INTRODUÇÃO
Desenvolvida a partir de 1944 por Terence Cawtorne2, a reabilitação vestibular compreende manobras e exercícios que têm a finalidade de melhorar o equilíbrio corporal através do uso estratégico da plasticidade neurona17. Assim, o paciente habituado a ter seu equilíbrio baseado fundamentalmente na atuação vestibular, quando sofre comprometimento do órgão sensorial periférico ou de suas vias de informação ao SNC, passa a apresentar uma série de sintomas como vertigens, desequilíbrio e dificuldade de coordenação dos movimentos.
O paciente que apresenta essa sintomatologia tenta instintivamente evitar os movimentos e posições que lhe causam tonturas, promovendo dessa maneira uma situação em que a ausência dos estímulos necessários ao processo readaptativo perpetua o desconforto ao movimento8.
A reabilitação vestibular (RV) tem por finalidade orientar o paciente em relação à mudança de hábitos, orientando-o a respeito do mal que o acomete, além de orientar a execução de exercícios que, através de estímulos repetitivos, provocarão a habituação das vias responsáveis pelos sintomas apresentados7. Várias técnicas têm sido descritas e utilizadas com essa finalidade: exercícios físicos específicos, emprego de equipamentos usados na avaliação vestibular (tambor optocinético, cadeira rotatória, ENG) e manobras específicas como a reposição canalicular. Muitas vezes torna-se difícil, para o profissional não habituado, entender o que é e quando indicar esta ou aquela proposta de reabilitação. Para tanto, este artigo tem como finalidade, relatar o quanto a RV pode ajudar o paciente portador de síndromes do equilíbrio, através da descrição de três casos secundários a três etiologias diferentes. A estratégia personificada de trabalho readaptativo levou ao desaparecimento completo dos sintomas, que em dois desses casos duravam há anos.
Nosso objetivo é enfocar neste artigo apenas a forma como optamos por uma ou outra técnica de reabilitação, com base nos achados clínicos e de exame, sem no entanto discutir a etiologia ou o tratamento medicamentoso adequado a cada uma das patologias.
APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS
Caso 1. Vertigem postural benigna L. B. N., com 60 anos de idade, do sexo feminino, prendas domésticas.
Histórico: Tonturas rotatórias, acompanhadas de náuseas e vômitos associados aos movimentos de levantar e deitar da cama. Tonturas tiveram início há 13 anos, a partir de quando passou a fazer uso de cicarizina, diariamente. Exame clínico: AO exame físico, apresenta tremor de extremidades e exame ORL normal. Curva audiométrica apresenta disacusia neurossensorial (DNS) em grau moderado, com perda maior em graves e agudos. Ao exame eletronistagmográfico, observou-se presença de nistagmos posicionais em DLD, DLE, Rose e torções. Apresentava ainda hipo-reflexia em todas as estimulações calóricas. A prova de Dix-Halpike foi negativa.
Tratamento: Realizada a manobra de reposição canalicular, e suspensa a cinarizina, que foi substituída por difenidol quando necessário. A paciente tornou-se assintomãtica em relação à tontura após uma sessão. Depois de 30 dias, seu tremor de extremidade havia diminuído consideravelmente, praticamente desaparecendo em 90 dias.
Caso Z. Lesão de tronco pós-coma N. 13. S., com 29 de anos de idade, do sexo masculino, industriário.
Histórico: Tontura do tipo flutuação e dificuldade de marcha há 1 ano e 10 meses.
Após colangite calculosa, que culminou em septicemia e abcesso hepático, foi submetido a papilotomia por via endoscópica e permaneceu em UTI durante período prolongado, onde recebeu vancomicina e ceftazidima. Ao receber alta hospitalar, notou a tontura e dificuldade de marcha, que limitavam seu trabalho e suas atividades diárias, de forma importante, assim como atividades dependentes da fixação ocular, como a leitura. Queixava-se ainda de perda do equilíbrio ao levantar-se. Negava vertigens.
Exame clínico: Apresentava instabilidade ao Romberg, com tendência à queda com retropulsão. Sua marcha era atáxia, com base alargada, com tendência à queda para o lado esquerdo e nítida piora com os olhos fechados. Sua coordenação era normal. À eletronistagmografia, observou-se comprometimento das provas de rastreio e optocinéticos, sem alterações das provas calóricas, sugerindo lesão do tronco cerebral.
Tratamento: Foi programada reabilitação vestibular através de estímulos optocinéticos com tambor, visando diminuir a resposta sensorial das vias oculomotoras. O acompanhamento durante dois meses, sem auxílio medicamentoso, permitiu ao paciente seu retorno às atividades normais, inclusive dirigir, o que era impossível desde a instalação do quadro.
Caso 3. Insuficiência vértebro basilar do idoso
M. A. O., com 58 anos de idade, do sexo feminino, prendas domésticas. Histórico: Tonturas rotatórias diárias desencadeadas pela movimentação da cabeça ao levantar-se da cama, rotação cervical, extensão e flexão. Apresenta zumbido de alta freqüência bilateral e dores cervicais. Exame clínico: Essensialmente normal. Sua audiometria
mostrava DNS em grau moderado nas freqüências agudas, com recrutamento de Metz positivo; e, ao exame eletronistagmográfico foi observado predomínio labiríntico de 25%.
Tratamento: Foram iniciados exercícios de Cawtorne modificados. O paciente tornou-se assintomático em 2 meses.
DISCUSSÃO
Pudemos observar que a técnica de reabilitação deve ser escolhida em função da patologia de base e dos sintomas apresentados pelo paciente. Muitas vezes, é necessária a introdução de medicação em decorrência da patologia causal, mas quisemos apresentar também casos de pacientes que não tomaram medicação, justamente para reiterar o fato de que é possível tratar uma patologia de equilíbrio utilizando apenas uma estratégia que compensa o SNC.
Denominamos vertigem postural benigna ao quadro de vertigem que é desencadeada pela rotação da cabeça4. Esse sintoma pode aparecer em decorrência do estímulo das cristas ampulares por partículas em suspensão na endolinfa, que são levadas pelas correntes endolinfáticas geradas pela inércia, fenômeno chamado de canalitíases. Dependendo do canal semicircular afetado, o movimento correspondente ao seu plano de movimento será gerador de tontura. Para esta patologia, em especial, são descritas manobras de reposicionamento canalicular3,10, que visam colocar no utrículo as partículas em suspensão na endolinfa.
Embora acreditemos que a RV seja de fundamental importância na melhora dos sintomas apresentados pelo paciente, devemos buscar sempre a etiologia do processo que os gerou. Apenas o correto diagnóstico da causa permitirá o tratamento integral do problema. Como exemplo, podemos citar que, embora apresente resultados surpreendentes, a reposição canalicular não é curativa de um processo metabólico que tenha originado a canalitíase. Portanto, a RV será usada como tratamento único apenas quando a patologia de base assim o permitir.
A primeira paciente, que vinha há anos tomando bloqueadores de canais de cálcio, o que já é contraindicado11, teve alívio de seus sintomas com a manobra descrita e reversão do parkinsonismo com a mudança de medicação, com opção para droga que auxilie na reabilitação-extrato de Ginko Biloba11.
No caso descrito de pós-coma, com comprometimento das vias oculomotoras, utilizaremos principalmente os exercícios optocinéticosl. Neste tipo de abordagem, a postura não ocupa a finalidade primeira do trabalho readaptativo, porque as vias responsáveis pelos movimentos oculares partem de outras regiões dos núcleos vestibulares e não apresentam relação direta com as vias posturais, que serão trabalhadas em fases posteriores6. Neste caso, será importante modular o reflexo oculomotor em resposta aos comandos vestibulares.
Nas insuficiências vértebro-basilares, normalmente serão usados medicamentos que facilitem o fluxo sangüíneo terminal, visando a melhor oxigenação do SNC, embora possa ser realizada sem o uso de qualquer remédio, com o auxílio de dieta adequada. Nestes casos estão indicados principalmente os exercícios que trabalham a postura9.
Para nós, profissionais de reabilitação, uma das mais gratificantes respostas ao tratamento é a apresentada pelo idoso. O tratamento baseado agora em incentivo de todos os movimentos responsáveis pela tontura tem como finalidade habituar o SNC ao novo padrão de informação, já bastante comprometido pelos problemas de fluxo sangüíneo que ocorrem com a idade. Podemos utilizar a técnica de Cawtorne, com excelentes resultados. A porcentagem de melhora nesses casos, no HCFMUSP, gira ao redor de 95%9. Nesses casos, promovemos o estímulo de todas as vias: vestibulares, oculomotoras e posturais. Trabalhamos a coordenação e o equilíbrio em todas as suas variantes. Devemos abrir um parêntese para a orientação do paciente em relação ao medo de locomover-se, que é uma das principais queixas nessa faixa etária.
Concluindo, a reabilitação, quando bem indicada, é uma arma poderosa no combate às tonturas das mais diversas etiologias, havendo propostas diferenciadas para cada tipo de problema apresentado. Deverá sempre ser indicada por médico, que seguirá o paciente em conjunto com o terapeuta, observando sua evolução e eventualmente mudando sua conduta terapêutica sempre que a situação assim determinar. Seu uso correto propicia ao paciente alívio importante de seus sintomas, que muitas vezes têm anos de duração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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* Assistente Doutor do Setor de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - HCFMUSP. ** Fonoaudióloga Responsável pela Reabilitação, do Departamento de Otorrinolaringologia do HCFMUSP. *** Professor Doutor do Departamento de Otorrinolaringologia da FMUSP. Trabalho realizado na Disciplina de Clínica Otorrinolaringológica do Hospital das Clínicas da FMUSP-Serviço do Professor Aroldo Miniti. Endereço para correspondência: Departamento de Otorrinolaringologia - Avenida Dr. Enéas de Carvalho, 255 - sala 6002 - 05431-001 São Paulo /SP. Telefone/Fax: (011) 280-0299 Artigo recebido em 30 de setembro de 1998. Artigo aceito em 7 de janeiro de 1999.
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