ISSN 1806-9312  
Quarta, 27 de Novembro de 2024
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1521 - Vol. 51 / Edição 4 / Período: Outubro - Dezembro de 1985
Seção: Artigos Originais Páginas: 16 a 25
O SISTEMA DE FIBRAS ELÁSTICAS E SUA PARTICIPAÇÃO NO LIGAMENTO ANULAR E NA MEMBRANA DA JANELA REDONDA
Autor(es):
ANTONIO DE SOUZA-1
AUGUSTO CESAR DA CRUZ-2
BERENICE TAVARES XAVIER VILELLA-3
GERSON COTTA PEREIRA-4

Resumo: As fibras elásticas são conhecidas e identificadas nas paredes dos vasos sangüíneos e outros tecidos desde o século passado; seu papel na elasticidade dos vasos e outros órgãos - como a pele humana - é bem conhecida Outras fibras, como as oxitalânicas e as elaunthicas, conhecidas mais recentemente, formam com as fibras elásticas uma família de fibras do tecido conjuntivo, conhecidas como sistema elástico. Através de métodos seletivos de coloração das fibras do sistema elástico, para micinscopia óptica, foi possível demonstrar a existência de fibras elaunínicas no ligamento anular (interfnha da articulação estapediovestibular) e de fibras elásticas na membrana da janela redonda.

Introdução

Unna (1891), usando a orceína, foi o primeiro a demonstrar as fibras elásticas na parede dos vasos sangüíneos. Outros métodos foram posteriormente introduzidos, tais coma fucsina-resorcina (Weigert, 1898), hematoxilina férrica (Verhoeff, 1908) e aldeído-fucsina (Gomori, 1950), com o objetivo de revelar as fibras elásticas nos tecidos.

No entanto, em 1958, Fullmer e Lillie descreveram, em ligamento periodôntico humano, a presença de fibras com características tintoriais semelhantes às das elásticas, mas que desempenham alta resistência a forças mecânicas.
Esses autores demonstraram que as fibras oxitalânicas eram diferentes das elásticas, colágenas e reticulares; podiam ser evidenciadas com os métodos da resorcina-fucsina, da orceína e do aldeído-fucsina, somente após a oxidação; e não se coravam pelo método da hematoxilina férrica e nem pelo método do orcinol-neofucsina. A denominação de "bxitalânicas" dada a essas fibras referia-se a alta resistência a tratamento com solução de ácidos.

Em 1965, Gawlik, através do estudo de aortas de fetos humanos e récém-natos, pôde observar que as fibras que tinham características de fibras oxitalânicas modificavam-se paca um tipo intermediário de fibras, que passavam a corar sem pré-tratamento com ácido paracético ao serem utilizadas as técnicas de aldeído-fucsina, resorcizla-fucsina e orceína, o que continuavam a ser negativas aos métodos de Verhoeff e orcinol neofucsina. A este tipo de fibras, Gawlik denominou fibras elaunínicas, as quais eram substituídas pelas fibras elásticas formando-se, finalmente, as três lâminas elásticas. Este estudo ontogenético foi o primeiro passo para a compreensão da elastogênese.



Figura 1 - Esquema representando o ouvido médio e a cóclea (parcialmente descurolada). As fibras indicam a direção das ondas de pressão. A. Rampa vestibular. R Rampa timpânica. Q,Rampa média. D. Estriba E. Janela redonda F. Helieotrema.




Os estudos de Cotia-Pereira e cols. (1976, 1977) em pele humana normal sugeriram que o processo da elastogênese pode sofrer uma interrupção, em uma das etapas, resultando a permanência, na vida adulta, de uma fibra em estado imaturo, quer sob a forma de fibra oxitalânica ou de fibra elaunínica.

As fibras oxitalânicas são formadas por faixas de microfibrilas tubulares com 10 a 12 rim de diâmetro e as fibras elaunínicas constituem-se de feixes de microfibrilas semelhantes, contendo material amorfo de permeio. As fibras elásticas se formam por menor quantidade de tais microfibrilas, às quais estão circundando uma maior quantidade de material amorfo.

A demonstração definitiva de que as fibras oxitalânicas não possuem o material amorfo das fibras elásticas surgiu com a utilização da fixação com glutaraldeído e dcido tânico (Cotia-Pereira, 1976b); foi descrita, também, a ultra-estrutura das fibras oxitalânicas em pele humana normal (Cotia-Pereira e cols., 1976).

Esses achados ultra-estruturais não só corroboraram como também complementaram os dados obtidos por outros autores (Fahrenbach e cols., 1966; Greenlee e cols., 1966; Takagi e Kawase, 1967; Ross e Bornstein, 1969, 1971; Albert, 1972; Boodley e Wood, 1972; Ross, 1973), ficando estabelecido que as microfibrilas tubulares constituem o primeiro componente a surgir na elastogênese. O componente amorfo, a elastina, é acrescentado finalmente para formar a fibra elástica madura. Em nossos dias as fibras oxitalânicas, elaunínicas e elásticas representam o que alguns autores chamam de sistema de fibras elásticas (Cotia-Pereira e cols. 1976).

Existem, no entanto, grandes evidências de que do ponto de vista ontogenético e filogenético haja um processo gradativo de substituição nesse sistema de fibras.

No presente trabalho, procurou-se estudar, em mamíferos (coelho), a presença das fibras do sistema elástico, na articulação estapediovestibular do ouvido médio (ligamento anular) e na membrana da janela redonda, ou janela da cóclea, objetivando correlacionar a natureza das fibras encontradas com a sua função.

Material e métodos

Foram sacrificados vários animais sob anestesia profunda com éter e deles retirada parte da calota craniana, assim como o encéfalo. Os ossos temporais foram extraídos e mergulhados imediatamente em formol neutro a 10%, a 4°C, durante 72 horas, para a fixação. Em seguida procedeu-se à descalcificação em ácido nítrico a 5%.

O material foi seccionado em fragmentos menores, de modo a permitir cortes histológicos ao nível da janela oval e redonda. Os fragmentos foram desidratados em concentrações crescentes de etanol, clarificados em xilol e incluídos em parafina. Os blocos foram seccíonados em micrótomo American Optical, modelo Spencer, e cortes de 5 a 6 gm foram corados pela técnica da hematoxilina-eosina e por técnicas seletivas, para evidenciação das fibras do sistema elástico (hematoxilina férrica, resorcina-fucsina com e sem oxidação prévia) (Quadro 1). As fotomicrografias foram obtidas em microscópio Carl Zeiss Jena NU 2, com uso de filme Panatomic X de 32 ASA.



Figura 2a - Esquema representando o estribo e suas relações com a janela oval.


Quadro 1



Coloração pela hematoxilina-eosina

Os cortes foram desparafinados em xilol, hidratados em soluções decrescentes de etanol e corados pela hematoxilina de Delafield, durante dois minutos. A seguir, foram lavados em água por cinco minutos e corados pela eosina durante três minutos. Depois de lavados rapidamente em água, foram desidratados em etanol, clarificados em xilol e montados com lamínula, usando-se bálsamo-do-Canadá.




Figura 2b - Fotomicrografia de corte em parafina do estribo de coelho adulto, onde se observa a articulação de sua base com a janela oval. Coloração pelo método da resorcina fucsina 360 X.



Figura 3 - Fotomicrografia de corte em parafina da articulação estapediovestibular de coelho apresentando nas superfícies articulares um tecido cartilaginoso e o espaço articular preenchido por fibras interfaciais H.E. 1.500 X.



Método da hematoxilina férrica (Verhoeff, 1908)

Os cortes foram desparafinados em xilol, hidratados em soluções decrescentes de etanol e corados em solução de Verhoeff (1 g de hematoxilina, 20 ml de etanol absoluto, 8 ml de solução aquosa a 10% de cloreto férrica, 8 ml de solução concentrada de lugol) por 10 minutos. A diferenciação foi feita em solução aquosa de cloreto férrico a 201o e, logo após, os cortes foram levados para etanol a 95% (para retirar o excesso de lugol), lavados em água e mergulhados em solução de ácido pícrico saturada (10 segundos para coloração de fundo). Os cortes foram desidratados em etanol, clarificados em xilol e montados em bálsamo-do-Canadá.

Método da resorcina fucsina (Weigert, 1898)

Os cortes foram desparafinados em xilol, hidratados em mudas de etanol absoluto e etanol a 90%, oxidados (ou não) e corados durante 60 minutos em solução de Weigert (2 g de fucsina básica, 4 g de resorcina dissolvidos em 200 ml de água em ebulição, após o que adicionou-se 25 ml de solução aquosa a 30% de cloreto férrico e deixou-se ferver durante dois a cinco minutos, filtrando-se e dissolvendo-se o precipitado, sem lavar, em 200 ml de etanol a 90% aquecido; após o resfriamento, juntaram-se 4 ml de ácido clorídrico concentrado). Os cortes foram lavados em álcool a 90%, em água, e mergulhados em solução de orange G a 0,5% por 20 segundos, para a coloração de funda Foram desidratados em etanol, clarificados em xilol e montados com lamínula em bálsamo-do-canadá.



Figura 4 - A coloração pela hematoxilina férrica mostrou-se negativa.



Figura 5 - Observar a presença de fibras elaunínicas interfaciais Coloração pelo método da resorcina-fucsina sem oxidação.




Técnica de oxidação pela oxona (Fullmer e cols., 1974)

A oxidação dos cortes com o objetivo de evidenciar fibras oxitalânicas foi feita em solução de oxona a 10% (monopersulfato de potássio) durante 40 minutos. Os cortes foram então corados pelo método de Weigert.

Resultados

A coloração pela hematoxilina férrica mostrou-se negativa tanto nas fibras interfaciais do ligamento anular como no reforço conjuntivo periarticular.



Figura 6 - Observar a positividade adicional, em relação à Fig. 5, na matriz cartilaginosa, representada pelas fibras oxitalânicas (setas) perpendiculares às superfícies articulares, e o reforço de intensidade das fibras interfaciais Método da resorcina fucsina após oxidação com oxona. 1.500 X.



Figura 7 - Fotomicrografia de corte em parafina da janela redonda de coelho. Observar a positividadë de coloração pelo método da hematoxilina férrica na membrana da janela redonda. 1.200 X.



O método da resorcina-fucsina revelou a presença de fibras no reforço conjuntivo tanto da face voltada para a rampa vestibular como da cavidade do ouvido médio. Além disso, as fibras interfaciais (interlinha da articulação) se mostraram positivas.

Após a oxidação com oxona, o método da resorcina-fucsina forneceu uma positividade adicional na matriz cartilaginosa em fibras que se dispunham perpendicularmente às superfícies articulares e convergiam para as fibras interfaciais.

Em vista disso, pode-se admitir que no coelho a articulação estapediovestibular constitui-se de um ligamento formado por fibras elaunínicas que se inserem nas superfícies articulares através de fibras oxitalânicas, as quais penetram profundamente na matriz cartilaginosa.

A membrana timpânica secundária que oblitera a janela redonda tem a porção intermédia formada por tecido conjuntivo fibroso, rico em fibras elásticas (método da hematoxilina férrica), a face relacionada ao ouvido médio revestida pela mucosa e a face interna por tecido conjuntivo do espaço perilinfático (Vilella e Cotta-Pereira, 1975).

Discussão e comentários

Analisando-se os resultados obtidos, e resumidos no Quadro 2, observou-se que:
a. Na articulação estapediovestibular, dos animais em estudo, participam fibras elaunínicas, que unem as duas superfícies articulares cartilaginosas, constituindo uma sindesmose (De Souza e cols., 1982).

b. O método da hematoxilina férrica sendo negativo nas principais regiões estudadas da articulação sugere a inexistência de fibras elásticas na constituição do ligamento.

c. As fibras oxitalânicas são observadas em locais onde seguramente oferecem mais resistência mecânica do que elasticidade.


Quadro 2



Reconhece-se na membrana da janela redonda uma estrutura móvel, elástica e flexível, que permite a descompressão e deslocamento da perilinfa, movimentada pela excursão da platina do estribo ao nível da janela oval.

A diferença de tempo existente entre o período de compressão perilinfática, na rampa vestibular, e o de descompressão na rampa timpânica permite o estabelecimento da diferença de fase entre as duas janelas, fenômeno importante na fisiologia do ouvido interno (Lasmar e cols., 1983).

Summary

The elastic system fibers (elastic, elaunnin and oxytalan fibers) have been studied in mammal tissues and in other groups of animais. The present study realized in rabbits was made in other to identify elastic system fibers in the annular ligament and round window's membrane. At the light-microscope, paraffin-sections of formalin fixed and paraffin-embedded temporal bones were stained with specific methods for elastic tissue. Annular ligament were distinctly stained by weighert's method and, since the same fbers were not demonstrated by verhoeffs method, this indicates that they are elaunnin fibers. Elastic fibers were observed in the round window's membrane. It would be interesting to study the siological role of this specific pattern of elastic related fibers distribution in the annular ligament and round window's membrane. The oval window frames the base of the stapes and is the entry point of acoustic energy into the inner ear. The adjacent round window is at the end of the scala tympanit its thin membranous covering allows partial dissipation of energy from the inner ear. In the annular ligament the absence of elastic fibers and the presence of elaunnin fbers suggesis that a modulation of elasticity is required by its particular physiology in the inner ear.

Referências

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Trabalho realizado com auxílios do CNPq, Instituto de Biofísica da UFRJ e Serviço de Anatomia Patológica do HU-UFRJ.

1 - Médico - 2.° Ano do Ciclo de Aperfeiçoamento em ORL da Clínica Professor José Kós.
2 - Médico do Departamento de Audiologia da Clínica Professor José Kós.
3 - Professora Adjunta de Histologia e Embriologia - ICB e UFRJ.
4 - Professor Titular de Histologia e Embriologia - UFRJ, UERJ, ECMVR e EOVR.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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