INTRODUÇÃOGranulomatose de Wegener (GW) é uma vasculite sistêmica granulomatosa que se caracteriza por comprometer vias aéreas superiores e inferiores, ao lado de quadro de glomerulonefrite. Observa-se ainda a presença de anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), no seu padrão clássico, em 90% dos pacientes com doença multissistêmica ativa.
Esta doença foi primeiramente descrita por Klinger, em 1931, e sistematizada por Friederich Wegener, em 1939. Sua etiologia é desconhecida, não havendo predomínio de sexo. Sem tratamento, a evolução é fatal.
A mucosa nasal é freqüentemente envolvida na GW, que, por sua localização anatômica, é de fácil acesso para biópsia. Cabe ao especialista a atenção para o diagnóstico precoce da enfermidade.
Neste relato mostramos um caso de granulomatose de Wegener, que se iniciou por manifestações nasais, e ressaltamos a importância do diagnóstico precoce por parte do rinologista.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICOM.C.P., com 48 anos de idade, do sexo feminino, branca, iniciou seu quadro clínico em setembro de 1995, com história de sinusites de repetição. À rinoscopia anterior, mostrava mucosa nasal com edema e hiperemia, além da presença de exsudato purulento nos meatos médios, bilateralmente. A tomografia computadorizada revelava velamento maxilo-etmoidal bilateral.
Os exames laboratoriais mostravam Hb: 11 g/dl; Ht: 32%; leucócitos: 19.900 cels./mm3 (30% de linfócitos e 5% de eosinófilos); VHS: 49 mm na primeira hora (Westergreen) e creatinina: 1,0 mg/dl.
Em janeiro de 1996 foi submetida a sinusectomia maxilar pela via cirúrgica de Caldwell-Luc, acompanhada por etmoidectomia transmaxilar bilateral (técnica de Ermiro de Lima). O exame anatomopatológico do material intra-operatório revelou processo inflamatório crônico, com esboço granulomatoso perivascular, e extensas áreas de necrose (Figura 1). Apresentava ainda ANCA positivo (anticorpos anticitoplasma de neutrófilos) com padrão citoplasmático clássico, o que confirmou diagnóstico de granulomatose de Wegener. Foi iniciado tratamento com co-trimoxazol (sulfametoxazol/trimetoprima) e prednisona; e, posteriormente, introduziu-se ciclofosfamida, em decorrência do comprometimento sistêmico apresentado.
DISCUSSÃOO diagnóstico da granulomatose de Wegener pode ser somente clínico, histopatológico, ou clínicopatológico. A biópsia nasal pode fornecer o diagnóstico histopatológico sem que se tenha de esperar evidências do comprometimento de outros órgãos pela doença³. Neste relato, o diagnóstico através da mucosa nasal antecedeu o comprometimento sistêmico. O ANCA padrão clássico, associado à doença, já está bem estabelecido é sua especificidade pode variar de 67 a 98%1, 2, 3, 4.
Figura 1. Processo inflamatório crônico com esboço granulomatoso perivascular e extensas áreas de necrose.
A fossa nasal é o lugar de eleição para biópsia. Primeiramente, a facilidade de acesso é muito maior se comparada à biópsia pulmonar ou renal. Por outro lado, é nas vias respiratórias altas que mais freqüentemente se encontram as lesões da GW", 1,'. O trato respiratório alto está envolvido em mais de 90% dos pacientes e muitos destes antecedem o envolvimento pulmonar em meses ou até anos1, 4.
Devem ser levados em consideração outras formas de envolvimento otorrinolaringológico além da sinusite: otite média secretora, rinorréia persistente, insuficiência respiratória nasal, epistaxes de repetição e lesões subglóticas4. Mesmo em outros lugares de comprometimento otorrinolaringológico, tais como doença otológica e paralisia do nervo facial, a biópsia nasal tem sido recomendada para o diagnóstico (Fenton e O'Sullivan,1994)2.
Varella e colaboradores confirmam índices de certeza de diagnóstico de GW de 100% dos casos por biópsia nasal no período de 1989-19924. Del Buono e Flint, ao estudarem o valor diagnóstico da mucosa nasal em GW em 30 amostras de 17 pacientes, encontraram uma freqüência de 53% de positividade. Os achados incluíam a presença ou não de vasculite granulomatosa, infiltrado neutrofílico e linfoplasmocitário misto, necrose e ulceração da mucosa nasal.
O prognóstico desta doença é mau em pacientes sem tratamento. A evolução habitualmente é letal, com sobrevida média de cinco meses. A mortalidade no primeiro ano após o diagnóstico é de 82%, chegando até a 90% ao fim de alguns anos. Após a instituição do tratamento com ciclofosfamida e prednisona, alcançou-se remissão completa em 93% dos casos, com a sobrevida chegando a ser maior do que 10 anos4.
CONCLUSÃOEm vista do exposto, conclui-se que a mucosa nasal é local de eleição para biópsias quando há suspeitas de granulomatose de Wegener, tanto pela facilidade de manejo do cirurgião quanto pela freqüência e incidência de lesões em vias aéreas nesta patologia. A precocidade do diagnóstico é comprovadamente maior através de biópsias da mucosa nasal. Além disso, evitar-se-ia a necessidade de técnicas mais agressivas, como a biópsia pulmonar ou renal. Consideramos que é da alçada do otorrinolaringologista tanto a suspeita diagnóstica precoce quanto a colheita de material para biópsia. A precocidade diagnóstica interfere diretamente com a evolução da patologia: quanto mais cedo iniciar-se a terapêutica, tanto maiores serão as possibilidades de sucesso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS1. GRANADOS, R.; CONSTANTINE, N. M.; CIBAS, E. S. - Nasal scrape cytology in the diagnosis of Wegener's granulomatosis. Acta Cytol. 1994; 38: 463-466.
2. HERN J. D.; HOLLIS, L. J.; MOCHLOULIS, G.; MONTGOMERY, P. Q.; TOLLEY, N. S. -Early diagnosis of Wegener's granulomatosis presenting with facial nerve palsy. J. Laryngol. Otol., 1996; 110: 459-461.
3. MATSUBARA, O.; YOSHIMURA, N.; DOI, Y.; TAMURA, A.; MARK, E. J. - Nasal biopsy in the early di-agnosis of Wegener's (Pathergil) granulomatosis. VircbowArcb. 1996; 428: 13-19.
4. VARELLA, A. S.; RAMÍREZ, A. L.; BELTRÁN, I. M.; SOTO, N. G.; CABALLERO, T. L. - Granulomatosis de Wegener. Anales O.R.L. Iber Am XXI. 1994; 21: 231-245.
* Residente de 1° Ano da Clínica de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA, São Paulo /SP.
** Residente de 3° Ano da Clínica de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Pauto.
***Chefe de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital CEMA, São Paulo /SP.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA (Rua Oratório, 1369 - Mooca - 03117-010 São Paulo /SP). Apresentado no VII Congresso Brasileiro de Rinologia e Estética da Face e I Congresso Centro-Brasileiro de Otorrinolaringlogia, de 31 de julho a 2 de agosto de 1997, em Goiânia /GO.
Artigo recebido em 11 de agosto de 1997. Artigo aceito em 5 de abril de 1999.