IntroduçãoFreqüentemente, crianças com voz normal ou nasal (hipo ou hipernasal) são encaminhadas ao otorrinolaringologista para remoção cirúrgica de adenóides. Existem casos, de incidência não bem conhecida, em que o aparecimento ou agravamento de hipernasalidade ocorre pós-adenoidectomia, caracterizando um quadro de insuficiência velopalatina. É uma complicação importante, com sérios efeitos para o paciente, sendo que sua prevenção pode ser feita com um adequado exame pré-operatório clínico e radiológico da cavidade oral, evidenciando sinais de presença ou potencialidade de desenvolver insuficiência velopalatina.
Adenóide
Adenóide é um aglomerado de tecido linfóide localizado na porção posterior do nariz.
Tem ciclo de crescimento previsível: é visível ao Rx logo após o nascimento, aos seis meses já mostra um contorno convexa, sendo bem definida aos dois anos, podendo ocupar até metade da cavidade nasofaríngea. O pico de crescimento é aos nove e dez anos em média, com posterior involução. É importante salientar que a sua presença na infância é usual e normal. Sua ausência, pelo contrário, é um dos sinais de alerta na pesquisa de deficiência imunológica.
Fechamento velopalatino e insuficiência velopalatina:
O fechamento velopalatino é um processo esfincteriano de vedamento pelo contato do palato mole contra a parede posterior da faringe, necessário para a produção de determinados sons, regulando a quantidade de ar entre a rinofaringe e a orofaringe (Fig. la e b). É o determinante da nasalidade da fonação, responsável pela qualidade na pronúncia das palavras (Fig. 2).
Em condições anatômicas e funcionais normais o fechamento se dá entre o palato e parede posterior da faringe. Na presença de adenóide é sobre ela que ocorre o fechamento. Com a involução normal das adenóides o palato mole vai paulatinamente aumentando ó seu poder de fechar o espaço faríngeo através de um estiramento gradual, adaptando-se às novas mudanças na profundidade faríngea sem alterações na fonação. Entretanto, se houver mudança brusca no espaço faríngeo, como na adenoidectomia, o palato não se adapta prontamente, desenvolvendo-se insuficiência velopalatina transitória, com hipernasalidade (rinolalia aberta). Esta insuficiência pode ser permanente na presença de defeitos anatômicos ou funcionais que antes estavam sendo compensados pelo volume de adenóides removido.
Figura la e b
Figura 2
Figura 2a
Métodos semiológicos
A - Anamnese - É importante uma história completa pré-natal e pós-natal, onde a mãe pode relatar refluxo de leite pelo nariz ao mamar. História familiar de problemaN congênitos, problemas neurológicos, cirurgia prévia de palato ou adenóides.
Durante a entrevista a fonação já é avaliada. Deve-se procurar o defeito mantendo uma conversa normal com a criança, além de fazê-la repetir palavras específicas como "assim", "ki-ki" e "Coca-cola". Neste momento o escape nasal pode ser visto objetivamente colocando-se um algodão na frente da fossa nasal.
B - Exame otorrinolaringológico - Vários sinais intra-orais - importante - podem contra-indicar a adenoidectomía em criança com voz normal ou não. Estes sinais indicam a potencialidade de desenvolvimento de insuficiência velopalatina pós-adenoidectomia. Quando estes sinais estão presentes desde o nascimento, pode haver um quadro de insuficiência velopalatina congênita.
No palato duro, os achados mais freqüentes são fenda óssea aberta ou submucosa e palato duro curto. A fenda submucosa, mais difícil de detectar, pode ser reconhecida pela palpação (Fig. 2a) ou mesmo pela inspeção, quando nota-se uma aparência rosada da linha média e invaginação da mucosa durante a fonação (Fig. 3). Quando o palato duro é curto (o bordo posterior está anteriorizado), a inserção do palato mole também será anterior, levando conseqüentemente a um aumento relativo da profundidade da faringe. Como conseqüência haverá maior dificuldade de fechamento velofaríngeo.
Figura 3
No palato mole, deve-se observar o seu comprimento total, sendo mais importante a parte que realiza o fechamento, que preenche a distância entre o bordo posterior do palato duro e parede posterior da faringe. Esta porção do palato mole é medida pela identificação do ponto onde se curva durante a fonação. Representa o ponto máximo de elevação da superfície nasal do palato mole. Geralmente um palato mole longo estará mais apto a realizar um fechamento efetivo, porém palatos com mesma superfície total podem ter contraídas quantidades diferentes de sua musculatura (Fig. 4a e b). Ainda no palato mole pode-se observar uma aparência fina e translúcida da linha média, que indica defeito submucoso pela inserção anômala da musculatura.
Este tipo de problema é quase sempre associado com fenda submucosa.
Figura 4a e b
A competência muscular é pesquisada pelo reflexo faríngeo que se estimula tocando levemente a úvula com um abaixador de língua. Não é um exame muito agradável ao paciente (sensação de náusea), mas deve ser feito por sua importância. Deficiências musculares de vários graus podem ser compensadas até um certo limite.
Úvula - achados freqüentes incluem agenesias, úvula pequena ou assimétrica e úvula bífida. Esta última é mais freqüente. Pode ser uma variação infra-oral inócua ou estar ligada a história familiar de fenda palatina. Deve ser considerada como um sinal de alerta. Sempre que presente devem ser pesquisados outros sinais e sintomas de insuficiência velopalatina.
C - Exames complementares
1 - Exame radiológico - O Rx de perfil é exame de rotina em crianças com indicação de Adnodectomia. Nos pacientes com suspeita de insuficiência velopalatina, além do Rx em repouso, deve ser feita a radiografia com o palato mole contraído em fonação sustentada do "SS" (fechamento velopalatino). Ele deve ser solicitado quando se perceber algum sinal suspeito ao exame da cavidade oral ou quando houver hipernasalidade evidente.
2 - Audiometria - As patologias do palato são em geral acompanhadas de alterações musculares que também afetam a função tubária. Por esta razão são freqüentes os problemas de equilíbrio de pressão no ouvido médio, que levam a hipoacusia de transmissão.
Casos clínicosF.O.P., três anos, procedente de Porto Alegre, queixa-se de voz nasalada que está interferindo na pronúncia. Gripes repetidas, secreção broncopulmonar, falta de apetite, hipoacusia no passado com colocação de tubos de ventilação (sic). Veio para confirmar uma indicação de adenoidectomia e "resolver o problema da voz". O exame otorrinolaringológico mostra palato ogival (Fig. 1), palpação normal sem sinais de fenda palatina. Ponto de elevação máximo do palato mote aparentemente anteriorizado. Acentuada retração da membrana timpânica bilateral. Escape de ar pelo nariz durante a emissão das palavras "a-s-s-i-m" e "ki-ki-ki", tanto audível como pelo movimento do algodão colocado na frente da fossa nasal. O exame audiológico mostra perda da condução aérea e pressão negativa em ambos ouvidos. O exame radiológico é característico de insuficiência velopalatina. Descrição do Rx: (Fig. 2a e b) o palato mole não se eleva ao nível do palato duro e o ponto máximo de elevação velar anterior confirma a observação prévia do exame da cavidade oral.
Figura 5
Figura 6 a
Figura 6 b
Conduta: Confirmado o diagnóstico de insuficiência velopalatina foi expressamente contra-indicada cirurgia de adenóides e orientado tratamento foniátrico. Se não obtiver resultado satisfatório será feita faringoplastia.
L.M., 7 anos, procedente de São João da Ortiga, RS, veio encaminhada pela pediatra para amigdalectomia, por crises repetidas de amigdalite. Exame otorrinolaringológico normal exceto palato excessivamente alto (Fig. 3a) e úvula bífida (Fig. 3b).
Figura 7 a
Figura 7 b
Este fato levou-nos a investigação mais detalhada da função fonatória do palato mole. Não foi constatada fissura palatina submucosa nem outras alterações anatõmicas. Nos testes funcionais (palavras "a-s-s-i-m" e "ki-ki-ki" na conversação normal), não foi evidenciado escape de ar pelo nariz. O Rx de perfil da rinofaringe em repouso e fonação sustentada foi muito elucidativo. Mostrou o caso de uma insuficiência velopalatina compensada pelo aumento de adenóides e os perigos de uma adenoidectomia avaliando-se apenas a qualidade da voz. Mostra presença de adenóides volumosas (Fig. 4a), palato mole com elevação ao nível do palato duro, porém com ponto de elevação anteriorizado (fechamento com ± 50% do comprimento total)'(Fig. 4b). Deixa espaço de ar pequeno demais para produzir os sintomas de hipernasalidade evidentes numa conversação, mas o suficiente para contra-indicar uma adenoidectomia pelo risco de produzir insuficiência velopalatina pós-operatória.
Conduta: Feita apenas amigdalectornia.
Figura 8 a
Figura 8 b
SummaryChildren with rhinolalia are often conducted to adenoidectomy. The authors warn about the chances of accenting or leading to velopharyngeal insufficiency, presenting two explanatory cases, be deffect in palatal closure one, and insuff ciency compensated by the volume of adenoids the other. Phisical signs detected in current examinations and oecasional tests required by clinical suspicion, in which adenoidectomy is counter-indicated, are presented and discussed.
Referências1. MASON, R. - Preventing speech disorders following adenoidectomy by preoperative examination. Clinical Pediatrics, July, 1973.
2. COTTON, T. R. and QUATTROMANI, F. -Lateral defects in velopharyngeal insufficiency. Arch. Otolaryngol., vol. 103, Feb., 1977.
3. CROFT, C.B.; SHPRINTZEN, R.J. and RUBEN, R.J. - Hypernasal speech following adenotonsillectomy. Otol. Head Neck Surg., 89: 179-188 (March-April), 1981.
4. HIRSCHBERG, J. - Pediatric otolaryngological relations of velopharyngeal insufficiency. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, 5: 199-212, 1983.
5. THALER, S. and SMITH, H.W. - Submucous cleft palate. Arch. Otolaryng., vol. 188, Aug., 1968.
6. SHAPIRO, R.S. - Velopharyngeal insufficiency starting at puberty without adenoidectomy. Intern. Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, 2: 255-260, 1980.
7. POLLACK, M.A. and SHPRINTZEN, R.J. - Velopharyngeal insufficiency in neurofibromatosis. Intern. Jóurnal óf Pediatric Otorhinolaryngology, 3: 257-262, 1981.
8. CHALAT, N.I. - Tonsylectomy, adenoidectomy and the cleft palate clinic. Laryngoscope, 8, Feb., 1964. 9. GOODE, R.L.; ROSS, J. and ALTO, P. - Velopharyngeal insufficiency after adenoidectomy. Arch. Otolaryng., vol. 96, Sept., 1972.
10. GIBB, A.G. - Unusual complications of tonsil and adenoid removal. Read at the Meeting of the Section of Laryngology, Royal Society of Medicine, 6, Dec., 1968.
11. SUBTELNY, J. D. and BAKER, H. K. - The significance of adenoide tissue in velopharyngeal function. Plastic Reconstructive Surgery., vol. 17, n.° 3.
12. SAAD, E.F. - The underdeveloped palate in ear, nose and throat practive. Laryngoscope, 90, 1980.
13. LETTI, _N. e cols. -Avaliação radiológica da insuficiência velopalatina. Revista Bras. de ORL, Porto Alegre, vol. 37 (3), 1971.
Endereço do autor
DR. MOACYR SAFFER
Departamento de ORL - Hosp. Ernesto Dornelles Av. Ipiranga, s/n.°
90000 - Porto Alegre - RS
1 - hefe do Serviço de Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Ernesto Dornelles.
2 - Médica residente do primeiro ano em ORL do Hospital Ernesto Dornelles.
3 - Médico residente do segundo ano em ORL do Hospital Ernesto Dornelles.
4 - Interno do Serviço de ORL do Hospital Ernesto Dornelles.
5 - Médico residente do segundo ano em ORL do Hospital Ernesto Dornelles.