IntroduçãoA atresia coanal é uma malformação congênita do orifício narinário posterior, podendo ser uni ou bilateral. A incidência é estimada em 1:8000 nascidos(1), com predominância no sexo feminino(2). A apresentação unilateral é a mais freqüente, sendo que a forma bilateral ocorre em 30 a 40% dos casos(3), havendo uma predominância de 5:1 em pacientes da raça branca(2).
A placa atrésica contém osso em 80 a 90% dos casos, sendo apenas composta por tecido conjuntivo e mucosa em aproximadamente 10% dos pacientes(3). A espessura da placa atrésica é em torno de 4 a 6mm(3, 4).
A primeira descrição de uma anomalia congênita da coara foi feita por Roederer em 1755(5). Emmert em 1851(6) foi quem abordou cirurgicamente pela primeira vez a atresia coanal, utilizando um trocarter com cânula através da obstrução. Em 1880 Ronaldson(7) definiu sua importância, realizando autópsias em recém-nascidos mortos por asfixia.
A etiologia da atresia coanal permanece sem uma explicação adequada. Com base em defeitos embriológicos, alguns autores têm proposto teorias(8, 9, 10). Até ó presente 4 teorias básicas foram desenvolvidas para explicar a etiologia da atresia coanal: 1) Persistência da porção superior da membrana buco-faríngea; 2) Persistência da membrana buco-nasal de Hochstetter; 3) Proliferação anormal de tecido mesodérmico formando aderências na região coanal; e 4) - Crescimento de tecido ósseo anormal com obliteração da região coanal, secundário e fatores locais(10).
Além da atresia coanal congênita, a coara pode encontrar-se estenosada de forma adquirida, como traumas locais ou cirurgias(11).
Outras anomalias congênitas podem estar associadas à atresia coanal. As alterações mais comuns são: desvio de septo nasal, malformação do seio maxilar, transtornos da tuba auditiva do mesmo lado e hipertrofia de adenóide em crianças. Hall em 1979(12) em uma série de 17 pacientes com atresia coanal encontrou anomalias múltiplas tais como: retardo mental, baixa estatura, orelhas pequenas, defeitos cardíacos, microcefalia, hipogenitalismo, surdez, micrognatia e paralisia-facial, dentre as mais freqüentes.
A atresia coanal uni ou bilateral não é uma emergência cirúrgica(13), apesar do reflexo inato da respiração nasal, pois é possível manter o recém-nascido com as vias aéreas permeáveis e as digestivas funcionantes, através da utilização da chupeta de McGovernh(13, 14) ou da sonda de Guedel, esta sugerida pelos autores.
Desta forma, pode-se aguardar melhores condições para realizar-se a cirurgia corretiva.
O propósito deste estudo é demonstrar a metodologia diagnóstico, assim como apresentar uma variante técnica (Stamm, A.) de microcirurgia transnasal, para o tratamento da atresia coanal uni ou bilateral.
DiagnósticoO diagnóstico da atresia coanal é suspeitado com base no quadro clínico. Nos casos de atresia coanal bilateral, esta pode ocorrer em dois diferentes grupos de recém-nascidos. No primeiro, estão os pacientes com asfixia cíclica cujos sintomas podem ser bastante intensos, geralmente aliviados por ocasião do choro, quando a criança mantém a boca aberta; porém, esta condição pode levar a uma asfixia súbita com o óbito do paciente. No segundo grupo, por uma razão inexplicável, a dificuldade respiratória é menor, havendo piora durante a alimentação, podendo a criança aspirar alimentos, levando a um quadro obstrutivo agudo com cianose, necessitando auxilio de respiração artificial, caso contrário pode advir o óbito(15, 16).
O período mais crítico dos recémnascidos com atresia coanal bilateral é durante as três primeiras semanas de vida, onde o problema apresentase como emergência respiratória(17).
Nos casos unilaterais em recém-nascidos a dificuldade respiratória é menor, sendo que o diagnóstico no berçário é confirmado pela impossibilidade da passagem da sonda de Nelaton da cavidade nasal para a rino e orofaringe. A obstrução nasal crônica unilateral leva a retenção de secreção do mesmo lado, podendo infectar-se com facilidade.
O exame otorrinolaringológico é realizado com o auxilio do microscópio, como também de um aspirador para limpeza das secreções da cavidade do nariz, tornando possível a visualização da obliteração do orifício narinário posterior. Também utiliza-se o endoscópio nasal através de um acesso transnasal ou rinoscopia posterior.
A avaliação radiológica inicialmente é realizada utilizando radiografia convencional na posição de Hirtz, inserindo contraste radiopaco em ambas fossas nasais; nos casos unilaterais haverá retenção do contraste no lado acometido ou em ambos os lados quando a atresia for bilateral (figs. 1, 2).
A tomografia computadorizada é de grande valia na identificação do tipo de atresia, natureza e dimensões da placa atrésica, associação com outras malformações e no planejamento cirúrgico, como também no acompanhamento pós-operatório (figs. 3, 4, 5).
Material e MétodosForam tratados 15 pacientes, sendo 9 do sexo feminino e 6 do sexo masculino. A idade variou de 1 dia a 38 anos. (Quadro 1) Todos os pacientes foram avaliados clinicamente através da história clínica, exame microscópico (D.E Vasconcelos ou Zeiss) e telescópico (Hopkins-K. Storz).
A propedêutica prosseguiu com Rx contrastado na posição de Hirtz e tomografia computadorizada.
A técnica de correção empregada foi a microcirurgia transnasal com instrumental apropriado. Quando em crianças, usa-se um espéculo nasal autostático infantil, com característica tais que atinge a região atrésica sem causar ferimentos no vestíbulo nasal, propiciando um campo operatório fundamental adequado (fig. 6).
Fig. 01 - Atresia coanal direita demonstrada através do RX simples em posição de Hirtz, com contraste radiopaco retido ao nível da fossa nasal.
Fig. 02 - Atresia coanal bilateral, demonstrada pela retenção de contraste radiopaco em ambas as fossas nasais, visto pela radiologia convencional em posição de Hfrtz.
Fig. 03 - Tomografia computadorizada em projeção axial evidenciando imperfuração coanal unilateral, aonde observamos retenção de secreção assim como placa atrésica do tipo misto.
Fig. 04 Tomografa computadorizada em projeção axial, demonstrando atresia coanal bilateral em uma criança com sete meses de idade.
Fig. 05 - Tomografa computadorizada de alta resolução em projeção axial, visualizando-se imperfuração coanal bilateral, ausência parcial das paredes mediais dos seis maxilares e retenção da secreção nasal em uma paciente com 22 anos de idade.
Fig 06 - Espéculo autostático com trava móvel utilizado em microcirurgia nasal e apropiado para correção de intperfuração coanal em crianças. (Tipo Stamm - Aliança Materiais Cirúrgicos - São Paulo -SP).
A localização da placa atrésica é vista na fig. 7 (A-B). A utilização do microscópio cirúrgico é de vital importância, pois propicia boa iluminação e magnificação.
O acesso é através do assoalho do nariz, elevando-se o corneto inferior (manobra de Benfield), podendo ser feito com um microluxador, delicadamente, afim de evitar sangramento da mucosa. Elevado o corneto, este é mantido com o espéculo autostático tipo Stannn (fig. 8), sendo que uma lâmina permanece no assoalho da cavidade do nariz e a outra sustenta o corneto inferior. Desta forma conseguimos boa visualização da região atrésica. Com o auxílio de um bisturi microcirúrgico realiza-se uma incisão na mucosa e no periósteo do assoalho da fossa nasal, septo nasal até a parede lateral do nariz, deslocando-se este retalho, para que o mesmo permaneça pediculado com sua vascularização na parede lateral do nariz (fig. 9).
A placa óssea é então visualizada, remove-se a mesma com um microosteótomo (fig. 10 A-B).
Fig. 07 - A -Representação esquemática da localização da placa atrésica ao nível do septo nasal.
B -Representação esquemática da localização da placa atrésica junto à parede lateral da cavidade nasal.
Fig. 08 - Exposição da região atrésica, após elevação do corneto inferior (manobra de Benfreld). O espéculo autostático é inserido entre o soalho da cavidade nasal e o corneto inferior.
Fig. 09 - Incisão e realização do retalho rnucoperiosteal, pediculado na parede lateral do nariz.
Fig. 10- A- Remoção da porção óssea da placa atrésica e septo nasal posterior com microostótomo. B- Ampliação da neocoana, utilizando pinça tipo Kerrison modificada pelos autores.
Fig. 11- Abertura da mucosa da rinofaringe, com eliminação da mesma.
Fig. 12- Retalho mucoperiostal deslocado para a rinofaringe, cobrindo a parede lateral da neocoana.
Fig. 13- Molde (sonda de Foley), porção não inflável em posição, fixando ao septo nasal anterior com fio monofilamentado,
Fig. 14- Aspecto do molde em posição na fossa nasal esquerda.
Após incisa-se a mucosa da rinofaringe que é desprezada. Remove-se o septo ósseo posterior afim de criar uma abertura maior que a convencional (fig. 11). Quando ocorrer aumento do tecido adenoideano concomitante, o mesmo poderá ser removido no mesma tempo cirúrgica pela técnica clássica, afim de ampliar o espaço aéreo da rinofaringe.
O retalho muco-periosteal é deslocado para a rinofaringe, cobrindo a parede lateral da neocoana, diminuindo, desta forma, a área cruenta a este nível (fig. 12).
Para a manutenção do retalho em posição e garantir a permeabilidade utilizamos um tubo de material sintético, obtido da porção não inflável de uma sonda de Foley, sugerida pelos autores. A fixação é feita na porção anterior do septo nasal com pontos transfixantes, fio de mononylon 4.0. O molde permanecerá por um período de 3 semanas (figs. 13 e 14).
No Pós-operatório procura-se evitar acúmulo de secreção, afim de prevenir infecção secundária, para tal utiliza-se gotas nasais contendo soluções fisiológicas, corticóides e antibiótico.
A remoção do molde deve ser realizada sob visão microscópica e em crianças recomenda-se anestesia geral, afim de remover possível formação de tecido de granulação na área operada.
O acompanhamento é realizado semanalmente no primeiro mês e a cada 3 meses no primeiro ano. O objetivo é verificar a permeabilidade da neocoana, assim como remover possível formação de tecido de granulação.
ResultadosA análise dos resultados foi baseada na melhora clínica, exame microscópico, endoscópico e tomografia computadorizada. O período de acompanhamento foi de 5 anos.
Dos 15 casos submetidos ao tratamento proposto, obteve-se os resultados contidos no Quadro II. Doze pacientes mantiveram-se com a neocoana pérvia, sendo 9 totalmente e 3 parcialmente aberta.
Nos 3 casos em que ocorreu reestenose, a baixa idade dos pacientes (horas e dias de vida), dificultou a técnica operatória, com campo cirúrgico insatisfatório, o que impossibilitou a realização do retalha mucoperiosteal adequado.
Nas figs. 15 A-B, observa-se o resultado obtido empregando técnicas microcirúrgica transnasal.
DiscussãoVários aspectos devem ser analisados no diagnóstico, tratamento e seguimento dos pacientes com atresia coanal uni ou bilateral.
Em concordância com a maioria dos autores(4, 17, 18), achamos que o diagnóstico da atresia coanal bilateral é clínico, logo ao nascimento, quando o recém-nato já apresenta asfixia e cianose.
Nos casos de atresia coanal unilateral, que não apresentam obstrução nasal significativa, o diagnóstico pode não ser feito mesmo após vários anos(4).
Fig. 15 - A - Atresla coanal unilateral, identificada na tomografia computadorizada na projeção axial. Paciente com 18 anos de idade. B -Aspecto tomográfico após correção através da microcirurgia transnasal.
Outros métodos, além da história clínica, são utilizados no diagnóstico da atresia coanal. A utilização do microscópio cirúrgico faz parte da metodologia diagnóstica.
Benjamin(18) recomenda o uso do telescópio (Storz-Hopkins) de 0° com diâmetro de 2.8mm ou 4.0mm. A técnica utilizada por esse autor propicia uma visão direta da região atrésica.
Lantz & Brick(17) recomendarei a sonda ureteral de Van Buren como instrumento diagnóstico e terapêutico. Dentre os exames subsidiários utilizados radiologicamente, a incidência de Hirtz com contraste radiopaco em ambas as fossas nasais é um método aconselhado por vários autores(13, 17, 18).
Outro método radiológico empregado no diagnóstico e acompanhamento é a tomografia computadorizada, que fornece informação a respeito do lado e do tipo da atresia, assim como suas dimensões(16).
Estabelecido o diagnóstico, salientamos que a atresia coanal não uma emergência cirúrgica(13, 15). No recém-nascidos com atresia coana bilateral a manutenção da via aérea permeável pode ser feita com o uso de chupeta de McGovern(4, 13, 17) o pela cânula de Guedel(18), esta utilizada em nosso serviço. Em casos ex. cepcionais, tubo orotraqueal(18), e as sim aguardar melhores condições pa ra a cirurgia.
A demonstração de alterações anatômicas é importante no planeja mento cirúrgico, afim de determina qual o método a ser empregado. Na situações em que o orifício nas posterior é muito estreito, faz-se necessário remover o septo nasal posterior(19) e mesmo a parede óssea lateral, com o objetivo de obter-se um abertura satisfatória, diminuindo chance de reestenose parcial ou at completa.
O acesso transnasal é recomendado por muitos autores, incluindo Whinther(15), Maniglia & Goodwin(13).
O acesso transpalatino empregado por Owens(9) é utilizado basicamente em adultos com placa atrésica espessa. Em crianças não é recomendada este acesso, principalmente por alterar o crescimento do pálato.
A via trans-septal utilizada Carpenter-Neel (1977)(3) mostrou-se eficaz em adolescentes e adultos, aspecto técnico mais além da retira da placa atrésica é a remoção porção posterior do vômer.
Na técnica microcirúrgica transnasal é importante também a remoção da porção posterior do septo nasal.
Algumas considerações devem s feitas em relação ao tipo de moldei ser utilizado e sua permanência. Preconizamos na manutenção do retal confeccionado (ver tratamento) o u da porção não inflável da sonda Foley. Outros autores aconselham utilização de tubo de polivinil(17) polietileno(15) ou silastic(4).
O tempo necessário de permanência do molde é de 3 semanas, porém alguns autores sugerem a permanência por 3 meses(15, 17).
A sua remoção deve ser realizada sob visão microscópica para retirada do tecido de granulação. De acordo com Freng(20) o tecido cicatricial reduz pela metade a abertura coanal em 84% dos casos operados.
Realizamos o controle pós-operatório semanalmente no 1° mês e a cada 3 meses no primeiro ano, para verificar a permeabilidade da neocoana.
ConclusõesApós a revisão de 15 pacientes portadores de atresia coanal e analisados os aspectos clínicos e terapêuticos, podemos concluir que:
1. A tomografia computadorizada de alta resolução, nas projeções axial e coronal, é o método dignóstico de eleição na avaliação e follow-up.
2. Microcirurgia transnasal (MTN) é a técnica recomendada no tratamento da atresia coanal em crianças.
3. Realização de retalho mucoperiosteal pediculado na parede lateral da cavidade do nariz, diminui a incidência de reestenose.
4. A sonda de Foley (sua porção não inflável) é eficaz como molde. 5. O tempo de permanência do molde é de 3 semanas.
6. Microcirurgia transnasal é segura e com alto índice de bons reultados.
SummaryWe analysed fifteen patienis (09 females and 06 males) with either unilateral or bilateral choanal atresia, whose ages ranged from one day to thirty eight years old, treated between 1980 an 1987. The diagniostic methodology used was: clinical history, ENT, (microscopy and nasal endoscopy), radiological evaluafon (conventional contrasted X-ray and computerized tomography).
The computerized tomography was important to venfy the kind and atretic plate thickness as well as the identification of other possible malformation of the face, besides the follow-up of the operated patients.
The treatment used was the removal of the atretic plate through the transnasal microsurgical approach creating a muco periosteal flap in the lateral wall of the nose close to the atretic area.
In order to keep the f lap in the correct position, we used Foley tube as a stent, it's non inflatable part which 'is section at the wanted size. The stent remained there for three weeks.
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Endereço para correspondência:
Dr. Aldo Stanun
Rua Afonso Brás, 525 - cj. 13 São Paulo - SP - 04511
* Chefe do Centro de Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia de S. Paulo - Hospital Gastroclínica.
** Médico Otorrinolaringologista do Centro de ORL e Fonoaudiologia de São Paulo.
*** Estagiária do 2° ano do Centro de ORL e Fonoaudiologia de São Paulo - Hospital Gastroclínica.
Trabalho realizado no Centro de ORL e Fonoaudiologia de São Paulo -Hospital Gastroclínica. Apresentado no XXVIII Congresso Brasileiro de ORL, São Paulo - S.P. 6 a 10 de Outubro de 1986.