IntroduçãoEste trabalho tem por finalidade verificar possíveis alterações cocleovestibulares na hipertensão arterial e suas manifestações nos diversos estágios de evolução, idade e sexo.
Nosso estudo está baseado em 50 pacientes hipertensos atendidos no setor de Otoneurologia, disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto, USP. Desses, 25 eram do sexo feminino e os demais do sexo masculino. As idades variavam de 20 a 75 anos. A idade média para o grupo_ masculino era de 47 anos, com uma variaço em torno da média de 13 anos, e para o sexo feminino obtivemos também uma idade média de 47 anos, com uma variabilidade de 11 anos.
O quadra hipertensivo, bem como a sintomatologia cocleovestibular, estavam presentes ou não durante o exame otoneurológico. Consideramos paciente hipertensivo aquele que apresenta níveis de pressão diastólica com valores iguais ou acima de 100 mmHg ou com alterações específicas do fundo de olho.
As manifestações e sintomas dos pacientes variavam conforme a gravidade, início e tempo de duração da hipertensão.
Vertigens e distúrbios do equilíbrio são transitórios e mais freqüentes do que os sintomas cocleares, tornando-se bem evidente quando ocorria aumento na pressão arterial. Entretanto esses distúrbios revelaram na grande maioria dos casos comprometimento vestibular periférico.
ResultadosOs exames clínicos dos nervos cranianos e do cerebelo demonstraram altf ações do labirinto periférico. Quanto aos zumbidos, estiveram presentes em todas as faixas etária e independente da duração e da intensidade do quadro hipertensivo. Em 32% dos casos o comprometimento era unilateral e em 20% bilateral. Em alguns pacientes tornavam-se mais evidentes quando os níveis de pressão arterial tendiam a subir.
Na grande maioria dos casos (74%) observamos cefaléia, sintoma freqüentemente encontrado no quadro hipertensivo. Os distúrbios visuais (moscas volantes) foram observados em pequena freqüência nos hipertensos.
As alterações cocleares somente foram evidentes nos adultos e velhos hipertensos, não sendo observadas nos jovens.
Testes supraliminares comprovaram as lesões endococleares.
Manifestações neurovegetativas se fizeram presentes em qualquer idade e sexo, independente do tempo de instalação e da duração do quadro hipertensivo.
Quando o nistagmo espontâneo é mais intenso com os olhos fechados, traduz lesão vestibular periférica, fato que ocorreu na maioria dos nossos casos.
Observamos nistagmo direcional em 34% dos casos, caracterizando lesões vestibulares periféricas. O nistagmo posicional não é evidenciado nos indivíduos normais com os olhos abertos. Nos hipertensos observamos, principalmente nos pacientes acima dos 40 anos de idade, nistagmo posicional com os olhos abertos, caracterizando comprometimento labiríntico periférico.
O rastreio pendular com característica central registra uma curva atáxica encontrada somente em um paciente hipertenso e com lesão espinocerebelar degenerativa.
As demais curvas do rastreio representando em geral patologia periférica foram as mais encontradas em nossos achados.
Os sinais e sintomas estão demonstrados na tabela I.
A arreflexia vestibular e a pequena escritura geralmente traduzindo alterações profundas do labirinto foram observadas nos hipertensos com alterações do fundo de olho e do eletrocardiograma. Estes, como outros achados quantitativos e qualitativos observados quando realizamos prova de Fitzgerald e Halpike, estão demonstrados nas tabelas II e III.
Na prova rotatória pendular decrescente utilizamos a freqüência como o parâmetro que melhor reflete a função vestibular. Os achados obtidos nesta prova estão demonstrados na tabela IV.
DiscussãoOs sintomas de vertigem e(ou) instabilidade ao equilíbrio estático ou dinâmico foram verificados tanto em hipertensos jovens como nos de idade mais avançada, desde os primeiros meses de instalação do quadro hipertensivo, bem como nos de longa duração (Torok, 1962; Svitavská, 1965; Cruz e Ganança, 1968). Resultou provavelmente das alterações dos mecanismos de regulação cortical provocadas por vasospasmo cerebral, levando a isquemia do cérebro e núcleos vestibulares (Grellet e Rolim, 1977).
Tabela I
Tabela II - Resultados quantitativos
As mesmas observações foram por nós confirmadas no estudo da hipertensão. A queixa mais comum constituiu-se na perda súbita do equilíbrio, com sensações repentinas de tonturas giratórias. Observamos que a maior parte dos pacientes tinham essas sensações principalmente quando os níveis de pressão arterial tendiam a subir.
Quanto aos zumbidos, estiveram presentes em todas as faixas etárias, independente da duração e intensidade do quadro hipertensivo. Em alguns pacientes, esses zumbidos tornavam-se mais evidentes quando os níveis da pressão arterial tendiam a subir. As disacusias estavam presentes em pacientes acima dos 35 anos de idade quando começam a ocorrer degenerações nas paredes vasculares, lesões específicas em determinados órgãos (como a retina do globo ocular), alterações renovasculares ou dos vasos cerebrais, originando arteriosclerose generalizada (Grellet e Rolim, 1972).
Nos pacientes com idades mais avançadas ocorriam essas alterações, levando a distúrbios da nutrição das células ciliares do órgão de Corti e disacusias neurossensoriais (Portmann, 1975; Mangabeira Albernaz e Ganança, 1976). Nossos achados foram concordantes com os desses autores. Essas alterações não foram observadas nos pacientes jovens. Manifestações neurovegetativas se fizeram presentes em qualquer idade e sexo, independente do tempo de instalação e dá duração do quadro hipertensivo.
Tabela III - Resultados qualitativos
Tabela IV - Resultados à prove pendular rotatória decrescente
Quanto à velocidade angular da componente lenta, observamos valores menores em relação aos obtidos por Henriksson (1955), Jongkees (1957), Van Den Branden (1963), Maspetiol (1964) e Cruz e Ganança (1968) em normais.
Mangabeira Albernaz e cols., utilizando a prova calórica para estudar a função vestibular em pacientes com labirintopatias vasculares, obtiveram os seguintes achados: normorreflexia: 50010; preponderância direcional do nistagmo: 25010. Não observaram arreflexia, hiperreflexia e disritmia. Notaram presença de nistagmo espontâneo em 9,3010.
Em 1971, fazendo novos estudos em labirintopatias vasculares, observaram normorreflexia em dois dos 40 pacientes examinados. Em nossos resultados obtivemos normorreflexia em 2601o dos casos, hiperreflexia em 14010, arreflexia (unilateralmente, em 2010 e bilateralmente em 4010), e preponderância direcional em 32010. Hiperreflexia e disritmia não foram encontradas.
Essa discordância de achados em relação a alguns parâmetros pode estar relacionada com o estado da doença em que se encontrava o paciente na época do exame da função vestibular. Em nosso trabalho, vários pacientes apresentaram-se ao exame com a pressão arterial controlada clinicamente. Também a duração do quadro hipertensivo e a faixa etária são importantes na apreciação desses valores.
O nistagmo posicionai não é evidenciado nos indivíduos normais com os olhos abertos. Nos hipertensos observamos, principalmente nos pacientes acima de 40 anos de idade, nistagmo posicional com os olhos abertos caracterizando alterações labirínticas periféricas.
O rastreio pendular com característica central registra uma curva atáxica. Encontramos esse registro em um paciente hipertenso e com lesão espinocerebelar degenerativa. Essas patologias propiciavam registros otoneurológicos que traduziam alterações labirínticas periféricas e central.
As demais curvas do rastreio representaram em geral patologias periféricas. Nossos achados se enquadravam nesses traçados.
A arreflexia vestibular e a pequena escritura geralmente traduziam alterações profundas do labirinto.
Na prova rotatória pendular decrescente a velocidade angular da componente lenta sofre A Função do Labirinto Anterior e Posterior no Paciente com Hipertensão Arterial grandes variações nas pessoas normais, numa ou nas diferentes pendulações. Utilizamos a freqüência como o parâmetro que melhor reflete a função vestibular (Montandon, 1954).
No estudo da freqüência os achados que mais refletem labirintopatia periférica são a normorreflexia, hiporreflexia, preponderância direcional da resposta nistágmica e recrutamento.
Na labirintopatia central podemos encontrar principalmente disritmias, traçado abrupto e habituação rápida.
Observamos na grande maioria dos nossos casos alterações do tipo periférica.
O nistagmo, optocinético encontra-se; presente em indivíduos normais, sendo representado por respostas simétricas.
A assimetria encontra-se nas labirintopatias periférica e central. Em casos nos quais o nistagmo espontâneo estiver ausente a assimetria refletirá patologia central.
Nos hipertensos o comprometimento da audição não é freqüente. Observamos que nos pacientes até 35 anos de idade o audiograma estava normal. Na faixa etária dos 35 a 50 anos verificavam-se apenas alguns casos com queda da audição em freqüências isoladas ou nas freqüências agudas.
Nos pacientes acima de 50 anos, apesar da maior incidência das alterações vasculares, demonstrando anormalidades no exame do fundo de olho e no eletrocardiograma, a grande maioria dos audiogramas revelava curvas presbiacúsicas e apenas alguns casos mostraram na audiometria profunda queda da audição e horizontalização da curva.
Notamos em nosso trabalho que nem sempre havia correlação entre os valores da prova calórica e os obtidos à prova rotatória decrescente~ Maudonet (1974), fazendo estudos em 101 indivíduos com labirintopatias, chegou à conclusão que a prova rotatória sinusoidal amortecida parece ser mais sensível que a prova calórica.
Em nossas observações verificamos que em 32 pacientes havia concordância nos valores obtidos nas provas calóricas e rotatórias. Nos demais casos encontramos discordâncias não significativas desses valores. Portanto, dentro dos parâmetros utilizados, consideramos que as provas pendulares e calóricas apresentaram sensibilidade semelhante no estudo da função vestibular nos pacientes hipertensos.
Referências1. CRUZ, N.A e GANANÇA, M.M. - Avaliação da prova térmica Fitzgerald Hallpike em 101 indivíduos normais, com ou sem eletronistagmografias. O Hospital, 2.303, 1968.
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3. GRELLET, M. e ROLIM, A. - Estudo comparativo da resposta labiríntica ao estímulo rotatório pendular decrescente em indivíduos normais jovens (18 a 30 anos) e adultos (31 a 65 anos). Rev Bras. de Otorrinolaring., 43.76-84, 1977.
4. HENRIKSSON, N. G. - The correlation between the speed of the eye in the slow phase of nystagmus and vestibular stimulus. Acta Oto-Laryng., 45:120-136, 1955.
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6. MASPETIOL, R.; KERAVAC, J. - Étude du coeficient de correlation entre les differents mesures du nystagmus post-calorique. Ann. Oto-Laryng., 78:909, 1964.
7. MANGABEIRA ALBERNAZ, P.L. e GANANÇA, M.M. - Vertigem. 2~ ed., Editora Moderna, São Paulo, 1976.
8. MAUDONNET, O. - Análise comparativa dos resultados quantitativos entre as provas calórica e rotatória sinusoidal amortecida. Rev. Bras. de Otorrinolaring., 40.83-284, 1974.
9. MONTANDON, A. - A new tecnique for vestibular examinations. Acta Oto-Laryngol., 44: 594-596, 1954.
10. PORTMANN, G. - Tratado de audiometria clínica. 2? ed., Toray-Mason, Barcelona, p. 151, 1975.
11. SVITAVSKÁ, A. - Changes in auditory and vestibular apparatus during hípertension. Cs. 01olaryngol., 14:309-313, 1965.
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13. VAN DEN BRANDEN - Syndromes vestibulares et nystagmographie. Lib. Arnette, Paris, 1963.
Endereço do autor
DR. JOSÉ FERNANDO COLAFEMINA Hospital das Clínicas "Campus"
14100 - Ribeirão Preto - SP.
1 - Assistente Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.
2 - Professor Adjunto e Chefe dá Disciplina de Otorrinolaringologia do Departamento de Oftalmologia e Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - USP.