INTRODUÇÃOEmbora a descrição anatômica do nervo corda do tímpano remonte a séculos16, a literatura sobre algumas de suas relações anatômicas, como à articulação temporomandibular (ATM), ainda é controvertida. O nervo corda tímpano origina-se do nervo intermédio (do VII par craniano), no interior da mastóide e, por canal próprio, alcança a orelha média. Em trajetória póstero-anterior, entre a face medial da membrana do tímpano e o processo longo do martelo, segue diretamente para o interior (ta porção petrosa do osso temporal, onde apresenta trajetória póstero-anterior e látero-medial, tornando-se exocranial próximo à artéria meníngea média, no nível do forame espinhoso. Supõe-se que a proximidade desse nervo por medial da ATM poderia ser uma das causas de dor por compressão, quando da ocorrência de hipertrofias e/ou patologias articulares1, 6, 15.
O presente trabalho busca contribuir para o conhecimento da relação anatômica elo nervo corda do tímpano (NCT) com a articulação temporomandibular (ATM).
MATERIAL E MÉTODOUtilizaram-se 20 hemi-cabeças de indivíduos adultos, de ambos os sexos, previamente formolizadas a 5% e desmineralizadas em ácido nítrico a 5%. As dissecções foram realizadas ao microscópio cirúrgico D. F. Vasconcelos, com objetiva de 200 mm e ocular de 12,5 mm, através da fossa cranial média, abrindo-se uma janela sobre o disco articular da ATM; e outra, superior e medial, sobre a orelha média, observando-se por superior o seu conteúdo. O NCT foi abordado em seu trajeto intrapetroso.
Para expor o ligamento anterior do martelo, desde o processo anterior do mesmo até à região póstero-medial da cápsula da ATM, removeu-se a parte óssea presente entre o orelha média e a região medial do disco.
RESULTADOSA dissecção microscópica da região zigomática, via fossa média do crânio, utilizando-se o microscópio cirúrgico, oferece uma visão ampla de todos os seus elementos anatômicos, desde medial até lateral (Figura 1). A maioria dos componentes anatômicos intratemporais pode ser dissecada por essa via, expondo-se a orelha externa, a orelha média, com seu conteúdo, e, entre eles, a membrana do tímpano. A orelha interna, desde o meato acústico interno e seus elementos, acompanha as trajetórias dos nervos vestibular, coclear e facial. Deste, evidenciam-se as relações anatômicas, seu gânglio geniculado e seus ramos petrosos (Figuras 2, 3 e 4).
O nervo corda do tímpano, principal enfoque desse trabalho, apresenta longa trajetória intracranial, desde a sua origem mastóidea, a sua entrada na orelha média (caixa do tímpano) e suas importantes relações nesse percurso, até sua trajetória intrapetrosa, num canalículo próprio à medial e superior à tuba auditiva, deixando esse percurso somente para afastar-se da base do crânio, muito próximo ao forame espinhoso, por onde transita a artéria meníngea média (Figura 4).
Figura 1. Desenho esquemático da fossa média do crânio, lado direito, com elementos anatômicos dissecados: 1. disco da ATM; 2. orelha externa; 3. orelha média; 4. martelo; 5. bigorna; 6. nervo facial; 7. nervo corda do tímpano; 8. nervo petroso maior; 9. gânglio geniculado; 10. gânglio trigeminal; 11. artéria meníngea média; 12. músculo pterigóideo lateral.
Em sua discutida relação coma ATM, o nervo corda do tímpano pode ser localizado, exposto na sua trajetória intrapetrosa, obtendo-se medidas do conjunto cápsula /disco articular, cujo valor mínimo foi de 1,0 mm; e máximo, de 4,0 mm, com média de 3,0 mm. Em 1 caso o NCT apresentou curvatura lateral, no nível do teto e lateral da tuba auditiva (Figura 4).
Retirando-se o componente ósseo entre o nervo corda do tímpano e a ATM, observou-se uma ponte conjuntivo fibrosa ligando o processo anterior do martelo e margem anterior da membrana do tímpano ao limite póstero-medial da cápsula /disco articular (Figuras 2 e 4).
DISCUSSÃOO nervo corda do tímpano recebe descrição bastante uniforme na literatura, quanto ã sua origem do nervo facial, no interior da mastóide4, 7, 10, 12, 15. Ao deixar esse nervo por anterior em ângulo agudo, em canalículo próprio, o NCT sobe e curvase para anterior, até alcançara caixa do tímpano (orelha média), ande se continua para anterior, acolado à face medial da membrana do tímpano, tendo o processo longo do martelo por medial; e a membrana, por lateral4, 8, 10, 11. Após cruzar toda a orelha média, deixa-a por sua parede anterior e adentra o canalículo timpânico, na porção petrosa do temporal. Sua trajetória nesse osso é longa, medialmente à tuba auditiva óssea. Continua seguindo pela fissura petrotimpânica, até chegar á face medial da espinha do esfenóide2, 7, 10, 11, 12, 14. A partir desse nível, o nervo corda do tímpano desce para anterior e alcança o nervo lingual, em ângulo agudo, por posterior, pouco abaixo da origem desse ramo4, 7, 9, 10.
Figura 2. Fossa cranial média, com osteotomia, mostrando os elementos anatômicos dissecados: 1. disco da ATM; 2. músculo pterigóideo lateral; 3. orelha externa; 4. orelha média; 5. martelo; 6. bigorna; 7. tuba auditiva; 8. nervo facial; 9. gânglio geniculado; 10. nervo vestibular; 11. canal semicircular superior seccionado; 12. nervo corda do tímpano; 13. nervos petrosos.
Figura 3. Fossa cranial média, cone osteotomia mostrando os elementos anatômicos dissecados: 1. disco da ATM; 2. orelha média; 3. martelo; 4. bigorna; 5. tuba auditiva; 6. nervo corda do tímpano; 7. nervo facial; 8. gânglio geniculado; 9. cóclea seccionada; 10. nervos petrosos.
Embora a proximidade do nervo corda do tímpano à ATM tenha chegado a 1 mm, ele sempre se apresentou no interior ele um canal ósseo petroso.
Retirada toda a estrutura óssea temporal que separava o nervo corda do tímpano da ATM, verificou-se que os elementos conjuntivos mantinham uma continuidade, desde à borda anterior da membrana do tímpano até por medial da cápsula articular, sugerindo a existência de remanescentes conjuntivos, provavelmente ligados à origem do músculo pterigóideo lateral.
Terminações sensitivas comuns e proprocetivas, encontradas nessas áreas, poderiam ativar todo o complexo ATM e estruturas anatômicas adjacentes.
CONCLUSÃOO disco da ATM, observado por superior, apresentou-se à lateral e anterior à orelha média.
Encontrado sempre no interior da porção petrosa do osso temporal, o nervo corda do tímpano (NCT) apresentou-se retílineo, com trajetória ântero-posterior e látero-medial, à lateral da tuba auditiva, tornando-se exocranial próximo à artéria meníngea média, em seu trânsito pelo forame espinhoso.
Figura 4. Fossa cranial média, com osteotomia, mostrando os elementos anatômicos dissecados: 1. disco da ATM; 2. final da porção endocranial do NCT; 3. orelha média; 4. martelo; 5. bigorna; 6. músculo tensor do tímpano; 7. nervo corda do tímpano; 8. osso petroso ao redor do NCT foi removido, evidenciando o ligamento anterior do martelo, que alcança a face póstero-medial da cápsula da ATM (9); 10. nervo facial; 11. nervo vestíbulo-coclear; 12. gânglio geniculado; 13- nervos petrosos; 14. artéria meníngea média.
A menor distância observada entre o NCT e a ATM foi de 1 mm, e a maior, de 4 mm, com média de 3 mm.
Sob a porção óssea petrosa que envolve o NCT encontrou-se uma estrutura conjuntivo-fibrosa, ligando o processo anterior do martelo à região póstero-medial da cápsula da ATM.
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*Professor Titular da Disciplina de Anatomia da Faculdade de Odontologia de Bauru, da Universidade de São Paulo.
** Bióloga Estagiária da Disciplina de Anatomia da FOB/USP.
*** Professor Doutor da Disciplina de Anatomia da FOB/LISP.
**** Acadêmico da FOB/USP.
Endereço para correspondência: Prof. Dr. João A. C. Navarro - Disciplina de Anatomia -Faculdade de Odontologia de Bauru - Universidade de São Paulo - Alameda Dr. Octávio
P. Brisola, 9-75 - 17043-101 Bauru /SP - Telefone: (0xx14) 235-8226 - E-mail: jnavarro@usp.br
Artigo recebido em 1°- de junho de 1999. Artigo aceito em 6 de julho de 1999.