ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1539 - Vol. 50 / Edição 1 / Período: Janeiro - Março de 1984
Seção: Artigo de Revisão Páginas: 17 a 20
SÍNDROME DE COGAN
Autor(es):
LIDIO GRANATO-1
CELMA BUENDHIA SABBAGH-2
ESTELITA GONSALES TEIXEIRA BETTI-3

Resumo: A síndrome de Cogan é uma doença de origem desconhecida que acomete o aparelho cocleovestibular e a visão, surgindo em crises. A deficiência visual é determinada por uma ceratite intersticial não sifilítica enquanto a audição diminui por uma disacusia neurossensorial que caminha freqüentemente para a cofose. O caso apresentado é de uma jovem, do sexo feminino, com quadro típico da enfermidade descrita por Cogan.

INTRODUÇÃO

A síndrome de Cogan é uma doença rara onde a ceratite intersticial não luética está associada a um distúrbio cocleovestibular. Foi descrita por David Cogan em 1945 (1) (3).

Desde essa época muitos trabalhos têm sido descritos, porém a etiologia continua obscura e parece que as manifestações ocular (ceratite) e auditiva (surdez) são conseqüências de um processo de hipersensibilidade geral (2).

Clinicamente esta doença evolui de forma episódica com o paciente referindo lacrimejamento, dores nos olhos, fotofobia, injeção subconjuntival, surgindo em crises com períodos de melhora, principalmente quando tratadas com corticóide e atropina localmente.

As alterações do tipo cocleovestibular nas crises lembram muito os sintomas da síndrome de Menière, com perda de audição (geralmente com a evolução levando a cofose), zumbido, vertigem e fenômenos neurovegetativos.

Revendo a literatura nacional, não encontramos referência a nenhum caso publicado, e, em razão de sua importância clínica, principalmente pela gravidade da evolução e sua raridade, resolvemos publicá-lo.

APRESENTAÇÃO DO CASO

E. F. V., feminina, 24 anos, preta, doméstica, natural de Pirajuí (SP) - Data de admissão no Dep. de O.R.L.: julho/81.

Q.D. - Diminuição da audição e da acuidade visual há quatro anos.

H.P.M.A. - Refere a paciente que há quatro anos, após fortes dores em ambos ouvidos, apresentou edema na hemiface direita, com perda auditiva e visual bilateralmente, sendo mais intensa à direita.

Concomitantemente, refere crise vertiginosa e zumbidos; bilateralmente.

Neste período vem apresentando crises ocasionais com agravamento progressivo da acuidade auditiva e visual.

Atualmente refere pouca audição no ouvido direito e apresenta tonturas rotatórias e dificuldade para andar, pois sente muita instabilidade, que piora com a movimentação da cabeça.

Nega outras queixas em O.R.L.

I.D.A. - Refere não enxergar com o olho direito, com piora progressiva do esquerdo.

Sistema locomotor: artralgias e mialgias. A.P. - nega tabagismo e etilismo.

Nega sífilis ou qualquer outra doença importante no passado.

A.F. - Nega doença semelhante na família. Exame O.R.L. - Nariz, garganta e ouvidos, nada digno de nota.

Acumetria: V. aérea D: não ouve.
V. aérea E: diminuída.
Rinne (+) à E.
Weber: indiferente.

Avaliação audiológica:

Audiometria realizada em 20/08/81.

O.E. - Perda neurossensorial moderada de mais ou menos 50 dB e discriminação de 96%, com queda maior nos sons graves. 0 S.R.T. era de 50 dB.

O.D. - Perda severa (i 75 dB), sem discriminação (fig. 1).

Na impedanciometria havia ausência de reflexos.

Com a hipótese diagnóstica de síndrome de Cogan, a paciente foi submetida a vários exames laboratoriais realizados no Departamento de Imunologia. Os resultados foram os seguintes:

Dosagens de IgA, IgG, IgM: normais.
Proteínas totais = 9 com albumina = normal.
alfa 1 = normal.
alfa 2 = normal.
beta = 1,48 (0 $ a 12) gama = 2,05 (0,8 a 1,5)

Fator antinúcleo e anti-DNA - negativos. Anticorpo antitireoglobulina - negativo. Anticorpo músculo-liso - negativo. Anticorpo de células parietais - negativo.



Figura 1



T.S.H. sérico, T3 e T4 normais.
Complemento e frações (C3, C4, CHS o) - normais. Linfócitos T = 6%
Linfócitos B = 20% OKT4 = 30% OKT8 = 18%

Os exames foram repetidos no seguimento da paciente e encontrou-se algumas pequenas alterações, tais como: IgM = 380 (normal até 280).

Pesquisou-se também: proteínaC reativa, Latex, Waller Rose, que resultaram negativos.

Reação de sorolues - negativa. GIicemia, hemograma, velocidade de hemossedimentação - n.d.n.

Testes cutâneos de hipersensibilidade imediata - n.d.n.

A paciente um mês após ter dado entrada no nosso ambulatório apresentou nova crise de tonturas, zumbido com agravamento da audição no ouvido esquerdo.

0 limiar auditivo baixou para mais ou menos 70 dB
e a discriminação. caiu para 52% nos monossílabos e 56% nos dissílabos (fig. 2).

Os exames laboratoriais mencionados foram repetidos várias vezes e os resultados muito variaram pouco, ficando praticamente dentro da normalidade.

A acuidade visual da paciente também agravou-se e o exame oftalmológico revelou áreas de ceratite em círculos em ambos os olhos, principalmente no olho esquerdo (fig. 3).



Figura 2



Na época, o exame otoneurológico revelou os seguintes dados positivos:

Romberg com queda para a esquerda. Marcha com desequilíbrio.

Prova calórica de Hallpike com água à temperatura de 330C e 40OC: não houve resposta. Também a OOC não houve resposta.

Portanto, havia arreflexia bilateral, levando-nos à conclusão de que o paciente apresentava uma síndrome cocleovestibular deficitária intensa bilateral.

A paciente continua sendo acompanhada no nosso Serviço e também pelo Departamento de Imunologia. Durante este período (dois anos) foi tratada com Meticorten e atualmente com terapia imunossupressora (ciclofosfamida). A função auditiva permaneceu mais ou menos estabilizada, porém a acuidade visual continua-se agravando em ambos os olhos.



Figura 3



COMENTÁRIOS

Em 1945 Cogan descreveu a síndrome -que leva o seu nome e que se caracteriza pela presença de ceratite intersticial associada a sintomas vestibulococleares, levando com freqüência a cofose bilateralmente.

O problema ocular consiste em um infiltrado profundo corneal que varia em intensidade e distribuição, localizado na periferia, acompanhado por profunda vascularização corneal (1).

Os sintomas otológicos estão relacionados com quadros vertiginosos, zumbido e perda neurossensoriaI que se agrava com as crises, caminhando para surdez. O sistema vestibular geralmente não responde à estimulação labiríntica, mesmo a estímulos extremos.

Essa doença parece afetar principalmente jovens adultos, e aproximadamente 25% dos pacientes têm tido quadro clínico ou biópsias consistentes com peliarterite nodosa (3). Por outro lado, Harris e outros autores reportam 101 casos de periarterite e não encontraram nenhum com sinais de síndrome de Cogan (4).

Embora a incidência da síndrome seja maior nos jovens adultos, há casos relatados na literatura desde os dois anos e meio até a idade de sessenta anos (5).

Além dos sintomas acima mencionados, Cogan ainda enfatiza a presença de leucocitose, eosinofilia e sedimentação elevadas. Outros sinais, como diarréia, infecção do trato respiratório, sintomas do sistema ervoso central e músculo-esquelético, febre, sintomas cardiovasculares, infecção geniturinária, linfadenopatia, são menos freqüentes.

A etiologia da síndrome é desconhecida e alguns autores acredítam que tenha origem num distúrbio imunológico que desempenha importante papel na fisiopatologia das síndromes vasculares.

No nosso paciente não foi observada nenhuma alteração na imunidade humoral, fato este que coincide com a opinião de outros autores.

Enquanto nas doenças vasculares do colágeno há alterações características nos testes gerais de imunidade huinoral, tudo faz crer que na síndrome de Cogan e em pacientes com poliarterite nodosa isto não ocorre (6).

Vários trabalhos têm sido realizados para estudo da resposta na imunidade celular. De qualquer forma é possível que alguma inflamação comeal conduza a imunidade celular mediada para os antígenos corneanos (7).

Do ponto de vista histológico, tem-se apenas a observação de Wolff (8), que descreveu um tecido fibroso e um neocrescimento ósseo no espaço perilinfático, hidropsia envolvendo sáculo e dueto coclear. Foi com base nesta informação que Backman e Trotsky em 1969 (5) administraram glicerina hiperosmótica com alguma melhora na audição em um paciente com síndrome de Cogan.

0 diagnóstico diferencial precisa ser feito com quatro grupos de causas (9):

1.º) Infecções:
A - Lues Congênita ou adquirida
B - Tuberculose tratada com estreptomicina
C - Chlamyda
D - Viral

2.º) Doenças reumáticas:
Vascularite necrotizante sistêmica, incluindo
poliarterite nodosa.
Granuloma de Wegener.
Artrite reumatóide.
Sarcoidose.
Espondilite anquilosante.
Policondrites.
Arterite temporal.

3.º) Tóxicas

4.º) Outras:
Síndrome de Vogt-Koyanagi - Harada.
Doença de Menière com sintomas oculares.

Em resumo de todas as patologias acima mencionadas, a lues, quer congênita quer, principalmente, a adquirida, e a doença de Menière são aquelas que mais se aproximam na sintomatologia da síndrome de Cogan.

O conhecimento desta afecção rara nos conduzirá a um diagnóstico precoce, e a instituição de tratamento com corticóide sistêmico, de imediato, previnirá o aparecimento de alterações irreversíveis.

0 uso de drogas imunossupressoras deverá ser deixado como último recurso terapêutico, segundo a maioria dos autores.

SUMMARY

The patient with the syndrome of nonsyphüitic interstitial keratitis and vestibuloaudtory symptoms had been followed for 2 years. The etiology remains obscure and there is no effective therapy. The prognosis for life and vision is regular, for hearing poor.

BIBLIOGRAFIA

1. NORTON, E.W. & DAVID COGÀN, D.G.: - Syndrome of nonsyphilitic interstitial keratitis and vestibulo auditory symptons. Arc: OphMalmol.,61: 695, 1959.
2. FAIR, J.R. & LEVI, F.A. - Keratítes and Deafness, Am. J. Ophtalmol. 49:1017, 1960.
3. COGAN,D.G. - Syndrome of nonsyphilitic interstitial keratites with vestibuloauditory symptoms. Arch. Ophth. 33: 144-149,1945.
4. HARRIS, A.W., SYNCH, G. & WAND O'HARE, J.P. - Periarteritis nodosa, Arch. Intern. Med 63: 1163, June 1939. 5. BECKMAN,H. & TROTSKY, Mab - Cogan's Syndrome Treated With Oral Glicerine. Arch. Otolaryngol. 91: 179, 1970.
6. COGAN, D.G. & SULLIVÀN,J.W.R. - Imunologic study of' nonsyphilitic interstitial keratitis with vestibuloauditory symptoms. Am. Journal OphMalm. 80: 491, 1975.
7. FERGUSON R.H. & WORTHINGTON, J.W. - Recent advances in rheumatoid diseases, 1967 through 1969: Annals of Internal Medcine,73: 1 July 1970.
8. WOLFF, D. et al. - The Pathology of Cogan's Syndrome Causing profund Deafness. Trans. Amer. Otol. Soc. 53: 94-109, 1965.
9. HAYNES, B. F et al. - Cogan Syndrome: Studies In thirteen patients long-term follow-up, and a review of the líterature, Medcine Baltmore,59: 426-441, 1980.




1 - Professor Assistente no Departamento de Otorrinolaringologia da Fac. de Mediéina da Santa Casa de São Paulo
2 - Residente do 34 ano no Departamento de Otorrinolaringologia da Fac. de Medicina da Santa Casa de São Paulo
3 - Residente do 34 ano no Departamento de Otorrinolaringologia da Fac. de Medicina da Santa Casa de São Paulo

Trabalho realizado no Departamento de Otorrinolaringologia da Fac. de Medicina da Santa Casa de São Paulo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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