INTRODUÇÃOO fibroma cemento ossificante (FCO) é uma neoplasia benigna pouco freqüente que faz parte do grupo das lesões conhecidas como lesões fibro-ósseas, as quais incluem a displasia fibrosa, o fibroma ossificante, o fibroma cemento ossificante e o fibroma cementificante2,3,8,9,7,5. Essas lesões surgem do ligamento periodontal, sendo que algumas células mesenquimais de caráter multipotencial podem localizar-se ectopicamente e, assim, explicar o aparecimento deste tumor em outras regiões que não as maxilas, local mais freqüentemente acometido, através de migração e diferenciação anômala da membrana periodonta12,3,6. Segundo Bernier e Thompson (1946) e Wenig (1984), uma injúria como um trauma na região afetada poderia servir como fator introdutório e de proliferação do FC03,¹.
Esta neoplasia caracteriza-se por uma grande agressividade local e alta taxa de recidiva2,3. Pode produzir deformidade e obstrução da cavidade nasal e seios paranasais, além de deformidade facia14.
Seu aspecto radiológico é de uma massa bem circunscrita de densidade partes moles com focos de ossificação, podendo ou não haver áreas de destruição óssea 2,3,9.
Macroscopicamente, apresenta-se com coloração branco-acinzentada, como um agregado de tecido de partes moles e tecido ósseo, o que confere certa resistência ao corte. Microscopicamente, as lesões mostram um tecido celular fibroso com trabéculas ósseas lamelares esferoidais permeando um estroma fibroso em associação próxima com os fibroblastos. O tecido ósseo apresenta características osteoblásticas e osteoclásticas. À coloração com Hematoxilina-Eosina, massas de material basófilo acelular são demonstradas como linhas concêntricas identificadas como cemento 2,3,8,9.
O tratamento preconizado é a remoção cirúrgica completa, sendo contra- indicada radioterapia pós-operatória e em suas recidivas, devido à sua pouca efetividade e aumento do risco de malignização, que pode evoluir de 0,4% para 44%2,3,8,9.
APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, com oito anos de idade, procedente de Pentecostes /CE, procurou o Serviço de Otorrinaloringologia do Hospital Universidtário Walter Cantídio, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, com história de abaulamento da hemiface direita (D), de aproximadamente seis meses de evolução. Relatava obstrução nasal associada nos últimos três meses, a princípio à D e posteriormente à esquerda (E), tendo ocorrido dois episódios de epistaxe de pequena monta. Informava ainda trauma na face, acontecido há cerca de oito meses, sem fratura. Negava, entretanto, alterações visuais.
Ao exame, apresentava uma massa de coloração averme lhada, ocupando toda a cavidade nasal D, desviando o septo nasal para E (4+ / 4+) e abaulando a região nasogeniana e orbitária D, com proptose (Figura 1).
Figura 1. Paciente antes da primeira cirurgia.
A paciente submeteu-se a ultrassonografia ocular, que revelou estruturas oculares orbitãrias normais. Dosagem de T3, T4, TSH, realizadas em um outro Serviço, também se mostraram normais.
A tomografia computadorizada (CT) de cavidade nasal e seios paranasais demonstrava lesão de densidade partes moles desviando externamente órbita à direita, ocupando células etmoidais à D, seio maxilar direito e esfenóide. Desvio do septo com convexidade E e espessamento mucoso em seio maxilar ipsilateral eram também alterações evidentes (Figura 2).
A biópsia da tumoração, realizada em nível ambulatorial, foi sugestiva de fibroma cemento ossificante.
Realizou-se então retirada cirúrgica da lesão por rinotomia lateral direita, sendo o achado intra-operatório de uma tumoração com áreas esbranquiçadas e áreas avermelhadas, rarefação óssea com destruição parcial da parede anterior do seio maxilar D, presença de secreção mucopurulenta neste seio, destruição da lâmina papirácea D e fóvea etmoddal, como também exposição de meninge e de seio cavernoso no nível do seio esfenoidal. Colocou-se retalho de concha média e Gel Foam® na área meníngea exposta. O tamponamento nasal foi realizado com gaze embebida em pomada a base de clorafenicol. A inserção aparente da tumoração estava em parede lateral de etmóide D (Figuras 3 e 4).
Figura 2. Tomografia computadorizada antes da primeira cirurgia.
Figura 3. Campo cirúrgico após retirada do tumor na primeira cirurgia.
Figura 4. Peça cirúrgica da primeira cirurgia.
Figura 5. Tomografia computadorizada no décimo mês após a primeira cirurgia.
A paciente evoluiu sem complicações, sendo retirado o tampão nasal no sétimo dia de pós-operatório e tendo alta hospitalar com orientação para realizar instilações nasais freqüentes com solução salina a 0,9% e revisões mensais até o terceiro mês de pós-operatório. Não apresentando sinais de recidiva até este período, iniciou-se seguimento trimestral.
No décimo mês de pós-operatório a paciente apresentava fossa nasal direita (FND) ampla, epitelizada, sem crostas, observando-se em seu teto, acima do retalho de concha média, abaulamento e leve aumento da trama vascular. A CT nesta ocasião demostrava ampla cavidade cirúrgica nasossinusal a D e densificação de partes moles na região do seio esfenoidal D (Figura 5).
No décimo quarto mês de pós-operatório verificou-se aumento do tamanho da lesão no teto da FND, e uma nova CT demonstrou formação expansiva sólida, heterogênea, com calcificação em permeio, de contornos irregulares e limites imprecisos, hipocaptante, ocupando a região nasossinusal D, etmoidal e esfenoidal, determinando deformidades septal contralateral e supradesnivelamento de lâmina crivosa do etmóide (Figura 6).
Foi realizada reintervenção cirúrgica para exérese da tumoração, novamente por rinotomia lateral direita, com revisão e complementação da remoção sob visualização microscópica.
A paciente evoluiu bem, sem complicações pós-operatórias e sem sinais de recidiva até o segundo mês de pósoperatório, devendo realizar tomografia computadorizada de controle no terceiro mês.
As análises histopatolõgicas de ambas as peças retiradas nos atos cirúrgicos confirmaram tratar-se de fibroma cemento ossificante (Figura 7).
Figura 6. Tomografia computadorizada no décimo quarto mês após a primeira cirurgia.
Figura 7. Aspecto microscópico da peça cirúrgica corada com Hematoxilina-Eosina.
DISCUSSÃOO fibroma cemento ossificante acomete pouco freqüentemente outras regiões além das maxilas2,3, sendo no entanto a região etmoidal, das localizações extra maxilares, a mais comum2,3.
Deve ser considerado no diagnóstico diferencial de outras lesões encontradiças nesta região, sobretudo por seu caráter agressivo poder simular neoplasia maligna como o osteossarcoma e o rabdomiossarcoma, entre outras.
Seu alto índice de recidiva nos obriga a uma remoção o mais completa possível da tumoração e um seguimento cuidadoso dos pacientes2,3, para uma reintervenção adequada e precoce quando necessária, sendo importante lembrarmos a contra-indicação de radioterapia nesta neoplasia, devido ao grande aumento do risco de malignização da mesma2,3,8,9.
É interessante observarmos a história de trauma na região acometida pelo tumor nesta paciente, o que está de acordo com o que é citado por alguns autores como fator desencadeantel2,3.5. No entanto, ainda são necessários outros estudos para se estabelecer melhor esta associação.
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*Ex-Residente de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Walter Cantídio e Professora da Disciplina de Otorrinolaringologia do Curso de Fonoaudiologia da Universidade de Fortaleza /CE.
**Professor Substituto da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
***Professor Assistente da Disciplina de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
****Professor Adjunto da Disciplina de Otorrinolaringologia e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.
Trabalho realizado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, e apresentado como Tema Livre (Número 24) no V Congresso Norte e Nordeste de Otorrinolaringologia, III Congresso de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Estado da Bahia, I Congresso Latino-Europeu de Otorrinolaringologia e 1 Encontro Latino-Europeu de Otorrinolaringologia Pediátrica, ocorrido de 11 a 13 de junho de 1998, em Salvador /BA. Endereço para correspondência: Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará - Serviço de Otorrinolaringologia - Rua Professor Costa Mendes, 1608 - Bairro Rodolfo Teófilo - 60430-140 Fortaleza /CE - Brasil. Artigo recebido em 9 de outubro de 1998. Artigo aceito em 5 de abril de 1999.