INTRODUÇÃOO campo da cirurgia orbital progrediu significativamente na última década. Houve maior compreensão da complexidade da anatomia da região orbitária e o relacionamento entre as estruturas anatômicas e suas funções.
A elucidação diagnóstica sofreu dramática evolução com a tomografia computadorizada aliada a reconstrução tridimensional que tornou possível o aprimoramento das técnicas cirúrgicas, dos resultados estéticos e funcionais20. O tratamento cirúrgico de fraturas do assoalho da órbita será indicado quando houver herniação do conteúdo orbitário não redutível clinicamente ou se houver aprisionamento da musculatura extrínseca do olho12.
A principal restauração do volume e da forma orbitária deve ser conseguida para a prevenção da enoftalmia e diminuição da motilidade ocular, distúrbios visuais e deformidades estéticas11, 7, 8.
O objetivo do tratamento cirúrgico dessas fraturas é a restauração da forma, volume orbital e fixação dos fragmentos ósseos. Nas reconstruções anatômicas dos fragmentos fraturados podem ser utilizados enxertos biológicos, ligas metálicas ou placas de materiais aloplásticos13, 3. Experiências com uso de cartilagem homóloga irradiada na reconstrução da órbita obtiveram bons resultados. Os materiais heterólogos e os aloplásticos, apesar do largo emprego, são passíveis de infecção e extrusão, o que dá aos enxertos biológicos o emprego preferencial9, 15, 4, 14,6.
Apresentamos um caso de fratura no assoalho e parede medial da órbita direita, sem lesão da rima orbitária, caracterizando fratura bloca-out com herniação da gordura extra-conal para dentro do seio maxilar ipsilateral com aprisionamento do músculo reto lateral. O paciente desenvolveu diplopia sem resolução espontânea nos trinta dias de observação. Foi realizada a reconstrução desse assoalho orbitário com enxerto livre de cartilagem septal autóloga através da cirurgia osteoplástica maxilar.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOO paciente, J. N. S., do sexo masculino, com 26 anos de idade, atendido na CLINORL, apresentou quadro clínico de diplopia após traumatismo facial, com hipótese diagnóstica de fratura orbitária direita. Procedeu-se ao estudo computadorizado de seios paranasais, onde se confirmou fratura do assoalho e parede medial da órbita, sem lesão da rima orbitária, caracterizando-se fratura bloca-out. Houve herniação da gordura extraconal para o interior do antro maxilar direito e aprisionamento do músculo reto lateral entre os fragmentos ósseos do assoalho (Foto A).
Após observação clínica durante trinta dias, sem melhora do quadro clínico, foi indicada a redução dessa fratura e do conteúdo orbitário através de cirurgia.
Foto A. Tomografia computadorizada em corte coronal mostrando descontinuidade óssea do assoalho orbitário, com herniação de partes moles para o interior do seio maxilar direito.
O paciente foi submetido à exposição cio repto nasal com a remoção do enxerto livre da cartilagem septal com pericôndrio, através da técnica de Killian (Figura 1). A incisão para a abordagem da fossa canina foi a interdentária vertical, com descolamento das papilas, estendendo-se do canino até o segundo molar, o que garantiu boa exposição de toda a parede antero-lateral do seio maxilar (Figura 2). Realizou-se a exposição do assoalho orbitário comprometido através da técnica transmaxilar, com preservação antero-lateral do antro por abertura cuidadosa dessa parede, até próximo à abertura pterigomaxilar da fossa pterigopalatina (Figuras 3 e 4).
O retalho ósseo retirado foi preservado para recolocação futura no fechamento da cirurgia, o que se constitui, portanto, em técnica osteoplástica. Exposta a região da fratura, foram retirados fragmentos ósseos, cominutivos, inviáveis para possíveis osteossínteses. A cartilagem septal foi fixada por dentro da órbita, com bordos sustentados lateralmente na porção fraturada do assoalho, após redução digital cio conteúdo orbitário herniado no seio maxilar (Figura 5). O enxerto foi ajustado e utilizou-se cera de osso para dar maior estabilidade na região da fratura, sendo sustentado por uma trabécula óssea autóloga com base no assoalho do seio maxilar. Por fim, fez-se a recolocação da peça osteoplástica ocluindo a abertura cirúrgica do seio maxilar direito (Figura 6).
Figura 1. Remoção do enxerto livre de cartilagem septal, através da técnica de Killian.
Figura 2. Abordagem da fossa canina com incisão interdentária vertical, com descolamento das papilas.
Figura 3. Retirada da parede antero-lateral do seio maxilar com auxílio de escopo e martelo.
Figura 4. Exposição do assoalho orbitário fraturado, através da abertura realizada no seio maxilar.
REVISÃO E DISCUSSÃOUm estudo realizado pelo Department of Surgery, da University of Texas Medical School, Houston (1992), foi elaborado para traçar melhor a epidemiologia e o tratamento das fraturas orbitárias. Este estudo, que englobou 259 casos, mostrou que os acidentes automobilísticos foram responsáveis por 80,6% dos casos de fratura orbitária. Essas fraturas diminuíram consideravelmente a partir de normas de redução dos limites de velocidade e o uso de cinto de segurança nas campanhas de prevenção de acidentes de trânsito2.
Os enxertos utilizados na reconstrução orbitária podem ser de natureza biológica, ligas metálicas e aloplásticos. Apesar do largo emprego dos enxertos aloplásticos, metálicos e heterólogos, preferimos o uso de enxerto biológico autólogo, que apresenta baixa tendência à rejeição. Baseados na obtenção de enxerto de mucosa nasal e cartilagem septal, na reconstrução da neocorda vocal, nas ressecções de tumores da laringe, pensamos na aplicação desse mesmo enxerto livre para essa cirurgia¹. Aplicamos, portanto, apenas a cartilagem septal com pericôndrio na correção das fraturas do assoalho orbitário.
Figura 5. Enxerto posicionado por dentro da órbita, com seus bordos sustentados lateralmente na posição fraturada do assoalho.
Figura 6. Recolocação da parede antero-lateral do seio maxilar, o que constitui a técnica osteoplástica.
Foto B. Controle tomográfico em corte coronal, após dois anos, mostrando a reconstrução do assoalho da órbita direita com enxerto na posição.
Foto C. Controle tomográfico em corte axial, após dois anos, mostrando enxerto na posição sustentado por uma trabécula óssea autóloga favorecendo o resultado estético e funcional.
O enxerto se mostrou de fácil obtenção, dada a proximidade na área cirúrgica e sua excelente moldagem.
O acesso à fratura do assoalho orbitário, através da fossa canina, pela técnica transmaxilar osteoplástica, é -uma opção interessante, pois se mostrou rápido e amplo, o que facilitou sobremaneira o procedimento. A abordagem, inicialmente preconizada por Caldwell & Luc para o seio maxilar, técnica empregada amplamente até hoje, é a que se utilizou com alguns cuidados na parede óssea anterior do seio, preservando-a, o que se traduz em técnica osteoplástica (Figura 6). Segundo Freitas & Lucente (1989), são complicações imediatas dessa abordagem: o edema, o desconforto facial, hemorragia e febre. Deiscência de sutura e fístula oroantral são complicações tardias, porém freqüentes. Além disso, podem ocorrer necrose da polpa dentária e insensibilidade local provocada pela lesão de fibras nervosas, principalmente dos dentes caninos prémolares heterólogos, preferimos o uso de enxerto biológico autólogo, que apresenta baixa tendência à rejeição. Baseados na obtenção de enxerto de mucosa nasal e cartilagem septal, na reconstrução da neocorda vocal, nas ressecções de tumores da laringe, pensamos na aplicação desse mesmo enxerto livre para essa cirurgia'. Aplicamos, portanto, apenas a cartilagem septal com pericôndrio na correção das fraturas do assoalho orbitãrio5.
Acreditamos que a técnica osteoplástica transmaxilar traz vantagem sobre a cirurgia tradicional pois, preservando a parede antero-lateral do seio maxilar, evita a herniação de partes moles para o interior da cavidade. A incisão vertical da mucosa da fossa canina com descolamento gengival (Figura 2); resguarda a integridade dos nervos alveolares permitindo melhor recuperação da sensibilidade local no pós-operatório imediato. A boa exposição do assoalho orbitário facilitou sobremaneira a redução da fratura.
O tratamento cirúrgico para os casos selecionados que se comportam como o deste estudo nos permite concluir que é rápida a obtenção do enxerto, pela sua proximidade à área cirúrgica; a sua manipulação e moldagem são simples e se adequam às necessidades do cirurgião. Existe baixo risco de infecção e extrusão, pela utilização de enxerto autólogo. Os bons resultados estéticos e funcionais são garantidos pela técnica de abordagem osteoplástica transmaxilar (Fotos B e C).
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* Professor Doutor Coordenador do Curso de Aperfeiçoamento em Otorrinolaringologia da CLINORL.
** Ex-Estagiário em Otorrinolaringologia do Curso de Aperfeiçoamento em Otorrinolaringologia da CLINORL.
Trabalho realizado pelo Centro de Estudos do Curso de Aperfeiçoamento em Otorrinolaringologia da CLINORL. Trabalho apresentado no I Congresso Brasileiro de Rinologia e Estética da Face, I Congresso Centro-Brasileiro de Otorrinolaringologia e 1 Congresso Centro-Brasileiro de Fonoaudiologia, realiados no período de 31 de julho a 2 de agosto de 1997, no Centro de Cultura e Convenções de Goiânia - Goiânia /GO.
Endereço para correspondência: Antonio Cesar de Carvalho Ramos - Rua São Francisco, 111 - Jd. Bela Vista - 13870-000 São João da Boa Vista /SP. Telefone - Fax: (0xx19) 623-4988.
Artigo recebido em 7 de abril de 1999. Artigo aceito em 10 de junho de 1999.