ISSN 1806-9312  
Terça, 30 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1474 - Vol. 4 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1936
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 551 a 558
MASTOIDITES DE EVOLUÇÃO ATÍPICA INDICAÇÃO TERAPEUTICA
Autor(es):
DR. JOSÉ KÓS (*)

TRABALHO DOS SERVIÇOS DO DR. RAUL DAVID DE SANSON


As afecções da apofise mastoide apresentam sintomatologia muito variada. Na maioria das vezes é a mastoidite acompanhada de classico cortejo de sintomas, não oferecendo dificuldades nem ao diagnostico nem á indicação da terapeutica. Entretanto, não raro, o especialista mesmo com alguma experiencia, fica na duvida diante da pobreza de manifestações quer locais quer gerais e em face da falta de intensidade dos sintomas presentes.

Apareceram as descrições de mastoidite primitiva e mastoidite latente.

O processo inflamatorio da caixa, precedendo a agressão mastoidéa é talvez o maior guia para o diagnostico desta complicação. A mastoidite primitiva, isto é o processo inicial na mastoide sem comprometimento prévio da caixa, do timpano, só pôde ser admitida, no rigorismo da palavra, se a infecção se fizer por via sanguinea, por via linfatica ou por traumatismo.

O que se observa mais frequentemente são os casos em que o processo da caixa passou quasi desapercebido pelo doente; houve qualquer cousa de anormal mas não foi preciso ouvir o especialista, algum tempo depois é na mastoide que se acende a fogueira. Uma anamnése cuidadosa fixaria a data da otite que realmente existiu e que não mais está presente. O exame otoscópico naquela época revelaria um timpano anormal. Os processos naturais de defesa se fizeram, sobretudo a boa drenagem pela trompa e a otite cedeu, enquanto alguns germens ficaram acantonados no antro e demais celulas mastóideas. Agora o timpano está normal ou quasi normal e por isso dizemos que a mastoidite é primitiva.

Outras vezes, principalmente nas crianças, a mastoidite primitiva é consequencia de uma otite latente. O aspecto objetivo da menbrana não demonstra haver processo intra-timpanico, entretanto a punção traz o corpo de delito e a paracentese é seguida de supuração.

São dois casos trem diversos: num houve otite que desapareceu inteiramente, noutro ela está ali presente apesar da ausencia de manifestações objetivas. Em nenhum dos dois ha modificação sensivel do timpano no momento do exame mas em nenhum dos dois casos póde-se dizer que a mastoidite é primitiva, daí o admitirmos com muitas reservas esta classe de mastoidites.

Taptas foi o criador da mastoidite latente que, segundo ele, é a inflamação da apofise mastoide preparando grandes complicações sem sintomatologia que faça pensar numa doença do ouvido. Diz, entretanto, o mesmo especialista que se examinarmos o doente vamos verificar geralmente um tímpano róseo, com vascularização mais desenhada e presença de dôr expontanea na mastoide ou hemicranio do lado doente, dôr essa intermitente, assim como uma ligeira diminuição da audição. Mais adiante termina dizendo: si ao lado estes 3 sintomas, congestão do tímpano, dôr intermitente e surdez, vemos aparecer temperatura, mesmo pouco elevada e dôr á pressão na base da mastoide e principalmente na ponta, o diagnostico está firmado. Pelas aproprias palavras de Taptas podemos verificar que a mastoidite chamada latente é bem rica em sintomas e que um exame, mesmo pouco aprofundado, faria pensar em qualquer cousa para o lado do ouvido. Os sintomas são entretanto pouco acentuados, não são gritantes, mas existem e desde que eles existem, estamos de acôrdo com Scheibe, a mastoidite não é latente.

Estas mastoidites com sintomatologia atipica são bastante frequentes e sobre elas é que queremos focalizar o nosso estudo de hoje. Queremos chamar a atenção para os sintomas mesmo ligeiros, como indicadores de processos muitas vezes bastante graves. Se o aspecto da membrana do timpano não é normal, por menor que seja a alteração, diante da queixa do paciente, devemos verificar a causa. O estudo meticuloso esclarece a situação e a terapeutica oportuna resolve o caso. Segundo Scheibe as pulsações isócronas ao pulso e a vascularização acentuada da membrana bastam para firmar o diagnóstico de empiema da mastoide. O doente queixa-se apenas de batimentos no fundo do conduto, ouvido cheio e dôr intermitente. O exame objetivo mostra simples congestão e edema do timpano e a paracentese, seguida de ligeira purgação, não resolve o caso. O estado geral do paciente neva o medico a não acreditar que haja agressão mastoidéa A dôr espontanea é intermitente e a dôr á pressão insignificante.

Acompanhamos um caso da clinica, do nosso mestre Dr. Sanson, que apresentava o quadro acima descrito.

A doente queixava-se de algumas dôres, surdes e sobretudo de uma sensação desagradavel de bàtimezitos no fundo do condúto. Ausencia de temperatura. Um especialista ouvido disse que devia distrair-se, ir ao cinema, que não tinha nada de mais. O exame do ouvido revelou apenas ligeira infiltração da membrana do timpano que estava rosca. Trompa permeavel. Surdes tipo condução e dôr muito pequena, á pressão, na ponta da mastoide. Uma paracentése ampla foi seguida de corrimento serosanguinolento que cessou ao fim de dois dias. O germen identificado, estafilococus. A radiografia das mastoides mostrou apagamento das celulas do lado doente. Contagem global e especifica normais. Como alguns dias depois a doente, que ficou sob vigilancia continua e tratamento medico adequado, peiorasse das dores, foi praticada nova paracentése seguida de ligeira purgação. Outra radiografia veio mostrar ao lado apagamento, destruição de trabéculas intercelulares. A intervenção praticada em16-7-34 nos certificou da extensão das lesões. O antro estava cheio de pús assim como as demais celulas mastóideas, grande cavidade na ponta, tombem cheia de secreção. Sequencias normais até a cura.

Outro acontecimento ao qual damos muita importancia é o resultado nulo obtido com a paracentese que, dando saída a muito pouca, secreção, fecha rapidamente sem melhorar o estado do doente e sobretudo sem; alterar o aspecto da membrana do tímpano. São casos em que o fechamento do aditus ou de uma comunicação intercelular separa o processo inflamatorio mastoidêo, da caixa, não permitindo o escoamento do pús, passando por esta, Estes empiema da mastoide podem ser generalizados, quando é no aditus que se encontra o obstaculo ou localizados, geralmente na ponta á custa das grandes celulas ai existentes, quando a obstrução se verifica, num canalículo intercelular. Sempre, portanto, que somos levados a praticar duas e mais paracenteses no decurso de uma otite, ficamos receosos que o processo já esteja definitivamente instalado na mastoide.

A paralisia facial constitue um sintoma dos mais importantes na patologia auricular. Pôde ser encontrada no decurso de uma otite aguda fechada devido a deiscências do canal de Falópio que permitem o contato direto do processo inflamatorio com o nervo. São geralmente seguidas de cura após simples paracenteses. Excluindo as paralisias a frigore e as não mastóideas podemos observar tombem a agressão do nervo nas mastoidites em que um fóco osteitico se encontra nas proximidades do nervo. O diagnostico, quando a otite é declarada, torna-se facil. Pôde entretanto a paralisia facial constituir o unico sintoma de um processo mastoidêo. Alguns casos têm sido publicados na literatura da especialidade. Abaixo transcrevemos o resumo de uma observação interessante, verificada no Serviço do Hospital Gaffrée e Guinle, ande trabalhamos.

E. A., menino de 11 anos, que procurou o Serviço em 25 de junho de 1934. Informa o pai do paciente que este levou uma forte bofetada no lado E. do rosto, ha 20 meses, tendo perdido os sentidos por 10 minutos. Dias depois apareceu, subitamente, a paralisia de todo o lado esquerdo da face. A conselho de um dentista extraiu uns dentes, fez tratamento especifico e aplicações de correntes elétricas por mais de um ano. Nunca acusou dôr sentindo apenas muito barulho no ouvido esquerdo, barulho este que aumenta sempre que faz qualquer exercício. Afirma o pai do doente que este nunca teve supuração do ouvido esquerdo. Wassermann no sangue e no liquor negativos. Antecedentes familiares, pessoais e exame clinico - negativos para bacilose. Pelo exame verifica-se completa paralisia do facial esquerdo. Tímpano esquerdo hiperemiado, congestão do cabo do martelo e leve abaulamento no quadrante postero-superior. Surdez de condução pouco acentuada do lado esquerdo. Radiografia: apagamento das celulas mastoidéas do lado esquerdo. Uma paracentése praticada foi seguida de pouco corrimento e a mastoidéctomia revelou a existencia de enorme sequestro ocupando grande extensão da mastoide. Celulas cheias de secreção purulenta. Diante desta observação podemos verificar o valor da paralisia facial mesmo quando ha ausencia de outros sintomas, desde que se afaste a responsabilidade de uma causa extra mastoidéa.

Talvez um dos sintomas de maior importancia ao lado dos classicamente apontados, seja a mudança de temperamento. Quando presente, esta modificação do gênio, tanto no adulta como na criança, é indicadora do maior ou menor estado de intoxicação. Muitas vezes os sintomas, quer gerais quer locais, diminuíram de intensidade e já se pensa na convalescença quando o paciente, apesar de não se queixar de maior mal, passa ai ser mais tristonho, de conversador que era fica calado, irrita-se com a menor causa etc. Neste momento devemos lançar mão de outros meios diagnosticos para nos convencermos e sobretudo convencermos a familia da necessidade de uma intervenção, quasi sempre cheia de surpresas.

E' da Radiografia que vamos nos valer, assim como do hemograma. Existem aspectos radiograficos, sobretudo nos processos agudos, que são categóricos. Quero me referir á destruição das trabéculas inter-celulares, com formação de grandes cavidades. Estas destruições ósseas quando se verificam na porção alta (meningéa) ou posterior (sinusal) apresentam maior importancia. As radiografias seriadas constituem ainda melhor auxiliar pois é com a comparação das diversas chapas que conseguimos apurar a marcha do processo. Quando verificamos apenas, imagem velada, não podemos nos basear neste achado para firmar diagnostico.

Nos processos de reação mastoidéa é tambem este o aspecto apresentado á radiografia. Nos casos de mastoide crônica, em que geralmente ha eburnização da cortical externa, o apagamento celular perde seu valor e as radiografias de quasi nada adiantam. Sabendo que são as otites colesteatomatosa crônicas, as que anais facilmente apresentam complicações graves, ficamos, nestes casos, desprovidos do precioso auxilio dos Rasos X. Não nos interessam entretanto, neste estudo, as mastoidites crônicas a não ser quando ha reaquecimento.

0 hemograma póde nos indicar a intensidade do processo inflamatorio assim como o estado de defesa organica. Nos .processos menos intensos o numero de leucocitos raramente passa de 10.000. Quando esta cifra é ultrapassada, procuramos na formula leucocitaria a orientação do tratamento. A percentagem elevada, acima de 80% de polinucleares, tambem é indice da intensidade da infecção e da menor resistencia organica. Nas crianças podemos verificar a elevação da percentagem das linfocitos em vez do polinucleares. A monocitose, podendo indicar um processo especifico, ao lado da eosinofilía é geralmente sinal de regressão do processo.

A punção sub-occipital deve ser praticada em todos os casos em que uma cefaléa rebelde, mesmo não muito intensa esteja presente. E com grande surpresa que vamos verificar reações meningéas pronunciadas e até meningites purulentas septicas em doentes cuja sintomatologia não era suficiente, nem mesmo para á indicação de mastoidectomia. A punção além de ótimo auxiliar diagnostico, o é sobretudo prognostico, sabido quão graves são as complicações meningéas das otites e mastoidites. Para bem julgar o valor do exame do liquido céfalo-raqueano faremos referencia a um caso da clinica, do Dr. Sanson no qual o sintoma. Predominante foi a cefaléa. Este doente, cuja evolução de otite terminou com a trepanação da mastoide, veio consultar sobretudo por causa de cefaléa rebelde, de intensidade variada. Com a intervenção as melhoras foram acentuadas, tenda a doente se retirado da casa de saúde. Alguns dias depois, como a cefaléa tornasse a se manifestar com as mesmas carateristicas de antes da mastoidectomia, praticamos uma punção sub-occipital e o exame do liquor mostrou tratar-se de uma meningite purulenta septica, infelizmente de evolução fatal. O calefrio violento seguido de elevação térmica pôde por si só justificar uma trepanação? Indicador de uma bacteremia ou de urna toxinemia, é certamente, o calefrio, no decurso de uma otite, sintoma de grande importancia que nos leva a pensar sobretudo numa agressão do seio lateral. Os autores discutem entretanto se a intervenção deve ser precoce, quando em fase invasora, ou apenas depois de se ter formado a defesa organica, quando o processo tiver esfriado. O estado geral do doente e sobretudo a evolução da molestia é que podem nos auxiliar neste momento. E grande é a responsabilidade do medico, deixando a doença evoluir pára intervir numa fase mais adiantada, dando lugar ao classico comentario "Se tivesse operado mais cedo... !" Estamos certos entretanto que as intervenções muito precoces, ás vezes, longe de afastarem a generalização do processo, podem facilita-la enquanto que uma expectativa armada bem conduzida pôde ser a causa da cura do doente. E dificil, é impossivel mesmo, dizermos até aonde deve ir -a temporização em materia de cirurgia mastoidéa.

Ha bem pouco tempo acompanhamos um caso de otite média supurada aguda dos dois ouvidos em um menino de 11 anos, doente particular do dr. Sanson. A otite, depois de estar em involução recrudeceu de um dos lados. Apresentou então, o doentinho, sintomas de franca infecção hematica: calefrio forte, temperatura até 40° seguida de sudorese e baixa de temperatura, curva esta que era verificada. uma vez por dia. Para o lado do ouvido não houve grande alteração, apenas dôr na região esternocleido-mastoidéa, logo abaixo da apofise mastoide, onde se encontrava, á palpação, um caroço que chegou a atingir o tamanho de um ovo de galinha e que nos pareceu um ganglio enfartado com certo processo de periadenite-mobilidade regular. A expectativa armada com medicação anti-infecciosa geral foi estabelecida durante varios dias. A temperatura foi declinando aos poucos até chegar no Maximo a 38° quando houve nova elevação até 40°. Diante do processo destrutivo verificado na radiografia, foi indicada trepanação. Mastoide toda tomada, seio trombosado e supurado foi curetado sem atingir entretanto os extremos do trombo. As sequencias operatorias foram ótimas e a cura não se fez esperar.

Parece-nos que a espera, neste caso, contribuiu para a localização do processo e para aumentar as defesas orgânicas do paciente. Naturalmente exames diários eram feitos e só diante do estado geral bom da criança, é que esta conduta foi seguida.

Enquanto que em alguns casos nos baseamos no bom estado geral para esperarmos a hora cirurgica, noutros é o máu estado, nos fazendo recear um desfecho fatal, que contribui para adiar a intervenção.

Eagleton quando aqui esteve por ocasião do Congresso pauamericano, não cansou de insistir que uma intervenção praticada quando um processo geral está se instalando, pôde ser prejudicial, as pancadas facilitando a difusão de germens e toxinas. Deixar que se localize para depois intervir é o lema do grande especialista.

Não podemos entretanto terminar o nosso trabalho sem nos declararmos francos apologistas do classico conceito: "antes operar uma mastoidite cedo de mais do que demasiado tarde".

RESUMÉ

JOSÉ KÓS - LES MASTOIDITES D'EVOLUTION ATIPIQUE.

L'Auteur a focalisé qualques symptómes, même frustes, comme indicateurs de processes parfois três graves. Présenta plusieurs cas en faisant des commentaires sur chacun d'eux.

II a fatt remarquer l'existence de certains symptómes, si bien que de petite valeur, et qui, pourtant, par eux même, peuvent indiquer d'aggressions três grandes de la mastoide. II appella i'attention Pour les moyens qu'on doit utiliser pour la confirmation du diagnostique et l'établissement du traltement. Etudia, ensuite, I'opportunité de l'indication chirurgicale, rehaussant les cas dana lesquels la contemporisatIon fut utile à cáté des autres dana Iesquels la chirurgle immédiate s'est imposée.




(*) Catedratico da Escola de Medicina e Cirurgia. Livre docente da Universidade do Rio de Janeiro, Chefe de Clínica do Serviço de - Ouvido, nariz e garganta - do Hospital Gaffrée e Guinle.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia