INTRODUÇÃOO ronco e a síndrome da apnéia obstrutiva do sono leve (SAOS) são problemas tratáveis cirurgicamente com procedimentos como laser assisted uvulopalatoplasty (LAUP), ou a aplicação de radiofreqüência (RF) no palato mole.
A LAUP com laser CO2 é uma técnica já consagrada realizada sob anestesia local; o laser produz vaporização dos tecidos pela sua ação térmica, atingindo uma temperatura no nível da mucosa e tecido faríngeo de até 900° C5, causando vaporização da água das células, precipitação de proteínas e hemostasia de vasos em uma espessura de até 0,5 mm, conseguindo um mínimo ou nulo sangramento pós-operatório5, 9. É claro então que o laser ocasiona uma queimadura do tecido, sendo que a dor é um fato esperado. A dor é classificada como somática, tendo como causa primaria a destruição tecidual.
A RF é uma tecnologia que usa energia de corrente alternada de baixa voltagem gerada a uma freqüência de 460 KHz, que produz agitação molecular e aquecimento do tecido intersticial a uma temperatura no nível do eletrodo de 7 0 - 95°C10, controlada automaticamente pelo aparelho, levando à coagulação das proteínas. Essa energia liberada no tecido produz uma lesão mínima, que posteriormente evolui para uma retração cicatricial, e o resultado final é uma diminuição volumétrica nesse nível.
A vantagem desta tecnologia é a produção de uma lesão tecidual com preservação da camada mucosa obtendo então um melhor pós-operatório por um menor grau de trauma tecidual; e, portanto, mínimo grau de dor5. Constitui esta a diferença mais importante no que se refere à cicatrização e a dor pós-operatória comparada com a LAUP.
O Objetivo deste trabalho foi estudar e comparar, com os dois procedimentos, a dor pós-operatória, analisando intensidade, evolução e duração da dor nos pacientes submetidos a cirurgia para ronco e SAOS leve com LAUP e RF.
MATERIAL E MÉTODOForam estudados prospectivamente 44 pacientes operados no ambulatório de ORL do Hospital das Clínicas da FMRP da USP, por ronco e SAOS leve, 27 de LAUP e 17 com RF, com idades compreendidas entre 18 e 65 anos, de ambos os sexos, no período de fevereiro de 1998 a fevereiro de 1999.
Foram eliminados do estudo três pacientes operados com RF, por apresentarem complicação pós-operatória, ficando um universo de 41 pacientes (27 de LAUP e 14 de RF).
Aplicamos um questionário elaborado no Departamento, considerando os seguintes parâmetros:
- Dor trans-operatória (presente ou ausente).
- Dor pós-operatória (presente ou ausente).
- Inicio da dor pós-procedimento (horas).
- Tempo para atingir o pico máximo da dor (horas).
- Duração total da dor (dias).
Para definir melhor a intensidade da dor, estabelecemos uma escala subjetiva de intensidade, classificando em quatro graus:
- 0= ausente.
- I= leve.
- II= moderada.
- III= severa.
Os procedimentos foram feitos sob anestesia local, com lidocaína tópica, e por infiltração em três pontos no palato (um na base da úvula e dois laterais). Imediatamente após a cirurgia, foi administrado diclofenaco sódico 75 mg por via intramuscular, e foi prescrita igual terapia analgésica consistindo de um comprimido de 50 mg de diclofenaco sódico via oral, de 8 em 8 horas, por uma semana, um anestésico tópico em spray antes das refeições e gargarejos freqüentes com soro fisiológico. Foi orientada uma dieta branda, evitando temperaturas extremas, alimentos irritantes e sabores fortes.
Para efeitos da análise da dor em forma homogênea, a terapia analgésica sempre foi a mesma durante todo o estudo, mesmo naqueles casos que apresentaram dor residual importante.
Os pacientes foram avaliados na primeira e segunda semanas pós-operatória e foram analisadas e comparadas as características da dor nos pacientes submetidos aos dois procedimentos.
RESULTADOSForam operados 44 pacientes com uma idade média de 45 anos, sendo 29 (70,7%) do sexo masculino e 12 (29,3%) do sexo feminino. Do grupo RF, eliminamos do estudo três casos por apresentarem complicação PO, ficando 41 pacientes para a analise.
Das 41 cirurgias, 27 foram LAUP (66%) e 14 foram RF (36%) (Figura 1).
Analisando a dor trans e pós-operatória, encontramos os seguintes resultados:
Dor trans-operatória reportaram: sete pacientes (26%) no grupo LAUP e quatro pacientes (29%) no grupo RF (Figura 2). A dor PO é esperado acontecer após terminar o efeito do anestésico, e se apresentou em 25 pacientes (93%) do grupo LAUP e em três paciente (21%) do grupo RF (Figura 3).
Nos casos que tiveram dor PO no grupo LAUP, ela iniciou em média após 14 horas PO e no grupo RF após 11 horas. Quando a dor foi progressiva, o pico de máxima dor foi: no grupo LAUP, após 39 horas PO; e no grupo RF, após 27 horas. PO (Figura 4).
A intensidade da dor PO no grupo LAUP foi: de grau 111 (alta), em 11 pacientes (41%); com grau II (moderada) em 11 pacientes (41%); com grau I (leve) em três pacientes (11%); e com grau 0 (nulo) em dois pacientes (7%).
Figura 1. Pacientes operados.
Figura 2. Dor trans-operatório.
Figura 3. Dor pós-operatória.
Figura 4. Pico da dor pós-operatória.
No grupo RF, um paciente (7%) teve dor PO grau 11 (moderada); dois pacientes (14%) com grau 1 (leve) e 11 pacientes (79°/0) com grau 0 (nulo) (Figura 5).
A duração média da dor no grupo LAUP foi de seis dias e de cinco dias no grupo RF (Figura 6).
DISCUSSÃOA dor pós-LAUP é um problema com o qual todo cirurgião tem que lidar, constituindo-se em um fator limitante para o médico que realiza cirurgia com laser CO2. A dor ocasiona um grande desconforto nos pacientes, limitando por vezes a realização de suas atividades normais e, inclusive, segundo Dickson, causando ausência no trabalho4. Este fato pode levar também a uma falta de aderência do paciente ao tratamento, para aqueles que precisam ser submetidos a dois ou mais fases de LAUP, resultando em uma limitação no tratamento do ronco.
No estudo, ao analisar a dor pós LAUP, tem sido obtidos resultados similares aos encontrados na literatura9, 4, 7, 1, 8, 6, 11, 2.
A dor e o desconforto pós-LAUP estão presentes nos pacientes em graus variáveis. Muitos autores referem que a dor pós-operatória é um dos fatores mais importantes a serem considerados nesta técnica5, 9, 4, tem duração variável de paciente para paciente e em média é de 8-12 dias5, 9, 10, 7.
Astor e Kamamit1,8 analisaram a morbidade da dor pós-LAUP, observaram que a dor diminui em intensidade após o primeiro procedimento e que, conforme o paciente é submetido a outros, a dor PO é menor. Astor, em sua série, encontrou que os pacientes apresentavam dor significante em 77% dos casos. Na experiência dos autores, assim como na de Coleman3, os pacientes foram submetidos apenas a um procedimento; na casuística utilizada apenas um paciente precisou de uma segunda intervenção, devido às dificuldades técnicas na primeira, que não permitiram terminá-la; portanto, nada há a ser comentado relativamente à dor nas fases subseqüentes de LAUP.
Figura 5. Grau de dor pós-operatória.
Figura 6. Duração da dor pós operatória.
Dickson e colaboradores6 observaram que a dor pós-LAUP teve uma intensidade de moderada a severa, com uma duração media de sete a 10 dias (79%). Krespi9 relata que o pico máximo de dor ocorreu do terceiro ao quinto dia, com alívio total dos sintomas em duas semanas e que a dor era controlada usualmente com medicação como gels anestésicos locais, e analgésicos-antiinflamatórios por via sistêmica. Nos casos em estudo o pico de máxima dor aconteceu do primeiro ao segundo dia e a dor durou em média seis dias.
Sabemos que durante a LAUP se produz uma queimadura extensa na mucosa do palato mole. No intra operatório a dor é bloqueada pelo uso de anestésico local em forma tópica e por infiltração submucosa, e controlada no pós-operatório pelo uso de analgésicos; no estudo, observamos que a dor PO iniciou em média passadas 14 horas da cirurgia, muito tempo depois de o efeito do anestésico local ter terminado; por que então a dor demorou todo esse tempo para aparecer? Acreditamos que estejam envolvidos outros fatores responsáveis; tem provavelmente importância a colonização bacteriana no local da vaporização, que é evidenciada pelo exudado amarelado que aparece no pós-operatório. Isto precisaria ser pesquisado em outro estudo.
Pensamos que uma terapia analgésica bem conduzida pode diminuir a intensidade e a duração da dor. Neste estudo, como já foi descrito antes, a terapia analgésica não foi revisada para manter a homogeneidade na analise da dor. Após ter se fechado o estudo, é revisado e melhorado o tratamento analgésico. Acreditamos que o paciente não pode ficar com uma dor residual sendo que atualmente existem meios terapêuticos suficientes para controlá-a.
A aplicação da RF, uma cirurgia com um grau de lesão tisular menor, como foi descrito na introdução, provoca uma dor pós-operatória menor, dando maior liberdade ao cirurgião para realizar uma segunda ou terceira fase, caso sejam necessárias, possibilitando ao paciente um pós-operatório melhor e uma aceitação maior para continuar o tratamento.
O menor grau de dor pos-RF, comparando com a dor pós- LAUP, pode ser explicado pela não transecção da mucosa, fato que durante uma LAUP acontece em forma extensa10.
A dor PO é um fato real e o paciente tem o direito de receber uma informação completa para estar ciente disso. A equipe médica deverá estar em contínua comunicação com os pacientes e dispor de meios suficientes para um adequado controle da dor.
CONCLUSÃOA RF e uma técnica moderna, minimamente invasiva, usada atualmente como outra alternativa no tratamento do ronco e apnéia do sono leve, com grande aceitabilidade por parte do paciente, por ser um procedimento indolor e quase sem dor pós-operatória proporcionando um maior conforto. Confirmamos que a LAUP tens como principal inconveniente a dor pós operatória, fator importante que deve ser tomado em conta, para realizar uma adequada medicação analgésica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. ASTOR, F. C.,11ANFT, K. L., BENSON, C., AMARANATH, A. - Analysis of Short-term Outcome after Office-based Laser assisted Uvulopalatoplasty, Otolaryngology Head Neck Surg., 118: 478-480, 1998.
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3. COLEMAN, J.Á. JR - Laser-Assisted Uvulopalatoplasty: Long Term Results with a Treatment for Snoring. Ear Nose Throat J, 77.- 22-24, 1998.
4. DICKSON, R.; MINTZ, D. R. - One-stage Laser-assisted Uvulopalatoplasty, f. Otolaryngol, 25: 155-161, 1996.
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* Médica Adida do Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMRP-USP.
** Professor Titular e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMRP-USP.
*** Médico Assistente do Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMRP-USP.
Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado como pôster no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em 19 de novembro de 1998, em Porto Alegre /RS.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. José Antônio Apparecido de Oliveira - Departamento de Oftamologia e Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto - Avenida dos Bandeirantes, 3900 - 14096-900 Ribeirão Preto /SP - Telefone: (Oxx16) 602-2523 - Fax: (Oxx16) 633-0186.
Artigo recebido em 21 de julho de 1999. Artigo aceito em 2 de setembro 1999.