ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1619 - Vol. 54 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1988
Seção: Artigos Originais Páginas: 17 a 20
O USO DO ACRÍLICO NA RECONSTRUÇÃO DA CAVIDADE INASTÔIDEA
Autor(es):
Ademar Aureliano Duarte*

Resumo: O autor faz uma revisão das principais técnicas para reconstrução da parede póstero-superior do conduto aditivo externo e relata sua experiência com o uso do acrílico autopolirnerizável. Faz uma análise pós-operatória e chega à conclusão que o acraico pode ser usado em presença de infecção, é facilmente modelado, está disponível constantemente, não desencadeia reações orgânicas e é facilmente removido quando necessário.

Introdução

A parede póstero-superior do conduto auditivo externo é alvo frequente da evolução de um colesteatoma, sendo destruída parcial ou totalmente, em muitos casos. A cavidade timpanomastóidea assim resultante, ou em consequência de uma técnica cirúrgica, é fato desagradável para o otologista, pois altera o padrão de vida do paciente, que volta ao consultório periodicamente para curativo, não pode nadar ou mergulhar e apresenta surdez como sequela. Assim, apareceram várias técnicas para tratamento desta cavidade.

Revisão da literatura

A destruição da porção mais interna da parede póstero-superior do conduto auditivo externo, em consequência da evolução de um colesatoma(4) ou por necessidade técnica durante uma mastoidectomia(5), tem sido um fato desagradável para o otologista. O crescimento de um colesteatoma realiza-se às expensas de uma reabsorção excêntrica de tecido ósseo(¹). Esta erosão assim causada pode chegar a destruir. a parede externa da loja atical e a parede póstero-superior do conduto, criando uma simples fístula ou uma grande cavidade, que neste caso é tida como radical espontânea ou natural(¹). Nos últimos anos, tem-se demonstrado que a exposição do antro e a ressecção do colesteatoma podem ser feitas sem a necessidade de eliminação da parede póstero-superior do conduto auditivo externo(4, 6). com isto, mantém-se a anatomia timpânica normal, facilitando a reconstrução do sistema de condução do som(2. 4, 8).

A destruição parcial da parede póstero-superior ou da parede externa do ático facilita primeiramente a retração dos quadrantes superiores do neotfmpano(2, 4, 7, 8) e, em consequência, a grande tendência à recidiva do colesteatomaM. A mastoidectomia radical produz não só a perda da audição, mas também está associada a uma otorréia persistente ou a um acúmulo recidivante de epitélio descamativo(3, 5, 7), o que implica em curativos periódicos(4, 5, 7). Assim, várias técnicas têm sido propostas para a reconstrução da parede póstero-superior do conduto auditivo externo ou para o tratamento da cavidade mastóidea. O pré-requisito exigido para todas as técnicas é a retirada completa de todo o. colesteatoma(3), sendo que corremos o maior risco no recesso suprapiramidal do facial, onde está inserido o ligamento posterior da bigorna(2, 5, 6).

A mastoidectomia radical clássica elimina os restos do ouvido médio e, então, vários procedimentos foram descritos para preservar a audição, estando raramente indicada atualmente(2, 5, 6). As quatro técnicas fundamentais são:

1ª - obliteração com músculo;
2ª - obliteração com pasta de osso;
3ª - reconstrução com osso hómólogo ou autógeno e
4ª - redução da cavidade com talho pediculado conjuntivo-perióstico.

A obliteração com músculo(2, 5, 6) mais indicada quando a infecção n pode ser totalmente controlada pré-operatório(2, 3). O epitímpano e, cavidade mastóidea são preenchidos com enxerto livre de músculo temporal(3) Como variação desta técnica podemos usar enxerto pediculado músculo temporal ou enxertos adiposos livres(2). A membrana do tímpano é reconstruída por um enxerto grande de fascia temporal, que recobre o músculo colocado na cavidade(3). Deve-se evitar o enchimento excessivo da cavidade, pois se tem observado, em alguns casos, uma este do conduto auditivo externo(2).

A cavidade radical pode ser permanentemente obliterada com de osso autógeno(3) ou com lascas de osso(7), que dentro de poucas semanas toma a parede do canal auditivo externo sólida. Esta técnica não pode ser usada na presença de infecção e somente quando a destruição da parede do conduto é parcial(3).

Quando há ausência de infecção e se deseja obter a melhora da audição, o uso de enxerto ósseo homólogo com ou sem enxerto de membrana timpânica e ossículos é a técnica mais indicada(3). É, no entanto, obrigatório recobrir-se todo o enxerto ósseo com fascia.

Material e métodos

Temos usado o acrílico autopolimerizável nos pacientes com destruição parcial (Fig. 3) ou total (Fig. 5) da parede póstero-superior do conduto auditivo externo e da parede externa da loja atical.

O acrílico autopolimerizável é um produto usado comumente em Odontologia, sendo preparado no momento do uso por uma mistura de pó e líquido, em proporções determinadas, de maneira a formar uma pequena placa de aproximadamente 1 milímetro de espessura, na face externa do fundo de uma cuba. Uma vez preparada uma quantidade suficiente de acrílico, esperamos 2 a 3 minutos para que o mesmo aumente a sua consistência e em seguida dispomos de aproximadamente 2 minutos para adaptar esta placa no lugar definitivo. Este tempo é limitado em decorrência da solidificação apresentada pela mistura obtida.

O acrílico pode ser usado desde que haja destruição óssea, podendo inclusive ser indicado nos casos de mastoidectomia radical, para reconstrução total da parede póstero-superior do conduto. Após a ressecção do colesteatoma, moldam-se, com broca, duas goteiras nos extremos da destruição óssea, uma na parte superior, junto ao ático, até a cortical e outra situada mais inferiormente, junto ao recesso suprapiramidal, já anteriormente ao nervo facial, dirigindo-se para a cortical da mastóide. Estas goteiras permitem a perfeita fixação da placa de acrílico (Fig. 6), condição essencial para um bom resultado. O acrílico deverá ser colocado de maneira a deixar uma pequena comunicação (a menor possível), entre o ouvido médio e a mastóide, visando dificultar a recidiva do colesteatoma por retração da membrana de Schrapnell.

Quando a destruição é ampla, ou total, podemos fazer um molde para recortar a fina placa de acrílico antes do endurecimento, ainda quando a mesma apresenta grande facilidade de manuseio dentro da cavidade. Este molde poderá ser feito com uma pequena tira de filme radiológico previamente esterilizado em atmosfera de formol.



Fig. 1: Esquema do ouvido médio e mastóide normais.



Fig. 2: Esquema após mastoidectomia, com parede póstero-superior do conduto auditivo externo íntegra.



Fig. 3: Destruição parcial da parede póstero-superior do CAE.



Fig. 4: Reconstrução parcial da parede póstero-superior do CAE com acrílico, sobre o qual é colocado o enxerto de fáscia temporal.



Fig. 5: Destruição total da parede póstero-superior do CAE.



Fig. 6: Reconstrução total da parede póstero-superior do CAE, com acrílico, sobre o qual é colocado o enxerto de fáscia.



Ultimamente, temos usado o acrílico não em "placa", mas sim como uma "bolinha", que é facilmente moldável com o uso de dois descoladores, um trabalhando pelo conduto auditivo externo e outro pela cavidae mastóidea.

A seguir, o enxerto de fascia temoral (ou similar) deverá ser colocado da maneira habitual da timpanoastia, devendo recobrir totalmente parede do acrílico, sob as bordas pele.

Foram operados 60 pacientes que apresentavam alguma destruição da parede póstero-superior do conduto auditivo externo, conforme mostra o adro 1. A grande maioria deles apresentava secreção purulenta no duto auditivo externo. O colesteaoma era primitivo em 43 pacientes (71,6%). A cadeia ossicular estava íntegra em 16 pacientes (26,7%), ausente em 12 (20,0%) e com solução de continuidade em 32 (53,3%). A solução de continuidade (osteíte de uma extremidade ou ausência de ossículo) era mais comum na biconforme mostra o Quadro 2. O nervo facial apresentava exposição natural em 5 pacientes (8,3%), o canal semicircular membranoso em 1 (1,7%) e o seio lateral em 2 (3,4%). O colesteatoma era atical em 14 pacientes (23,3%) e ático-mastóideo em 46 (76,7%).





Todos os pacientes foram submetidos à cirurgia visando: 1° - timpanoplastia com uso de enxerto de fáscia temporal em 41 pacientes (68,3%) e periósteo em 19 (31,7%), com ou sem reconstrução da cadeia ossicular (interposição ou columelização, dependendo do caso). O enxerto foi colocado sob as bordas da perfuração e recobria todo o acrílico;





2º - mastoidectomia, retirando todo o colesteatoma e conservando o máximo possível da parede póstero-superior, sendo feita a reconstrução parcial ou total com o acrílico.

Resultados

Os resultados foram avaliados em média 25 meses após a cirurgia (o mínimo foi de 1 mês e o máximo de 78 meses), através de otoscopia com microscópio ou nova cirurgia, conforme mostram os Quadros 3 e 4. Os pacientes que apresentavam colesteatoma recidivado ou residual foram reoperados.








O acrílico foi facilmente retirado com auxílio de broca comum de cirurgia de mastóide. O colesteatoma foi removido e a técnica com o uso do acrílico foi novamente usada, sendo que os pacientes permanecem em controle ambulatorial.

Discussão e Conclusões

O acrílico autopolimerizável é um material que reúne excelentes condições para a reconstrução total ou parcial da parede póstero-superior do conduto auditivo externo. Apresenta as seguintes vantagens.

1ª - Pode ser usada mesmo em presença de infecção que não possa ser completamente controlada no pré-operatório.
2ª - Apresenta grande facilidade em ser modelado.
3ª - Não há risco de contaminação do material, como do Banco de ossos.
4ª - Apresenta disponibilidade constante, independente de estoque.
5ª - Às reações orgânicas ao material são praticamente inexistentes, desde que não sejam deixadas saliências pontiagudas, que diminuem a vascularização por compressão do enxerto ou da pele, causando perfuração.
6ª - Na eventualidade de uma nova cirurgia por colesteatoma residual ou mesmo recidivado, ou ainda para revisão da audição, a lâmina de acrílico pode ser facilmente broqueada, removida e reconstruída, se for necessário algum destes procedimentos.

Até o momento, não foram observadas desvantagens ou contra-indicações para o uso do acrílico. Cabe salientar que a placa de acrílico deverá ficar completamente fixa, regular e sem dobras ou terminações pontiagudas.

Summary

The Author make a review of the principals technics for reconstruction of the upper posterior wa11 of the extern auditive conduct, and He relate his experiente with the use of the self-polimerizable acrilic. He make a analysis after operations e conclued that the acrilic can be used in the presente of infection, is easily modelated, is disponible always; He dind't make organics reactions and is easily removed when necessary.

Agradecimento

Não se pode deixar de citar aqui o nome do Dr. Claudio C. De Vincenzi, Professor da Disciplina de Otorrinolaringologia da UFSC e Médico Otorrinolaringologista do Hospital Governador Celso Ramos - Florianópolis - SC, que nos transmitiu a idéia do uso do acrílico autopolimerizável na reconstrução da cavidade mastóidea.

Referências Bibliográficas

1. Alonso, J.M. & Tato, J.M. -Tratado de Otorino-laringologia y Bronco-esofagología - Tomo I - Tercera Edición - Editorial Paz Montalvo - Espana -1976.
2. Ballanger, J.J. - Enfermidades de Ia nariz, garganta y oído - 1ª Edición Espadola - Editorial Ams - Barcelona -1972.
3. Ballantayne, J. - Técnicas Fundamentais Internacionais - Ouvido 3ª Edição Editora Manole -1978.
4. Buli, T.R. - Atlas de Doenças de Ouvido, Nariz e Garganta- Livraria Atheneu S.A.
5. Hungria, H. - Manual de Otorrinolarinhologia - 3° Edição - Guanabara Koogan - 1973.
6. Lopes Filho, O. - Colesteatoma - Erradicação da Patologia - A Folha Médica, 91:111-113, Agosto-1985.
7. Lopes Filho, O.C. - Temas de Otorrinolaringologia - Volume II - Editora Manole - 1978.
8. Wullstein, H.L. - Fundamentos y métodos de Ia Cofocirurgía - Versión Española - Ediciones Toray, S.A. - Barcelona -1971.




Endereço do Autor Ademar Aureliano Duarte
Rua Azambuja, 1089
88.350 - BRUSQUE - SC

* Médico Otorrinolaringologista do Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia