ISSN 1806-9312  
Sexta, 19 de Abril de 2024
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1508 - Vol. 51 / Edição 2 / Período: Abril - Junho de 1985
Seção: Artigos Originais Páginas: 23 a 32
DEFICIÊNCIA AUDITIVA NA CRIANÇA
Autor(es):
ROBERTO SALERNO 1
MARIA JOSÉ CECI 2
GRAZIANO STABLUN 3
MARINA A. CORREIA DA SILVA 4

Resumo: Num total de 3.106 casos examinados no Centro Audiológico do CEAL - Centro Educacional da Audição e Linguagem "Ludovico Pavoni", em Brasília, DF, no período de 1.° de janeiro de 1982 a 31 de dezembro de 1983, foram selecionados e analisados 1.215 casos, na faixa etária de zero a 15 anos, dos quais 782 com deficiência auditiva, procedentes do DF e de alguns Estados, tais como: Goiás, Bahia, Mato Grosso, Pará, Piauí, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas e Rondônia. As seguintes variáveis foram estudadas em tabelas de freqüência simples: grau de deficiência (leve, moderada, severa e profunda); tipo de deficiência (condutiva, neuro-sensorial e mista), faixa etária (de zero a 15 anos); sexo (feminino e masculino), causas (pré, neo e pós-natal); e origem do paciente. Os principais resultados foram: 1) A principal causa pré-natal continua sendo a hereditariedade, onde a consangüinidade contribui com 53,73%, aproximadamente, continuando a rubéola em segundo lugar com 29,85%. 2) Dentre as causas neonatais temos a prematuridade contribuindo com 57,90%. 3) Observamos, ainda, que as viroses, como o sarampo e a parotidite, continuam a ser causas significativas pós-natais, levando à disacusia neuro-sensorial, com 25,00% e 16,70%, respectivamente. 4) A meningite continua a ser causa predominante de surdez pós-natal (33,03%), inclusive aumentando sua freqüência em relação a trabalho nosso anterior. 5) Crescendo significativa e perigosamente (22,32%) o uso de ototóxicos. 6) Observamos ainda que os problemas condutivos, no caso as otites com 93,11 %, tiveram uma incidência mais acentuada na faixa etária de três a oito anos, com um pico máximo aos cinco anos.

Introdução

Verificar as causas de deficiência auditiva infantil, de maior incidência na faixa etária de zero a 15 anos, é o objetivo primordial desta pesquisa realizada no LEAL - Centro Educacional de Audição e Linguagem "Ludovico Pavoni", que tem por finalidade a educação do deficiente auditivo e a sua integração social completa através de métodos modernos de educação, bem como profissionalização.

Este Centro possui um Serviço Audiológico altamente especializado que também atende à população em geral do Distrito Federal, cidades satélites e Estados das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.

Casuística e Método

a) Casuística

No período de janeiro de 1982 a dezembro de 1983 examinamos em nosso Centro 3.106 indivíduos dos quais foram selecionados 1.025 pertencentes à faixa de zero a 15 anos, sendo que destes, 782 apresentavam deficiência auditiva.
Portanto, essas 782 crianças (435 do sexo masculino e 347 do sexo feminino), de nível sócio-econômico baixo em sua maioria, foram nosso material de estudo.

Os exames foram realizados em salas acusticamente tratadas, com cabines acústicas Amplaid, audiômetros Amplaid 300 e 200, peep-show Amplaid modelo G.9 e ïmpedancíômetro Amplaid 701-702, com registrador automático.

b) Método

Todos os pacientes passam por minuciosa anamnese e exame físico ORL, a fim de obtermos o maior número de dados possível, orientadores e esclarecedores para uma avaliação audiológica fidedigna.

Dependendo da faixa etária e do grau de comprometimento do paciente ele será submetido aos seguintes exames:

1) "Screening": Realizado com instrumentos musicais, obedecendo os seguintes parâmetros: distância, espectro de freqüências e intensidade (7).

A maioria dos nossos pacientes, independente da faixa etária, são submetidos a esta avaliação, dada a dificuldade de comunicação que apresentam.

Podemos obter informações valiosas como grau de surdez, freqüências atingidas e outros comprometimentos associados.

2) COR (Reflexo de orientação condicionada): Pela sua característica semi-objetiva constitui um teste valioso em casos de pacientes com problemas de comportamento ou outras patologias. O único inconveniente, pelo fato de o exame ser feito em campo livre, é que os dois ouvidos são estimulados simultaneamente.

3) "Peep-show": Este exame é bem mais completo, proporciona dados preciosos de cada ouvido, porém exige cooperação por parte da criança para um bom condicionamento. Aqui já podemos avaliar em que estágio se encontra a sua linguagem e se está compatível com o limiar obtido.

4) Audiometria tonal: Através deste exame temos condições de medir o limiar tonal com maior precisão dos pacientes, cujo desenvolvimento neuromotor e lingüístico já está quase totalmente completo, verificando se a sua linguagem está dentro do padrão esperado para a idade, quanto aos aspectos fonológico, semântico e sintático.

5) Impedanciometria: Por ser um teste objetivo, rápido e de fácil aplicação, faz parte integrante da nossa rotina audiológica. Serve de diagnóstico diferencial entre as deficiências condutivas e as neuro-sensoriais, principalmente nos casos de crianças pequenas, que ainda não têm linguagem ou que por qualquer motivo seja impossível detectar o limiar auditivo.

Resultados

a) Faixa etária e sexo

Distribuídos no Gráfico 1 em intervalos de um ano nota-se evidente predominância de surdez entre os quatro e seis anos. Entre os 782 pacientes examinados 55,62% (435) foram do sexo masculino e 44,38% (347) do sexo feminino (5, 7).

b) Etiologia

Considerando todo tipo de surdez, independentemente das mistas (condutivas-perceptivas, condutiva em um ouvido e perceptiva no outro etc.) e desprezando os normais da população total examinada, chegamos aos 782 pacientes com deficiência auditiva e com as seguintes prováveis causas, colocadas na Tabela 1 (3, 5, 7, 9, 16).

É evidente a desproporção entre os três grupos, com supremacia das causas pós-natais em relação às demais, por conta das otites (76,05%). Se, no entanto, passarmos a considerar somente as deficiências auditivas neuro-sensoriais tomam-se bastante significativas as demais causas de surdez pós-natal: meningite, ototoxicidade, parotidite etc. (5, 6, 7, 8, 13, 15, 16, 18).

A hereditariedade continua a ser causa predominante de surdez pré-natal e a rubéola vem a seguir com 29,85% (Tabela 2 e Gráfico 111) (5, 6, 7, 15, 16).



Gráfico 1



Tabela 1



Tabela 2



c) Grau e causas de surdez

Na avaliação audiológica consideramos, segundo a classificação do BIAP - Bureau International D'Audiophonologie (12), os seguintes valores na avaliação do grau de surdez:

Perda Grau de surdez
0 a 20 dB Normal
20 a 40 dB Leve
40 a 70 dB Moderada
70 a 90 dB Severa
acima de 90 dB Profunda

Segundo o grau de surdez encontra-se na população total examinada o seguinte percentual:



Gráfico II



Fica evidenciado no Gráfico II o número exagerado de otites médias (359) que temos em nosso meio e que contribuem para o alto percentual de surdezes leves e moderadas (condutivas) (3, 7, 9, 16).

Em relação ao grau e causas, as deficiências auditivas podem ainda ser assim consideradas:

1) Hereditariedade: Em nosso meio continua sendo a principal causa de surdez pré-natal, a grande maioria por consangüinidade. Sempre bilateral e a maior parte profunda (80,55%) (Tabela 3). 2) Rubéola: Em segundo lugar nas pré-natais apresenta-se, como a hereditariedade, lesando os dois ouvidos e com grau profundo de surdez (85,71%) (Tabela 3).

3) Prematuridade: É a causa de surdez neonatal mais importante, determinando 57,90% (Tabela 1, Gráfico III).

4) Otites: Muito elevada a ocorrência de surdez de condução (76,05%) dentre as causas de surdez pós-natal.

As otites médias crônicas e as otites serosas determinaram esse alto percentual. Uni ou bilaterais, leves ou moderadas, representam, do total examinado, 45,90% das causas de surdez. A isso atribuímos a não procura do médico por parte dos pais e, também, a má condução dos tratamentos por médicos não especialistas, na ocorrência das patologias infecciosas ou obstrutivas do ouvido médio e anexos. A cada dia cresce significativamente o número desses casos (Tabela 1 e Gráfico III).



Gráfico III



5) Meningite: Se considerarmos somente as deficiências auditivas neuro-sensoriais nas causas pós-natais, excluindo, portanto, as otites, que representam grande número porém acarretam perda auditiva menor e são passíveis de correção cirúrgica, observamos que a meningite continua a representar percentual elevado com 33,03% (Tabela 4).

6) Sarampo: Vem em segundo lugar como causa de surdez neuro-sensorial pós-natal, com 28 casos (25,00%) (Tabela 4).

7) Ototóxicos: O emprego dos antibióticos aminoglicosídeos continua determinando surdez neuro-sensorial expressiva (22,32%) (Tabela 4). Além de muito usados nos berçários como rotina de tratamento das enterocolites e das broncopneumonias observamos também, na clínica diária, o seu emprego em infecções banais das vias respiratórias altas. Achamos que esse uso abusivo dos ototóxicos deve-se ao desconhecimento estatístico, de quem o administra, da surdez que ele provoca; em virtude de que quando há suspeita de surdez em uma criança, os pais são os primeiros a observar e quando o fazem, levam-na diretamente ao especialista.

8) Parotidite: Continua a ser causa importante de surdez neuro-sensorial pós-natal (Tabela 4) com uma incidência de 18 casos (16,70%). Muitos casos (8) foram de incidência unilateral.

9) Traumatismos: Encontraram-se quatro casos de surdez por traumatismo cranioencefálico (Tabela 4).



Tabela 4



Comentários

É de se lamentar a constatação de que a maioria dos casos de surdez aqui estudados poderia ser evitada. Senão vejamos: as deficiências auditivas de condução (359 casos), menos graves, com perdas de leve a moderadas, foram em decorrência de otites médias crônicas supuradas e otites serosas, a maior parte delas por condução indevida de tratamento; a hereditariedade tem na consangüinidade a maior causa de geração de surdos. Temos matriculados no LEAL grupos de até seis irmãos surdos. Os casamentos consangüíneos continuam a acontecer nas pequenas cidades do interior dos Estados de Goiás, Minas Gerais e do Nordeste, regiões de onde provêm os nossos doentes. As viroses da primeira infância como o sarampo, a parotidite e a meningite (também a forma epidêmica, bacteriana) deveriam acarretar menor quantidade de seqüelas otológicas se tivessem o merecido` tratamento preventivo. Por fim, somos surpreendidos pela quantidade exagerada de aminoglicosídeos usados indiscriminadamente em patologias que sulfas e ampicilinas podem resolver sem os riscos que aqueles acarretam.

Conclusões

Estamos realmente preocupados com o crescimento do número de casos de surdez, em suas causas. Analisando-as reconhecemos que são, essencialmente três os fatores responsáveis pela situação:

1) A injustiça social que vai se agravando dia após dia, determinando a pobreza em que vive a maior parte da população, o que acarreta a desnutrição e o analfabetismo.

2) Exagero na aplicação de drogas reconhecidamente tóxicas ao ouvido.

3) A ignorância da população em geral quanto às seqüelas de surdez na consangüinidade.

O que fazer? Cada um tem que assumir a sua responsabilidade e tomar atitudes concretas, que ataquem o problema na raiz. O Governo, nos seus organismos específicos, a classe médica e outros setores da sociedade têm a obrigação de agir com urgência. Soluções paliativas não resolvem, a não ser que se. prefira criar uma nova geração de crianças deficientes auditivas.

Summary

A total of 3.106 cases were examined at the Audiology Center, CEAL - Educational Center of Hearing and Language, located in Brasília. From January 1", 1982 to December 31, 1983, 1.215 cases were analized, ranging froco ages 0-15 years. Of these cases 782 were diagnosed as having a hearing deficiency.The geographical ares of origin or residency included Brasília, and the neighboring states of Goiás, Bahia, Mato Grosso, Pará, Piauí, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas and Rondônia.

The following variables were studied using a table of simple frequency: degree of deafness, type of deafness, age, sex, cause and patient origin.

The main results were:

1) The main prenatal cause continued to be heredity, where the consanguineous marriages contributed in approximately 53.73% of the cases, and rubella in second place with 29.85%.

2) The principle cause of deafness in neonatal cases was premature delivery with 57.90%.

3) It was also observed that children's disease such as measles and mumps continued to be the most important post-natal cause of sensorineural deafness, with 25.00% and 16.70%, respectively. 4) Meningitis continued to be the predominant cause of sensorineural posmatal deafness with 33.03%, increasing its frequency in relation to the previous paper completed by the authors.

5) The use of ototoxic drugs is growing significandy. Deafness caused by this factor was found to be in 22.32% of the cases.

6) It was noted that conductive losses were caused by otites media in 93.11 % of the cases. It is impor tant to report an increase in the incidente of this disease between the ages of 3-8 years with a peak at ftve years.

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Endereço do autor
DR. ROBERTO SALERNO
Centro Médico de Brasília - BI. D - Sala 18 70000 - Brasflia - DF

1 - Diretor Médico do CEAL. Médico ORL do Senado Federal.
2 - Fonoaudióloga do LEAL, Hospital de Base do DF e Senado.
3 - Audíoprotesista do LEAL.
4 - Fonoaudóloga do LEAL.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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