INTRODUÇÃOSegundo classificação de Cadar (1986), as rinites atróficas podem ser classificadas como primária, secundária e ozenosa. A primária (simples) é uma doença nasal crônica de etiologia desconhecida, em que existe uma atrofia moderada da mucosa, normalmente assintomática (Ruskin, 1942). A rinite atrófica secundária ocorre após uma agressão da mucosa nasal, como infecção local, doença granulomatosa, trauma ou cirurgia nasal (principalmente turbinectomia). A ozena é caracterizada pela tríade sintomática composta de atrofia osteomucosa sem ulcerações, crostas amarelo-esverdeadas e fetidez intensa.
Embora rara em países desenvolvidos (Shah e colaboradores, 1974; Bende, 1985), é freqüente em países com nível sócio-econômico baixo, sendo que 90% dos casos são pacientes de origem rural (Essaadi e colaboradores, 1994). A raça amarela é a mais atingida, seguida da branca e negra. O maior número de casos é encontrado na faixa etária entre 15 e 35 anos, sendo preferencialmente no sexo feminino.
O objetivo do presente trabalho é analisar 12 pacientes portadores de rinite atrófica (secundária e ozenosa) tratados cirurgicamente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, com relação à idade, sintomas e resultados cirúrgicos, destacando-se as diferenças entre esses dois grupos.
MATERIAL E MÉTODOFoi realizado um estudo retrospectivo de 12 pacientes com rinite atrófica (RA), tratados na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, submetidos a tratamento cirúrgico para estreitamento das fossas nasais nos últimos oito anos.
Sete pacientes eram portadores de RA secundaria pós-turbinectomia; e cinco, de RA ozenosa. Nenhum caso de RA primária foi incluído no estudo. A idade variou entre 15 e 46 anos, com média de 28 anos. A maioria dos casos (75%) era do sexo feminino (Figura 1). A raça negra foi prevalente (sete casos), seguido da branca (quatro casos) e amarela (um caso).
Analisamos estes pacientes com relação aos sintomas nasais pré-operatórios, idade, sexo, achados da rinoscopia e tipo de RA. Então correlacionamos esses aspectos com o tipo de cirurgia realizada e o material implantado. Finalmente, analisamos a evolução pós-operatória, considerando mais uma vez os sintomas, achados à rinoscopia e complicações.
RESULTADOSOs dados referentes a cada um dos pacientes estudados com relação à idade, sexo, raça, tipo de RA, sintomas e achados rinológicos pré-operatórios estão resumidos na Tabela 1. A freqüência dos sintomas com relação ao tipo de rinite atrófica apresentada pelo paciente está representada na Tabela 2.
Figura 1. Distribuição dos pacientes quanto ao sexo.
Com relação ao tipo de técnica cirúrgica empregada, a técnica de Eyriès-Machado foi utilizada na grande maioria dos casos (91,7%), sendo somente um submetido a implante no septo nasal (Tabela 3) . Na maioria dos casos foi implantada cartilagem (66,7%), sendo também utilizado silicone (três casos) e osso da crista ilíaca (um caso).
Os 12 pacientes foram acompanhados por pelo menos um ano após a cirurgia. Todos os casos apresentaram melhora dos sintomas, exceto um, que evoluiu com extrusão do implante. O único caso que foi submetido a implante de cartilagem no septo nasal apresentou sinéquia no pós-operatório, mas após sua correção, apresentou boa evolução, com melhora dos sintomas.
DISCUSSÃOO mecanismo etiopatológico da rinite atrófica ainda não é totalmente conhecido, existindo inúmeras hipóteses para tentar explicá-lo. A teoria da infecção bacteriana causada pela Klebsiella ozenae é defendida por Ssali (1973), Chatterji (198,0 e Fergusson e colaboradores (1990). Entretanto, outras teorias consideram espasmo simpático (diminuindo o suprimento sanguíneo), as síndromes distróficas reflexas, alterações imunológicas, infecção viral e carência nutricional (principalmente ferropriva).
Dos 12 pacientes, cinco eram portadores de ozena e sete de R.A secundária pós-turbinectomia. Nenhum paciente era portador de R.A primária. Este fato pode ser justificado por termos incluído somente pacientes tratados cirurgicamente, e a R.A primária usualmente tem poucos sintomas, controlados apenas com tratamento clínico.
TABELA 1- Características pré-operatórias dos pacientes estudados.
Legenda: S- secreção, F- fetidez, C- crostas, O- obstrução nasal, D- dor.
TABELA 2- Freqüência dos sintomas na rinite atrófica.
Com relação à idade dos casos estudados, nossos achados são compatíveis com a literatura, com prevalência de adultos jovens (média de 28 anos) e do sexo feminino (75% dos casos). A RA secundária ocorreu preferencialmente na terceira década de vida; enquanto que a ozena ocorreu na quarta década. Embora discreta, houve uma tendência de a RA secundária acometer pacientes mais jovens (média = 26,8 anos e mediana = 28 anos) do que a ozena (média = 29,2 anos e mediana 31 anos) (Figura 2). Essa tendência pode ser justificada pelo fato de as cirurgias sobre as conchas nasais serem geralmente indicadas em adultos jovens, propiciando a RA secundária quando realizadas de forma intempestiva. Já a ozena, embora também acometa adultos jovens, sua instalação é progressiva e lenta, favorecendo os sintomas mais tardios.
Embora a RA seja mais freqüente na raça amarela, somente um caso de nossa série era dessa raça, o que pode ser explicado pelas características étnicas da população atendida em nosso serviço.
O quadro clínico clássico da RA é caracterizado por presença de crostas amarelo-esverdeadas, secreção nasal fétida e de sensação de obstrução nasal. Não existe ulceração da mucosa das fossas nasais; porém, atrofia da mesma é geralmente pronunciada. Nos pacientes com RA secundária pós-turbinectomias é freqüente a queixa de dor intranasal, principalmente durante a inspiração e em dias frios. Em nosso estudo, encontramos uma sintomatologia compatível, sendo as queixas mais importantes no pré-operatório, secreção nasal amarelo-esverdeada (83% dos casos), crostas e fetidez /cacosmia (75/0 dos pacientes). A sensação de obstrução nasal foi citada por 67% dos pacientes, enquanto que a dor intranasal durante a inspiração foi referida por 58%.
É interessante observar que houve uma discreta tendência de maior predomínio de sintomas dolorosos e obstrutivos na RA secundária do que na ozena, que por sua vez mostra uma maior tendência de sintomas relacionados à secreção, crostas e fetidez (Figura 3). Isso poderia ser explicado pelo fato de os pacientes submetidos a turbinectomia total ou quase total, apresentarem uma fossa nasal muito ampla no andar inferior não oferecendo qualquer resistência ao fluxo aéreo inspiratório, o qual se choca diretamente com uma mucosa nasal não preparada para tal. Segundo estudo de Baroody e Naclerio (1990), realizado em adultos normais, a mucosa da porção anterior da concha inferior e do septo nasal, apresenta na maioria dos casos metaplasia parcial ou completa, tranformando-se em um epitélio mais resistente (cubóide ou escamoso) em resposta ao trauma do fluxo aéreo inspiratório. Essa metaplasia é tão reacional, que os pacientes em que se abole o fluxo aéreo nasal (por exemplo, os laringectomizados totais) apresentam retorno desse epitélio para as características normais (respiratório) (Meseguer e colaboradores, 1996). O direcionamento do fluxo aéreo pelas estruturas de uma parede lateral normal é desejável para que ocorra umidificação, aquecimento e filtragem do ar de forma fisiológica, evitando sintomas dolorosos.
TABELA 3- Características da cirurgia e dos achados pós-operatórios dos pacientes estudados.
Legenda: Legenda: S- secreção, F- fetidez, C- crostas, O- obstrução nasal, D- dor, EM- Eyrlès-Machado.
Figura 2- Distribuição quanto à idade dos pacientes com ozena (a) e rinite atrófica ssecundária (b).
Figura 3- Freqüência dos sintomas em pacientes com ozena (a) e rinite atrófica secundária (b).
Já nos casos com ozena,-as fossas nasais são também amplas, mas em geral as estruturas ósseas (conchas) estão preservadas, existindo atrofia da mucosa que as recobre. Desta forma, o relevo nasal é preservado, existindo, embora em menor grau, melhor orientação do fluxo aéreo inspiratório. Assim, poderíamos imaginar que a dor é menos prevalente por existir menor choque aéreo direto, ou, quem sabe, por existir uma redução da sensibilidade da mucosa acompanhando essa atrofia. A atrofia, por sua vez, prejudica o clearance muco-ciliar, propiciando a estase de secreções e levando à formação de crostas com conseqüente fetidez.
Os achados de exame físico, também estiveram concordantes com a literatura. O aspecto à rinoscopia incluiu presença de secreção e crostas em uma fossa nasal ampla. A atrofia mucosa evidente nos casos de ozena e discreta na RA secundária, mostra redução ou ausência da concha inferior. É importante enfatizar que não observamos ulceração da mucosa, mesmo em casos severos.
Todos os nossos pacientes foram primariamente submetidos a tratamento clínico intenso, com lavagem nasal utilizando solução fisiológica ou hipertônica, mucolíticos e uso de mel, tendo sido indicada cirurgia, por não apresentarem resposta satisfatória. Na literatura são descritas inúmeras formas de tratamento, incluindo higiene nasal, antibioticoterapia tópica e/ ou sistêmica, terapia com vitamina A, ferro e autoimunização com extrato dializável de leucócitos (Cadar, 1986; Zakrzewski, 1975; Han-sem, 1982; Chatterji, 1980; Orellana e colaboradores, 1992 e Borgstein, 1993). Entretanto, os resultados são usualmente pobres.
A rinite atrófica permanece como doença rebelde e incurável através de métodos clínicos, havendo concordância entre os autores de que a cirurgia para estreitamento das fossas nasais dá melhores resultados. Diminuindo o volume da cavidade nasal, existe melhor direcionamento do fluxo aéreo, com menor ressecamento da mucosa, reduzindo os sintomas e a formação de crostas. Entretanto, ainda se discute qual é a melhor técnica cirúrgica a ser empregada.
As técnicas para estreitamento da fossa nasal baseiam-se no implante de materiais sintéticos ou biológicos abaixo do mucoperiósteo ou mucopericôndrio das fossas nasais. Machado (1939) idealizou a técnica de inclusão submucosa por via sublabial, através de uma incisão do sulco gengivolabial superior, expondo-se a abertura piriforme e descolando o mucoperiósteo da parede lateral. Essa técnica foi utilizada e divulgada por Eyriès (1951). Saunders (1958) preconiza a colocação de um implante em um túnel mucoperiosteal lateral às conchas média e inferior. já Goodman e De Souza (1973) estenderam o enxerto ao longo da parede anterior do assoalho nasal e parte do septo.
Com relação aos implantes, também não há concordância na literatura quanto ao melhor material. Numerosos e variados tipos de enxerto de tecidos vivos ou implantes sintéticos são utilizados. A maioria dos artigos cita a preferência pelos implantes sintéticos (silicone, acrílico, parafina, marfim e celulóide) pela facilidade de aquisição e por evitar um segundo acesso cirúrgico no mesmo paciente. Paradoxalmente, muitos autores que preferem os implantes sintéticos citam o alto índice de eliminação dos mesmos. Por outro lado, os enxertos homólogos (cartilagem, costela, tíbia, crista ilíaca, gordura e tendão) têm um menor percentual de rejeição, além de serem de menor custo. Meirelles (1997) utilizou implante de enxerto ósseo homólogo de costela em 39 pacientes com RA ozenosa, sendo bem tolerado e propiciando melhora significativa da sintomatologia.
A maioria dos casos estudados (91,6%) foi submetida a implante cirúrgico submucoso via sublabial (Eyriè-Machado), no nível da parede lateral das fossas nasais. Apenas um paciente foi submetido a implante submucoso no nível de septo nasal. Optamos pela utilização da técnica de Eyriè-Machado na maioria dos casos, porque, em nossa opinião, o implante na parede lateral da fossa nasal, mimetizando o volume da concha inferior, é o mais fisiológico. Consideramos que esse aspecto seja ainda mais importante quando estamos tratando as RA secundárias pós-turbinectomia. Na RA ozenosa, onde o relevo da fossa nasal está parcialmente preservado, o implante no septo, "redimensionando" o volume da- cavidade nasal ao volume das conchas nasais atróficas, nos parece também fisiológico.
Com relação ao tipo de material utilizado, o enxerto biológico foi usado em nove pacientes, sendo cartilagem em oito e ósseo (crista ilíaca) em um paciente. Nos outros três pacientes foram usados implantes de silicone. O paciente submetido a inclusão de cartilagem no septo desenvolveu sinéquia entre o septo e a concha inferior, sendo desfeita cirurgicamente, com boa evolução. Não foi observada extrusão com os enxertos homólogos utilizados; porém, ocorreu extrusão em um dos três casos em que se utilizou implante sintético (silicone).
Existem várias publicações que referem complicações freqüentes com esses implantes. Piaget (1963) relata índices de eliminação de implantes de acrílico variando entre 5 e 39% no primeiro mês de pós-operatório. Dogheim (1986) apresenta rejeição de silastic (polímero de dimetilsiloxane) em 30% dos pacientes. Para Sinha e colaboradores (1977),80% dos pacientes rejeitaram implante de material sintético em período de dois anos. Zohar e colaboradores (1990) citam 100% de eliminação de implante de Dacron em um ano de evolução. Porém, Cadar (1986), seguindo a técnica de Eyriè-Machado, refere ótimos resultados (80%), com uso de bastonetes de acrílico.
Em nosso Serviço, temos procurado evitar os materiais sintéticos, seja pelo custo ou porque acreditamos em uma maior integração dos materiais biológicos. Embora consideremos o uso do osso muito adequado, temos dado preferência à cartilagem pela facilidade de obtenção (concha do pavilhão auricular, por exemplo). Sempre que possível, evitamos a utilização de cartilagem de banco (pós-septoplastia), por riscos de contaminação.
Todos os pacientes tiveram ao menos um ano de acompanhamento. Excluindo-se o caso da extrusão do implante de silicone, todos os pacientes apresentaram importante melhora clínica. Nos pacientes com RA secundária pós-turbinectomia, todos os sintomas desapareceram, inclusive a dor inspiratória. Entretanto, nos pacientes com ozena, ocorreu importante diminuição dos sintomas, apesar de permanecerem queixas de secreção e formação de crostas.
Como já referimos, a principal diferença entre estes dois grupos é a presença de atrofia da mucosa, que não pode ser corrigido cirurgicamente. Este fato pode efetivamente justificar a diferença com relação aos resultados. A redução do volume da fossa nasal resulta em melhora dos sintomas, como já discutimos. Nas RA secundárias, onde a mucosa é a princípio normal, a cirurgia restabeleceu as condições originais da fossa nasal, desaparecendo os sintomas. Entretanto, na ozena, a atrofia de mucosa não foi resolvida, e assim, o clearance mucociliar permaneceu prejudicado, tendendo a persistir a formação de crostas; porém, em menor quantidade, uma vez que houve redução do turbilhonamento de ar pelo estreitamento da fossa nasal.
CONCLUSÃONossa experiência sugere que a rinite atrófica pode ser tratada cirurgicamente com o estreitamento das fossas nasais, melhorando significativamente os sintomas, sem maiores complicações. Acreditamos, também, que o implante de material biológico na parede lateral das fossas nasais pela técnica de Eyriès-Machado apresenta bons resultados, parecendo-nos a mais fisiológica. Melhores resultados são esperados nos pacientes com RA secundária pós-turbinectomia, pois não apresentam atrofia da mucosa nasal.
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* Médico Residente da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica Hospital das Clínicas da FM-USP.
** Médico Chefe da Enfermaria da Divisão de Clínica Otorrinolaringológica Hospital das Clínicas da FM-USP.
*** Professor Doutor da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da FM-USP.
**** Professor Associado da Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica da FM-USP.
Trabalho realizado na Divisão de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univerisidade de São Paulo. Trabalho apresentado no XVII European Rhinologic Society & International Symposium of Infection and Allergy of the Nose - Meeting'98, em Vienna, na Áustria, de 28 de julho a 1° de agosto de 1998, e no 34° Congresso de Otorrinolaringologia, de 18 a 22 de novembro de 1998, em Porto Alegre /RS.
Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia, Avenida Enéas de Carvalho Aguiar, 255, 6°Andar, Sala 6021, 05403-000 São Paulo /SP. Telefone: (Oxx11) 3067-6288 - Fax: (Oxx11) 270-0299.
Artigo recebido em 29 de julho de 1999. Artigo aceito em 9 de agosto de 1999.