(IV)
INFECÇÕES FOCAIS
DIAGNÓSTICO E LOCALIZAÇÃO POR SINTOMAS SUBJETIVOS
Os sintomas dolorosos e molestos produzidos pelas inflamações agudas das mucosas do nariz e garganta, denotam quase sempre defesas naturais lutando energicamente contra a penetração de micróbios, sendo, por isso, de favorável augúrio, apesar do sofrimento que causam. Faltando ou sendo deficiente essa resistência, a infecção torna-se crônica e, embora os sintomas locais na garganta ou no nariz sejam pouco incomodos, nem por isso cessa a luta do organismo contra a infecção, que se desloca para outros pontos, dando lugar a manifestações tóxico-infecciosas, que, pelas diversidade de localizações e diferença de intensidade, se confundem com moléstias independentes. São, entretanto, "infecções focais", causadas por toxinas das bactérias albergadas nas amígdalas, nos sinus, e nos dentes, que lhes servem de "viveiros", estes, por tal motivo, chamados "focos infecciosos" ou "focos de infecção".
São várias as regiões do corpo em que se podem formar focos de infecção; ocupar-nos-emos somente daqueles que se localizam nas amígdalas, sinus e dentes, que são, aliás, os mais freqüentes e importantes.
Vogel (1), em modesto mas notável livrinho, considera necessárias as seguintes condições para que se forme um foco de infecção: a) isolamento do exterior ou das superfícies internas; b) pobreza de vascularização, constituindo obstáculo à atuação das defesas naturais, a fagocitose, em primeiro lugar; c) isolamento, não completo (êste traria imunidade para o organismo), com períodos intercalados de exacerbação e normalidade. Essas condições realizam-se de modo ideal nas raízes de dentes parcialmente obturadas, as quais constituem verdadeiros tubos de cultura. As criptas internas das amígdalas, os granulomas dentários e as células isoladas do etmóide são outros locais favoráveis à formação de focos.
Causa freqüente da formação de focos infecciosos é a resistência oposta à passagem dos fagócitos, seja por espessamento da parede dos capilares, geralmente provocada por desvios da dieta alimentar, seja por diminuição do índice opsônico, motivada pela prática de higiene mal compreendida, conto expusemos em nossa Tese de 1947 e em artigo de divulgação, publicado na revista se manal "O Cruzeiro", sob o título "Comer errado e higiene mal compreendida" (número de 30-V-1953). O artigo era destinado à divulgação popular, e não levou nossa assinatura por ter sido endossado pela Cátedra de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Achamos, em homenagem ao ilustre Catedrático, Prof. A. de Paula Santos, ser de boa ética dispensar nossa assinatura. Reproduzi-lo-emos, contudo, nesta revista, como um dos capítulos (VI) desta série "Capilares do sangue e otorrinolaringologia".
As manifestações que os focos de infecção produzem à distância (sinais clínicos de infecção focal) apresentam-se com características que permitem, na maioria dos casos, a respectiva localização, como passamos a expor.
a) SINAIS CLÍNICOS PRODUZIDOS POR INFECÇÃO FOCAL LOCALIZADA NAS AMÍGDALAS
Apresentando-se as amígdalas aumentadas de volume (amigdalite hipertrófica) ou de coloração avermelhada vinosa, em lugar do rosa pálido normal (amigdalite crônica) (2) ou, ainda, se, comprimidas, expulsarem pús ralo ou rôlhas caseosas de mau cheiro e com aspecto de um grão de arroz (amigdalite caseosa), são sintomas objetivos que ainda induzem a considerá-las como focos de infecção e a justificar sua extirpação. Os insucessos, porém, das amigdalectomias feitas com essas vagas indicações continuam, infelizmente, a ser em número elevado (3).
A nosso ver, tais casos de insucesso poderiam ser reduzidos com a pesquisa dos sintomas clínicos de infecção focal amigdaliana, mencionados em seguida e com sua confirmação objetiva, da qual trataremos no capítulo seguinte (V).
São os seguintes os sintomas clínicos de infecção focal amigdaliana que nem sempre se verificam ao mesmo tempo, sendo claro que, quantos mais forem encontrados, tanto maior será a probabilidade da confirmação de foco infeccioso nas amígdalas e, conseqüentemente, a necessidade de sua remoção cirúrgica:
1) Pigarro, para "limpar" a garganta e "tossezinha séca", de garganta, tão incômodos que alguns recorrem ao especialista para evitá-los, não somente por si, como para não molestar aos outros. - 2) Facilidade de velar-se a voz, se dela se faz uso mais prolongado ou mais intenso do que de costume, não havendo anormalidade nas cordas vocais. - 3) Ocorrência freqüente de laringites crônicas, inclusive laringites unilaterais, difíceis, às vêzes, de distinguir das laringites tuberculosas e dos tumores malignos incipientes (4). - 4) Babar no travesseiro, durante o sono (5). - 5) Zoadas. - 6) Febrículas. - 7) Sensação de estar o pescoço quente ou engrossado, como se o colarinho estivesse apertando. - 8) Azia, quase sempre atribuída pelo doente a algum fator alimentar. - 9) Tonturas, de pouca intensidade, mais freqüentes logo após o levantar. - 10) Contrações fibrilares, sobretudo nas pálpebras e músculos da- face. - 11) Dores reumáticas, quando muda o tempo, sendo mais atingidos os joelhos que outras articulações (6) - 12 Dores de cabeça. - 13) Neurites. - 14) Palpitações e dores na região precórdial, quando em repouso no leito (êste sintoma e os dois precedentes são manifestações reumáticas). - 15) Cansaço ao levantar, mesmo em seguida a bom sono. - 16) Nefrite.
É, até certo ponto, freqüente crescerem de novo amígdalas operadas radicalmente e com perícia. Em alguns casos, chegam a dar a impressão de nunca terem sido operadas, de tal modo se refazem; em outros crescem até à metade (7). Na maioria dos casos, porém, o tecido linfóide neoformado tem a forma de granulações do tamanho de um grão de arroz ou pouco maiores, ocupando o polo inferior da loja amígdaliana. São essas pequenas granulações, mais do que a reconstituição de metade ou de toda a amígdala, que se infeccionam com freqüência, produzindo gânglios de reação no ângulo do maxilar ou sob a mandíbula, e que reproduzem alguns dos sintomas clínicos de infecção focal por cuja causa a amígdala fôra operada. Sobretudo o reumatismo pode ser ocasionado por essas pequenas recrudescências do tecido linfóide.
Em menor número de casos, a amígdala lingual se hipertrofia, voltando ramificações para o polo inferior e, às vêzes, para a parte posterior do rebordo da língua. Em um caso de hipertrofia do tecido linfóide do rebordo da língua, vimos reproduzirem-se as mesmas neuralgias do trigêmio, lado direito, e reumatismo nos joelhos. Êste último tinha desaparecido um mês após a operação das amígdalas.
Como se vê, a reprodução do tecido linfóide pode ser feita com rapidez; em geral, porém, leva de quatro meses a um ano, daí nossa norma de examinar o operado uma semana, um mês, quatro meses e um ano após a tonsilectomia, só então lhe dando alta. Se houver crescimento de granulações linfóides nos primeiros meses, será fácil eliminá-las por galvano-cauterização; mais tarde, exigirão, pelo seu tamanho, nova operação, embora, naturalmente, pequena. Não raro encontra-se na anamnése pregressa dos pacientes, a operação de apendicite.
A inflamação crônica da amígdala lingual é outra causa de "pigarro de garganta". Produz mau hálito, às vêzes intenso, que desaparece com o uso de pequena escôva de dentes (8). No consultório, nos servimos de aparelhos de sucção, utilizados, também, para as amigdalites caseosas, cujo mau cheiro, aliás, é mais sentido pelo próprio paciente que percebido pelos outros.
Veremos, em capítulo subseqüente, que o estímulo da fagocitose provocado nas amígdalas faz desaparecer esses sintomas (9), constituindo, assim, elemento objetivo de confirmação do diagnóstico clínico de foco amigdaliano.
b) SINAIS CLÍNICOS PRODUZIDOS POR INFECÇÃO FOCAL LOCALIZADA NOS SINAS PARANASAIS
Ao contrário da mucosa nasal, da qual é continuação direta, a mucosa que reveste as cavidades nasais acessórias tem vascularização pobre, condição necessária para a formação de focos infecciosos. Concorrendo outra condição - isolamento parcial do meio exterior - os sinus infectados podem, sem dificuldade, passar a constituir focos de infecção, como se observa, sobretudo, com as células etmoidais.
De fato, o osso etmoidal é dividido em células quase isoladas e revestidas por mucosa mais fina que a dos outros sinus - mucosa frouxa e particularmente acessível à inflamação serosa de Rossle, que é verdadeiro meio de cultura; isto explica porque, dentre as sinusites crônicas, sejam as etmoidites as que mais amiude se transformam em focos infecciosos.
Aliás, a etmoidite é a mais freqüente das sinusites, pelo menos na cidade de São Paulo, conforme verificamos em três anos de pesquisas em cadáveres de vitimados por morte súbita ou violenta (10). Mesmo a rinite aguda, pelos sintomas subjetivos e objetivos, é, quase sempre, uma etmoidite.
A etmoidite crônica determina, quase sempre, sinais clínicos bastante característicos, como se verá em seguida.
1) - Nas crianças acima de um ano e nos adolescentes, observa-se pequeno alargamento da parte superior do nariz, provavelmente pela reação inflamatória do perióstio dos ossos próprios do nariz. Visto de frente, o dorso do nariz parece levemente "engrossado", lembrando um pouco o que acontece em alguns casos de ozena.
2) Entupimento nasal freqüente, sobretudo à noite, fazendo com que o paciente acorde de bôca sêca. O ronco do sono não indica obstrução nasal, pois é possível, roncar mesmo com a bôca fechada, pela vibração do palato mole (11). Pequenos edemas da mucosa do meato médio, principalmente nos bordos, anterior e inferior da concha média, são causa freqüente dessa obstrução e de perturbações no olfato (12). Quando a rinoscopia anterior revela permeabilidade nasal em desacôrdo com queixa de forte obstrução nasal, a suspeita é de existência de uma etmoidite. A instilação, no nariz, de uma gota de cocaína em solução a 20%, previamente desintoxicada, determinando retração intensa e quase imediata da mucosa nasal, permitirá fácil inspeção da região do meato médio, onde, o mais das vêzes, encontraremos, como sinal de etmoidite crônica, ligeiro edema da mucosa nos bordos anterior e inferior da concha média e da mucosa que recobre as células etmoidais anteriores. Na mucosa das células etmoidais, o edema é mais pronunciado que nos rebordos da concha média e somente poderemos vê-la depois da instilação de pequena quantidade de cocaína, quanto baste para retrair a mucosa vizinha.
3) Formação de pequenas crostas na entrada do nariz (moucas ou meleca), incomodando e necessitando remoção digital. Antes de ralhar com as crianças que a praticam, é mais acertado examinar-lhes o nariz.
4) Formação de secreção levemente purulenta, sobretudo no canto dos olhos (remela, lasanha), raramente ocasionando, pela sua maior quantidade, oclusão das pálpebras pela manhã (13)
5) Hiperemia da conjuntiva ("olhos vermelhos").
6) Sensação de areia no "grão" do olho.
7) Resfriados freqüentes, com anasalamento da voz.
8) Dores no "bloco central" da cabeça (o doente, para indicar essa região, segura a parte superior do nariz, próxima à testa, com o polegar e o dedo médio em um gesto que, por si, é já um diagnóstico) ou simples obstrução nasal, causada por exposição ao sol ou, mesmo, por solavancos em veículos. Nas exacerbações agudas, o simples descer se uma escada provoca dores no "bloco central", sobretudo em senhoras que usam salto muito alto. Jules Bordet verificou experimentalmente que, entre os micróbios, os estreptococos são dos mais resistentes à fagocitose, chegando a permanecer em estado de vida latente no interior dos próprios fagócitos, de modo que, quando estes se enfraquecera, como em seguida a um traumatismo, soltam-se e recomeçam a infecção; isto se verifica na recidiva da erisipela repetente, cujo agente é exatamente o estreptococo (11). Não nos foi, ainda, possível verificar se o estreptococo é o agente etiológico das sinusites crônicas ou subagudas, que facilmente se exacerbam com traumatismos, com subir e descer escadas, com a simples exposição da cabeça, ou, mesmo, somente da nuca, ao sol ou ao mormaço. Observamos, muitas vêzes, que traumatismos fortes e diretos na cabeça, além da exacerbação de sinusites, podem desencadear desgovêrno capilar até então latente.
A verificação de estreptococos nas sinusites seria interessante para a prescrição de antibióticos. Tal interêsse cresce de vulto quando se adverte que nem todas as sinusites pioram com traumatismos e que o agente etiológico de cêrca de 60% das sinusites é o estafilococo (15).
9) Preguiça mental, impedindo atenção à leitura. As vêzes, a incapacidade de concentrar a atenção estende-se à conversação. Diminuição de memória, esquecimentos, distrações, podem também ocorrer, assim como alteração no caráter e, até, psicose (16).
10) Catarro retronasal. Provém das células etmoidais posteriores, que são menos numerosas, porém mais volumosas do que as células anteriores e cuja abertura natural (drenagem) encontra-se no meato superior (11), a secreção escoando para trás. Por esta razão, o portador de etmoidite raramente se assoa para se livrar das secreções patológicas, ao contrário do que sucede nas infecções dos sinus com abertura dirigida para a frente, para as narinas, como o sinus maxilar, o sinus frontal e, mesmo, as células etmoidais anteriores. A secreção etmoidal, geralmente de pequeno volume, acumula-se, sobretudo durante o sono, na rinofaringe, de onde o paciente a expele com pequenos movimentos de sucção, bastante característicos: o ar é aspirado com força pelo nariz, fechada às vêzes uma das narinas, cerrada a bôca e contraídos os pequenos músculos do palato mole (veu do paladar) ; assim, desprega-se o catarro da rinofaringe, que é cuspido em placas de côr amarelo-esverdeada, ou de côr e consistência que lembram as de uma clara de ovo, provocando, não raro, sensação de nojo no próprio paciente (vomitus matutinus). Realmente, se a mímica e o ruído são, por si, desagradáveis, é repugnante o catarro purulento lançado para fora, motivo pelo qual, raramente, tal sintoma é confessado na anamnese, sobretudo, pelas mulheres. Puxar o pigarro retronasal é tido como índice de má educação, mas é índice clínico precioso, porque chama, desde logo, a atenção para a parte posterior do nariz. A neurite óptica pode ser resultado de infecção das células posteriores do etmóide, que estão em vizinhança imediata com a porção ântero-interna do canal óptico e com o nervo nele contido (18).
11) Irritabilidade, bastante acentuada.
12) Diminuição da audição, sempre mais pronunciada no lado em que a inflamação nasal é mais acentuada. A insuflação de ar no ouvido, por meio do cateter (ou sonda) de Itard, traz melhoria acentuada, embora passageira, permitindo ao especialista animar o doente quanto à recuperação da audição. Na otosclerose, que, no início e por algum tempo mais, se assemelha ao catarro do ouvido médio, a insuflação de ar pelo catéter não traz melhoria alguma na audição, podendo, até, agravar a surdez, se nela se insistir.
Nas crianças, sobretudo nas latentes, manifestam-se otites (ver pág. 13).
13) Azia e reumatismo são menos freqüentes do que nas amigdalites e seu lugar de predileção é a articulação atlanto-occipital (sinal de Cardarelli).
14) Laringites, com alterações sobretudo na parede posterior da laringe, provocando pigarro (pigarro laringeano) análogo ao pigarro "amigdaliano", dando saída a um grumo de catarro escuro, duro, expelido com violência por "tossinha de garganta", análoga à provocada por foco amigdaliano. As laringites unilaterais subagudas eram sempre consideradas, em Viena, como suspeitas de fundo tuberculoso. Em São Paulo, são freqüentes, passando de um lado para outro. Curam-se pelo estímulo local da fagocitose, suscitado na laringe externamente, nas amígdalas e sinus nasais. Depois de dez dias de tratamento, não se pronunciando melhoria, deve ser considerada laringite específica, removendo-se, então, pequena porção do tecido para exame histológico e testes de laboratório.
Os sinus esfenoidais são menos afetados que os etmoidais (19) mas sendo quase sempre associados a estes, é mais seguro fazer o diagnóstico clínico de etmoido-esfenoidite ou sinusite posterior, em lugar de etmoidite ou esfenoidite, isoladamente. A esfenoidite, entretanto, tem, como sintoma peculiar, dor na região occipital, no mesmo lugar em que se localiza a dor produzida por insuficiência ovariana. Nas senhoras que se queixam dessa dor é, pois, importante pesquisar os sintomas de insuficiência ovariaria, sobretudo da foliculina.
Faringites são, segundo nossa experiência, secundárias às sinusites etmóido-esfenoidais; o mesmo diremos da hipertrofia dos cordões laterais da faringe. O exame da faringe fornece, pois, bons elementos sôbre o estado dos sinus posteriores, devendo estes ser tratados antes da galvano-cauterização dos botões linfáticos das faringites granulosas e da hipertrofia dos cordões laterais da faringe, causas freqüentes de tosse sêca, denominada, ainda, "tossinha de garganta" (20).
Nas crianças até um ano, a rinofaringite é extremamente comum e, ao contrário do que se verifica no adulto, pode ser afecção independente, devida à mucosa do teto da rinofaringe, que, em tal idade, além de espessa, é frouxa, tornando-se sede freqüente de inflamações serosas. Embora os sinus esfenoidais tenham, então, o volume apenas de uma cabeça de alfinete e as células etmoidais sejam, igualmente, de dimensões diminutas, podem-se produzir sinusites posteriores agudas, delas resultando rinofaringite aguda. Etmoidite supurada com complicação na órbita esquerda verificamos há doze anos, em criancinha de cêrca de 35 dias, tendo-a curado com o estímulo local da fagocitose.
Das rinofaringites agudas originam-se as OTITES, que, por sua vez, provocam manifestações TOXICO-INFECCIOSAS, da competência do pediatra. Para nós, otorrinolaringologistas, manifestam-se pelo aspecto geral peculiar às doenças graves e pela palidez típica (côr de cêra) do rosto. Mesmo na fase de forte otite aguda, a ionização do cálcio, com os electrodos aplicados sobre as fendas têrnporo-occipitais, pode produzir bons resultados, quase imediatamente; não se manifestando melhoras acentuadas no espaço de meia hora, deve-se praticar a paracentese do tímpano e fazer uso dos antibióticos; no dia seguinte, conforme a febre ou o aspecto do tímpano, renova-se a paracentese. Algumas otites agudas constituem prelúdio de pneumonia, razão porque, tendo falhado a medicação e as paracenteses, deve a criança ser reenviada ao pediatra.
Normalmente, o tecido linfático no teto da rinofaringe não interfere com a respiração da criança. Quando, porém, se repetem as inflamações, mesmo pouco intensas, elas vão, aos poucos, hipertrofiando aquele tecido. A inflamação serosa (que é como se iniciam os estados inflamatórios e infecciosos), atraindo fortemente o tecido conjuntivo, determinam a formação e crescimento, no teto da rinofaringe, de "vegetações adenóides", que terão de ser removidas cirurgicamente, uma e mais vêzes, se persistirem as causas que facilitam a infecção da rinofaringe.
A pressão no tragus, provocando dores, é um dos sinais mais práticos e mais seguros de otite nas crianças de menos de um ano. A otite provém tão regularmente da rinofaringite ou de uma sinusite posterior que a pressão do tragus, quando positiva, é, também, sinal de sinusite posterior ou de rinofaringite, como temos tido muitas ocasiões de observar em casos onde o aspecto das amígdalas e o da mucosa da faringe superior se apresentava quase normal.
Na prática, poucas vêzes temos encontrado sinais clínicos de infecção focal atribuíveis aos sinus maxilares e frontais. Depressão intensa, angústia e desassossêgo tão intensos que davam a aparência de psicose, encontramos em um caso de sinusite maxilar hiperplástica, não supurada; uma vez operada, desapareceram aqueles sintomas que já alarmavam a família. Motivo de atraso prolongado nos resultados do tratamento de catarro crônico do ouvido médio esquerdo, que parecia provir, como quase sempre, de sinusite posterior, verificamos em um caso em que o tratamento dos sinus posteriores falhou, revelando, então, a radiografia do crânio a existência de sinusite frontal. A ablação da cabeça da concha média e o alargamento do duto naso-frontal fizeram cessar imediatamente os sintomas do ouvido. Esse caso excepcional, de um sinus com drenagem anterior, como é o frontal, manter o catarro retro-nasal e causar a otite catarral, mostra como devemos estar de sobreaviso com as esquematizações em Medicina, úteis, entretanto, para fins didáticos.
c) SINAIS CLÍNICOS PRODUZIDOS POR INFECÇÃO FOCAL LOCALIZADA NOS DENTES
As infecções focais dentárias (21) podem ser, na verdade, temíveis, não só pela dificuldade de seu diagnóstico, como por sobrevirem, às vêzes, sintomas análogos aos que são produzidos por focos amigdalianos e sinusais (podendo, ainda, coexistirem os três). Recentemente, no caso de um prezado colega, sofrendo de forte ciática na perna esquerda, por estarem as amígdalas hipertrofiadas e vinosas, tratamos destas em primeiro lugar, estimulando a fagocitose. Tendo a dor apenas melhorado cêrca de meia hora, no dia subseqüente fizemos tratamento nos sinus posteriores (etmóido-esfenoidais). As melhoras se acentuaram, podendo o paciente andar sem sacrifício. As dores recomeçaram, porém, doze horas depois. Após três tratamentos dos sinus posteriores, pedimos radiografias de alguns dentes suspeitos, nada tendo sido encontrado de anormal. Ao estímulo da fagocitose juntamos, então, a aureomicina, continuando, porém, as melhoras a ter pequena duração. Novas radiografias revelaram seis dentes com granulomas, cuja extração aconselhamos imediatamente, suspendendo o tratamento. Feitas as extrações, a ciática cedeu, progressivamente, desaparecendo depois da última. Desta vez, as dores não haviam reaparecido três meses após as extrações.
O sintoma que temos visto provocado com maior freqüência por foco dentário é o de tonturas intensas, sucedendo-se a movimentos rápidos da cabeça, como acontece, às vêzes, ao mudar de posição no leito. As sinusites posteriores provocam, também, com freqüência, tonturas mais ou menos intensas. O diagnóstico diferencial pode ser feito com o estímulo da fagocitose, aplicado primeiramente num e, depois, no outro foco. A técnica para o estímulo da fagocitose será exposta no capítulo seguinte (V).
Temos observado, com freqüência, que os focos dentários determinam queixas vagas, mal explicadas, dos pacientes, pormenorizando dentes, nos quais nada revelam os exames odontológico e radiográfico. O estímulo local da fagocitose, praticado nas raízes dêsses dentes, fazendo cessar, instantaneamente, os sintomas, que, em geral, consistem em tonturas, cefaléias unilaterais e manifestações reumáticas, permite localizar o foco infeccioso principal, não revelado pelo exame clínico odontológico ou, nem mesmo, às vêzes, pelas radiografias.
Provada a existência de foco dentário, cessamos todo tratamento otorrinolaringológico. A experiência nos tem demonstrado que os benefícios colhidos com a eliminação do foco dentário, freqüentemente se estendem às regiões sujeitas à nossa especialidade (sinus, mesmo que as raizes dos dentes não lhe penetrem no interior). Por isso mesmo, temos muita cautela com as infecções dentárias, que nos podem levar, facilmente, a erros de diagnóstico.
(a continuar)
(1) K. Vogel. Die Herdinfektion im Gebiet des Hals-Nasen-Ohren-Arztes - 1940. Também nossa Tese para Livre Docência da Cadeira de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo, "Aspectos novos da Otorrinolaringologia", 1947, Pág. 164. (2) A cór vinosa dos pilares anteriores significaria infecção por estreptococos e a côr vermelha clara indicaria infecção estafilocócica. Lott, citado por F, Blumenfeld, "Akute und chronische Pharyugitis", no tratado de Denker e Kaliler, pág. 9, vol. 111, 1928. (3) Dr. A, de Oliveira Lima (Rio de janeiro), observações em 3.000 casos de amigdalectomia. Revista Paulista de Medicina, vol. 42, n.º 1, Janeiro de 1953, Pág. 72. (4) Veremos que a ionização das amígdalas com nitrato ou com mistura adrenérgica permite, quase sempre, estabelecer o diagnóstico diferencial. (5) Em certo caso, de observação durante alguns anos, períodos de forte ptialismo cessavam imediatamente com o tratamento da amigdalite crônica pelo estímulo local da fagocitose, com o uso de Vitamina C. (6) A musculatura da cintura escapular e a da região lombar são, também, localizações preferidas. As dores reumáticas lombares fazem crer ao doente estar com os rins "atacados", temor que se pode afastar, embora de maneira esquemática e sumária, quando não haja irradiação das dores lombares para as partes genitais. Nas crianças, o reumatismo nas pernas passa por "dor de crescimento". (7) "Restos" de amígdalas indicam, naturalmente, operação mal conduzida e a êles não nos referimos. (8) Salgado Filho. Revista Brasileira de Medicina, vol. I, n.º 6, junho de 1944. (9) Excetuando-se as nefrites, úlceras gástricas ou duodenaís atribuíveis, todas, à infecção focal nas amígdalas; uveites podem provir do, foco de uma sinusite posterior, bem como a nefrite. A tuberculose latente pode ter a amígdala esquerda corno porta de entrada pela comunicação direta com os vasos linfáticos do pulmão. (H. Rouvière e G. Valette "Physiologie du système lymphatique", 1937, Masson). Em tais casos está indicado o tratamento cirúrgico. (10) J. G. Whitaker. Sinusites e defesas naturais. Revista Brasileira de otorrinolaringologia, Outubro de 1942. (11) Zarniko, Die Krankheiten der rase und des Nasenracliens. 3.ª edição, 1910, pis- 91. (12) A. Passow, in Handbucll der Hals-Nasen? Oliren-Heilkunde. A. Denker und O. Kahler, vol. 11, pára. 447. (13) A vizinhança imediata do saco lacrimal com as células etmoidais anteriores mostra a via seguida pela secreção etmoidal até os olhos. Testut-Jacob. Anatomie Topographique, 1914, val. 1, pág. 420, 422, 518. Do valor clínico das moucas e lasanhas, como sinais indicativos da existência de um reservatório de infecções localizado no etmóide, tivemos recente (1954), comprovação irretorquível: uma jovem de 27 anos, sofrendo de etmoidite crônica bilateral, foi operada do etmóide, pelo método de Hajek, somente no lado direito e, pouco depois, foi somente nesse mesmo lado que não mais se formaram moucas e laganhas. (14) Jules Bordet, Traité de L'Immunite dans les Maladies Infectieuses, 2ª edição 1939, pag 253. (15) Verificar capítulo 1º deste trabalho pag. 18. (16) A incapacidade de concentrar atenção na leitura e na conservação são os sinais que mais temos encontrado. Alterações no carater e psicoses são mencionados por M. Hajek "Nebenhohlen der Nase" 5ª edição, 1926 - págs 121 e 376. (17) Testut-Jacob, obra citada, vol. I pág. 519. (18) Jules Bordet, obra citada, pág. 519. (19) J. G. Whitaker. Sinusites e defesas naturais. Págs. 491 a 501. (20) A inflamação crônica é acompanhada frequentemente de Hipertrofia do tecido linfóide, mas, histológicamente, hipertrofia simples e inflamação são distintas uma da outra. O mesmo se dá com as amígdalas, cuja hipertrofia produz alienas diminuição de espaço na garganta, não havendo sinais de infecção focal, o que tem importância máxima para o tratamento e prognóstico. C. Zarniko in Handbuch der Hals-Nasen-Ohren-Heiknde, A. Denker und O. Kahler, vol. III, Pág. 78. (21) Os estreptorocos desempenham papel predominante nas infecções dentarias. Th. Nülismann "Eutzündliche Erkrankugen der Kieferhöhle". Tratado de Denker e Kahler, vol. 11, pág. 681, 1926.
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