína intravenosa (e suas aminas orais) diminuía a hiperatividade anormal na condução tecidual. O seu uso em arritmias ventriculares (outra forma de hiperatividade neural) seria por este mecanismo.
A base fisiológica para o uso de anestésicos locais em doentes com zumbidos vêm destes fatos, pois analogamente ao mecanismo dos anti-convulsivantes, a lidocaína bloqueia as sinapses inibitórias dos neurônios internuciais no SNC, segundo Shea (1981).
Melding et al (1978), usando lidocaína EV para diagnosticar dor central, nos pacientes que também tinham zumbido, verificaram melhora. Eles usaram lidocaína associada a carbamazepina (1 g por dia), constatando melhor resposta para casos de zumbidos por lesão das células ciliadas do que em disacusias condutivas.
A isso se deve a retomada do uso da lidocaína e seus derivados.
Material e MétodosSelecionamos pacientes que tinham queixas uni ou bilaterais, de várias etiologias (Quadro I), há pelo menos 6 meses, que já tivessem algum tipo de tratamento com ou sem êxito. Em todos os doentes foi realizada a rotina preparatória com exame clínico e cardiológico, eletrocardiogramas, radiografias, exames laboratoriais (glicemia, uremia, hemograma, coagulograma) e avaliação audiológica (audiograma c/ acufenometria e impedanciometria).
Nenhum dos casas apresentou contra-indicações para a aplicação, devido aos efeitos anti-arritmicos e anti-convulsivantes da droga.
Seguimos os mesmos cuidados de John Shea (1981) e Gejrot (1976), dos sinais vitais e monitorização em unidade de tratamento intensivo, permanecendo obrigatoriamente em repouso no hospital, por um mínimo de 01 hora após o final do "dripping" (gotejamento).
Dos 10 pacientes que iniciaram a, série, 01 a interrompeu por motivo de viagem.
Dos 09 casos estudados (Quadro II) eram 05 do sexo masculino e 04 do sexo feminino, sendo dos 04 casos bilaterais apenas 01 (uma) mulher. O início dos sintomas variava de 10 meses a 10 anos. Foram previstas cinco aplicações para cada doente, que aumentamos devido fundamentalmente à melhora dos pacientes. Usamos em média 500 mg por vez, variando de 400 a 600 mg segundo o peso ponderal dos mesmos, e um "bolus" (dose) inicial de 0 a 120 mg de acordo com os efeitos colaterais obtidos. Indagávamos constantemente o que sentiam e suas alterações.
DiscussãoComparando nossos resultados com a literatura, os achados foram semelhantes, já que 02 casos foram refratários, 02 doentes sem melhora significativa, 04 outros com grandes atenuações, e nos 02 restantes houve abolição dos zumbidos (Gráfico 1).
Não encontramos correlação entre os resultados e a etiologia. Pacientes com mesma causa desencadeante tiveram respostas diferentes (Gráfico II).
Por ser nosso grupo pequeno, não pudemos encontrar melhores resultados em ouvidos com lesão no órgão de Corti, como concluíram Melding (1978) e colaboradores em seu trabalho.
À observação clínica, verificamos que os casos de melhor resposta terapêutica foram os de zumbidos não muito intensos e de instalação recente.
Dos efeitos colaterais, notamos principalmente a dormência de lábios e língua, podendo atingir todo o corpo; cefaléia geralmente passageira; e mais tarde sonolência (ação da droga na formação reticular).
Estes efeitos foram de pequena expressão com remissão espontânea durante o uso do medicamento, e nunca tivemos problemas de arritmias, embora os doentes estivessem junto a socorro cardiológico.
ConclusõesAcreditamos ser válida a tentativa da lidocaína endovenosa em todos os pacientes portadores de zumbidos, que resistiram à medicação usual, associando ou não a anti-convulsivantes (como o grupo da Nova Zelândia).
As vantagens do tratamento clínico sobre os mascaradores, próteses e "biofeedback" residem no fato de que nos casos de perdas auditivas severas ou cofose bilateral, estes métodos são inúteis ou de difícil ensianamento.
Finalmente, para aqueles doentes nos quais os zumbidos são intratáveis, levando-os a ser, ansiosos, depressivos ou obssessivos, está indicado acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico.
O difícil e muitas vezes decepcionante tratamento dos zumbidos parece ter no uso da lidocaína endovenosa uma alternativa de atenuá-los na fase mais aguda.
Como observamos haver correlação entre o nível de intensidade do zumbido e o seu tempo de instalação como o alívio obtido, sugerimos que isso deverá ser fruto de estudos e trabalhos mais aprofundados sobre a teoria do "imprint" (gravação) dos zumbidos no córtex cerebral.
AbstractThe authors presents considerations about your experience with lidocaine I.V. in 9 patients with tinnitus, showing results and made a comparison with the bibliography.
AgradecimentosAo Dr. Cláudio Gomes (cardiologista), e à Enfermagem do CTI do Hospital da Lagoa (8° andar), pelas incansáveis colaborações.
Referências bibliográficas1. Bemhard, CG et Bohm, E. On the central effeas of with special references on epileptic phenomena. Acta Physiol Scand, 31 (suppl 114):5-6, 1954.
2. Black, JT. Amylvidosis, deafness, urticaria and limbs pains. Ann Intern Med, 70(5): 989-94, 1969.
3. Englesson, S et al. Accumulation, of 14C - Lidocaine in the Inner Ear. Acta Otolaryngol, 82: 297-300, 1976.
4. Gejrot, T. Intravenous xylocaine in the treatment of attacks of Menière's disease. Acta Otolaryngol, 82: 301-2, 1976.
5. Goodhill, V. Comment (in Panel of Tinnitus Control). Ann Otol, 90: 607-9, 1981,
6. House, JW. Management of the Tinnitus Patient. Ann Otol, 90:597-601, 1981.
7. Jackson, P. A comparison of the offeas of eighth nerve section with lidocaine on tinnitus. J. Laryng. Otol, 99(7): 663-6, 1985.
8. Melding, PS et al. The use of Intravenous lignocaine in the diagnosis and treatment of tinnitus. J. Laryngol Otol, 92: 115-21, 1978.
9. Shea, JJ. Medical treatment of tinnitus. Ann Otol, 90: 601-6,1981.
10. Vernon, J et Schleuning, A. Tinnitus, a new managements. Laryngoscope, 88: 413-9, 1978.
11. Ward, PH et Honrubia, V. The effects of local anesthetics on the cochlea of the guinea pig. Laryngoscope, 79: 1605-6, 1969.
Endereço para correspondência:
Dr. Ricardo Simonetti Pillar
Av. N. S. Copacabana, 5831 406.
Rio de Janeiro - RJ.
* Trabalho realizado no Hospital da lagoa-Rio de Janeiro em 1984 e apresentado no XXVII da Sociedade Brasileira de Otorrinolaringologia.
** Mestrando do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador. Prof. Arthur Octávio Kós.
*** Professor, falecido em 1986, Ex-Assistente de Otorrinolaringologia da UNI-RIO