ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
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1578 - Vol. 65 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1999
Seção: Artigos Originais Páginas: 492 a 496
Anastomose Hipoglosso - Facial Para o Tratamento da Paralisia Facial Periférica.
Autor(es):
Cristiane A . Kasse*;
José R. G. Testa**.

Palavras-chave: paralisia facial, anastomose hipoglosso-facial

Keywords: facial palsy, hypoglossal-facial nerve anastomosis

Resumo: Introdução: A anastomose hipoglosso-facial é uma técnica muito conhecida para o tratamento da paralisia facial periférica. Objetivo: Este trabalho teve como objetivo relatar 12 casos de anastomose hipoglosso-facial quanto à sua evolução pós-operatória, correlacionando o tempo entre o diagnóstico e a cirurgia com a recuperação funcional. Material e Método: O grau pré-operatório da paralisia, segundo a classificação de House Brackman, foi de 62% grau V e 38% grau VI. A técnica utilizada foi a anastomose do tronco do nervo facial com o nervo hipoglosso ipsilateral; e, em alguns casos, utilizaram-se enxertos de nervos. Resultados: O tempo médio entre o diagnóstico e a cirurgia foi de 25,3 meses; e o tempo médio de seguimento, de 15,4 meses. Discussão: Os resultados pós-operatórios demonstraram: 8% dos casos com paralisia grau V,17% com paralisia grau IV, 58% com paralisia grau III e 17% com paralisia grau II. Conclusão: A anastomose hipoglosso-facial mostrou-se benéfica para os pacientes, com uma recuperação funcional importante, apesar da hemiatrofia lingual.

Abstract: Introduction: Hypoglossal-facial nerve anastomosis is a very known technique for treating facial palsy. Purpose: This article had the objective to report 12 cases of hypoglossal-facial nerve anastomosis and their pos operatory evolution, correlating the interval between diagnosis and surgery with function recuperation. Material and Methods: The pre operatory degree of palsy, according to House-Brackman criteria, was 62% V degree and 38% VI degree. The technique was the anastomosis with the trunk of facial nerve and hipoglossal nerve ipsilateral, and in some cases were used grafts of nerves. Results: The interval between the diagnosis and surgery was 25.3 months and 15.4 months to recover. Discussion: The pos operatory results showed 8% of cases with V degree of palsy, 17% IV degree, 58% 111 degree and 17% 11 degree. Conclusion: The hypoglossal-facial nerve anastomosis proved to be beneficial to the patients, with important function recuperation, despite hemiatrophy of tongue.

INTRODUÇÃO

A paralisia facial periférica é uma doença relativamente freqüente, acometendo todas as faixas etárias, originando em alguns casos, uma deficiência funcional significante e definitiva, com exposição da córnea e ulceração, incontinência oral e desfiguramento, e conseqüentemente, uma seqüela psicológica importante.

A paralisia facial periférica apresenta numerosas etiologias e incluem traumas, infecções, neuropatias, anomalias congênitas, vasculopatias, neoplasias, alterações metabólicas, iatrogênicas e idiopática, cada qual com seu tratamento específico. Abordaremos neste artigo somente causas de tratamento cirúrgico.

Não há um consenso mundial10, 15, 14, 16 sobre a melhor técnica de tratamento cirúrgico para as paralisias de prognóstico desfavorável, ocasionadas nas ressecções ou lesões graves do nervo, como nos casos de cirurgias de exerese de neurinoma do acústico ou do facial e alguns tipos de traumas. Nesses casos, a anastomose término-terminal com o próprio coto do nervo é o melhor método de se obter um resultado funcional mais próximo do normal, mas nem sempre a condição cirúrgica permite realizar este procedimento, necessitando de técnicas alternativas.

Apesar do desenvolvimento das técnicas de microcirurgia e de a monitorização do nervo facial nas cirurgias do neurinoma do acústico estarem diminuindo o risco de lesão do nervo, a manutenção anatômica intra-operatória da integridade do nervo pode não estar associada com a preservação funcional². A anastomose hipoglosso-facial vem apresentando um papel importante na recuperação funcional dos pacientes acometidos.

A primeira anastomose de um nervo craniano com o nervo facial foi descrita por Drobnik em 1879, usou o nervo acessório10. Em 1903 Korte descreve a primeira anastomose hipoglosso facial e Cott, em 19083, descreve minuciosamente a técnica e a fisiologia. Durante os anos seguintes, até os dias atuais, vários cirurgiões vêm desenvolvendo e melhorando as técnicas de correção da paralisia facial, usando o nervo hipoglosso para a anastomose2. Têm sido bons resultados, embora ocorra em alguns casos uma hemiatrofia da língua como seqüela. Para reduzir e evitar esta iatrogenia, várias técnicas2, 3, 6 usando ramificações do nervo e interposição de enxerto têm sido propostas.

Este trabalho teve como objetivo relatar 12 casos de anastomose hipoglosso-facial, quanto à sua evolução pós-operatória e a recuperação funcional.

MATERIAL E MÉTODO

Pacientes

Os pacientes estudados foram acompanhados no ambulatório de Otorrinolaringologia da UNIFESP no período de 1980 a 1997, no total foram 12 pacientes submetidos a anastomose hipoglosso-facial.

A faixa etária foi de 23 a 68 anos, com média de idade de 44 anos, sendo 62% do sexo feminino. A etiologia da paralisia em 50% dos casos era uma seqüela de exerese de neurinoma do acústico, 8,3% por fibrossarcoma, 8,3% por neurinoma do trigêmio, 8,3% por paralisia de Bell sem resposta após descompressão do nervo na sua porção intramastoídea, 8,3% por cisticercose de sistema nervoso central e 8,3% por ferimentos de atina de fogo (Figura 1). Aproximadamente, 75% dos casos acometeram o lado esquerdo e 25%, o lado direito.

O grau inicial da paralisia, segundo a classificação de House-Brackman8, foi de 58% grau V e 42% grau VI (Figura 2). O tempo entre o diagnóstico e a cirurgia foi em média de 25,56 meses; e o tempo de recuperação, de 14,27 meses.

Técnica cirúrgica

A técnica cirúrgica consiste em realizar uma incisão na pele semelhante à da cirurgia de parotidectomia, começando na região pré-auricular e prolongando ao longo do pescoço paralelo à mandíbula, depois de se passar atrás do lóbulo da orelha.

A seguir, o tronco do nervo facial é exposto desde a sua saída do forame estilomastóideo até o início de sua ramificação na parótida. O nervo hipoglosso é localizado inferiormente ao tendão do músculo digástrico, acima da artéria carótida externa e é dissecado até o início de sua ramificação. Um corte no tronco do nervo hipoglosso e no nervo facial é realizado, o suficiente para aproximar os dois cotos sem haver tensão, seguido em alguns casos de uma anastomose término-terminal (em 75,1% dos casos), uma anastomose término-lateral (em 8,3%) ou com interposição de enxerto (em 16,6%), utilizando um fio mononylon 10 para a sutura, com técnica específica para reparação de nervos de diâmetros desiguais7.

RESULTADOS

Os resultados pós operatórios demonstraram: 8% dos casos com paralisia facial grau V,17% com grau IV, 58% grau III e 17% com paralisia grau 11 (Figura 3). Em 38.4% dos pacientes, houve necessidade de se colocar um peso palpebral para melhor fechamento e, conseqüentemente, uma proteção ocular.

O tempo médio entre o diagnóstico da paralisia e a realização da cirurgia foi de 25,56 meses, com o tempo de seguimento de 14,27 meses (Tabela I).

Todos os pacientes foram encaminhados para tratamento fisioterápico, após a cirurgia, para desenvolverem os movimentos voluntários da face usando determinadas posições na língua na cavidade oral.



Figura 1- Representação percentual do grau inicial das paralisias facias.



Figura 2- Representação percentual do grau final (pós-operatório) das paralisias faciais.



TABELA I- Relação dos 12 pacientes estudados quanto ao grau inicial, final da paralisia facial, o intervalo de tempo entre o diagnóstico da doença e a cirurgia, o intervalo de tempo do seguimento e a cirurgia complementar realizada em alguns casos.



Os resultados não foram analisados estatisticamente pelo fato de se ter um número pequeno de casos, mas pode se afirmar uma evolução pós-operatória satisfatória na maioria dos casos, principalmente após um período de observação de mais de um ano. O tempo decorrido entre a cirurgia de anastomose hipoglosso-facial não influenciou na evolução da paralisia.

A hipotrofia da língua ocorreu em todos os casos submetidos a anastomose término-terminal, variou de grau leve a moderado, mas poucos pacientes se queixaram disto.

DISCUSSÃO

A anastomose hipoglosso-facial é considerada uma técnica controversa10, 16, despertando opiniões favoráveis e não favoráveis, havendo dificuldades de se estimar a magnitude :h efeito da cirurgia que não torna a função facial normal e ainda causa uma iatrogenia.

Os bons resultados obtidos devem-se à morfologia, fisiologia e semelhança funcional entre os dois nervos2, 3. Estes nervos apresentam uma topografia cerebral próxima na área motora da córtex cerebral, com uma grande representação cortical para a língua. Ambos recebem aferência do trigêmio no arco reflexo motor mecânico-sensorial e ação sinérgica na coordenação de algumas mímicas e funções prandiais2. Estes nervos contêm fibras nervosas motoras mielinizadas, com uma anatomia dos fascículos semelhantes, mudando de monofascicular, na saída do cérebro, para polifascicular, ao terminar nas topografias específicas2.

A indicação de derivação hipoglosso-facial ocorre nos casos de transecção ou impossibilidade de restauração de um coto proximal do nervo. A anatomose primária dos cotos ou interposição de enxertos são os métodos preferíveis para a reinervação se o coto proximal é disponível. Se o músculo da face apresenta uma atrofia ou fibrose, uma reparação funcional é possível, havendo necessidade de uma transposição ou enxerto o pediculado livre de músculo para repararmos o dano.

A técnica clássica de Korte, relatada por Conley, vem apresentando variações nos últimos anos, pelo fato de levarem a uma dificuldade mastigatória e atrofia lingual importante2.

Para evitar isso, alguns cirurgiões estão utilizando o ramo descendente do hípoglosso, enxertos ligando os nervos, dividindo o nervo e anastomosando com uma das partes ou omose término-lateral, com resultados animadores2,1,13.6. Apesa disso, Conley e Baker, em uma casuística de 137 casos de anastomose hipoglosso-facial, relatados por Arai1 e Yutaka13, u eberam diferenças em se dividir o nervo ou usar o ramo descendente do hipoglosso. O sucesso dos resultados depende número de anastomoses realizadas - quanto menos anastomoses, menos fibrose e melhor a reinervação7.

A técnica descrita por Atlas e colaboradores2, na qual o nervo facial é anastomosado em uma chanfradura realizada microscopicamente no nervo hipoglosso, sem tensão entre fibras apresentou bons resultados finais, com recuperação funcional mais breve, e concluiu que, para termos melhores resultados, a distância entre o nervo hipoglosso e o coto do nervo facial poderá ser diminuída com uma mobilização e secção maior do nervo facial na sua porção intratemporal, deste modo diminuindo a tensão entre eles. Além disso, não há necessidade de seccionar completa ou parcialmente, ou colocar um enxerto entre os nervos com esta nova técnica, preservando o nervo hipoglosso mais intacto possível.

Os estudos demostram um melhor resultado nos casos em que houve um intervalo curto entre a remoção do tumor e a anasastomo¹¹, principalmente com intervalo menor de seis meses; e, quanto mais tarde é realizada a cirurgia, as chances de uma melhora facial são menores, pela atrofia do nervo e musculatura.

A anastomose hipoglosso-facial realizada em nossos pacientes mostrou-se benéfica em grande parte, como demonstra a maioria dos autores10, 9, 1, 12 , apesar da reduzida amostragem, com uma estética facial satisfatória e um contentamento individual. Apesar de a maioria dos autores demonstrarem um melhor resultado, quanto menor o tempo entre a indicação cirúrgica e a sua realização, nossos pacientes apresentam benefícios, independentemente do tempo de realização cirúrgica, observando que os melhores resultados foram em intervalos cirúrgicos mais curtos e com tempo de seguimento maior.

Como a hemiatrofia lingual é uma seqüela permanente desta cirurgia nos casos de anastomose término-terminal, novas técnicas2, 6 estão sendo aprimoradas para alcançarmos uma função facial próxima do normal, com menos seqüelas, mas nenhuma delas ainda satisfaz totalmente a função facial ideal para o paciente.

CONCLUSÃO

Relatamos 12 casos de anastomose hipoglosso-facial e observamos que a evolução pós-operatória dos pacientes foi satisfatória na maioria dos casos, principalmente após um período de observação de mais de um ano. O tempo decorrido entre o início da paralisia e a cirurgia reparadora não influenciou na evolução. Mesmo após vários anos de paralisia, a musculatura facial apresenta uma resposta motora favorável para a realização de anastomose hipoglosso-facial.

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*Médica Pós-Graduanda do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
**Médico Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Apresentado em forma de painel no 34° Congresso Brasileiro de Otorrinolaringologia, em 19 de novembro de 1998, em Porto Alegre /RS.

Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia da UNIFESP- Rua Botucatu, 720 - 3° andar 04023-000 São Paulo /SP.

Artigo recebido em 19 de março de 1999. Artigo aceito em 23 de setembro de 1999.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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