ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1461 - Vol. 65 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1999
Seção: Relato de Casos Páginas: 176 a 179
Melanoma Mucoso: Relato de Caso.
Autor(es):
Telma E. da Silva*,
Patrícia A. Rabuske*,
Michela C. N. Bernz*,
Leandro J. Hass*,
Marcos A. Nemetz**.

Palavras-chave: melanoma orofaringe

Keywords: melanoma, oropharynx

Resumo: O melanoma mucoso é uma variante pouco freqüente do melanoma que afeta mais freqüentemente as mucosas oral e nasal. Os autores fazem uma breve introdução com as características epidemiológicas, comportamento clínico, diagnóstico, estadiamento e tratamento do tumor, e descrevem o caso de uma paciente de pele clara, 35 anos, com múltiplos nexos melanocíticos cutâneos, que desenvolveu um melanoma mucoso de orofaringe de aparecimento súbito, confirmado anátomopatologicamente após ressecção cirúrgica e que, depois de dois meses, evoluiu com aparecimento de lesão satélite na hipofaringe, metástases em linfonodos submandibulares e múltiplos nódulos subcutâneos que regrediram com a quimioterapia, enfatizando a importância do diagnóstico precoce.

Abstract: Mucosal melanoma is an uncommon type of melanoma which frequently affects oral and nasal mucoss. Initially, the authors briefly introduce the study with description of epidemiological characteristics, clinic behavior, diagnosis, staging and treatment of the tumor. Then, they narrate the case of a caucasian woman, 35 years old, carrier of multiple cutaneous melanocytic nevis, sucidenly affected by a mucosal melanoma on oropharynx, confirmed by histopathologic exam after surgical ressection. Two months later lesion cm hipopharynx, submandibular lymph nodes metastatic and multiple subcutaneous nodes have appeared and, later were eliminate(1 by means of chemotherapy. This case stresses the importânce of the early diagnosis.

INTRODUÇÃO

O melanoma mucoso de cabeça e pescoço é uma variante do melanoma que representa de 0, 5 a 2% de todos os melanomas' e entre 10 e 15% dos melanomas de cabeça e pescoço2.

É mais freqüente em homens (3:1)3, na sexta e sétima décadas de vida¹. As localizações mais freqüentes são as cavidades oral (50%) e nasal (35%) e os seios paranasais2.

As manifestações clínicas dependem do local. Quando na cavidade oral, geralmente está associado a melanose intraoral e os sintomas mais comuns são ulceração e sangramento. Quando na cavidade nasal, sangramento e obstrução nasal são comuns, podendo ocorrer destruição óssea. A aparência do tumor é variável, podendo ser polipóide ou ulcerado, e a cor varia de branco, róseo, vermelho a cinza, marrom ou preto¹.

O diagnóstico é relativamente fácil quando a lesão é típica e associada a melanose. Quando na cavidade nasal, é mais difícil pela localização e pelo fato de que um terço das lesões podem ser amelanocíticas¹.

A disseminação do tumor pode ser local, para linfonodos regionais, ou hernatogênica para fígado, pulmão e cérebro, sendo a principal causa de morte¹.

A biópsia excisional é o melhor método diagnóstico, pois, além de confirmar o melanoma, avalia o grau de invasão histológica, essencial para avaliar o prognóstico e o planejamento terapêutico. Nas lesões extensas ou ulceradas em cabeça e pescoço podem ser feitas biópsias incisionais4.

O estadiamento é essencial e divide-se em grau 1, quando há apenas a lesão primária; grau 11, quando acomete linfonodos regionais; e grau 111, quando tem metástases à distância¹.

O tratamento da lesão primária é iminentemente cirúrgico através de excisão ampla da lesão4. Quando há gânglios palpáveis no pescoço, sem metástases à distância, deve ser realizado esvaziamento ganglionar do pescoço 1,2,4.

A radioterapia tem bons resultados¹, sendo indicada nos casos recorrentes e na doença linfonodal2.

A quimioterapia não é uma arma eficaz como tratamento adjuvante, mas pode ser usada nos casos disseminados, com resposta favorável em 14 a 25% dos casos².

A crioterapia e a eletrodissecção podem ser usadas nos casos avançados, melhorando pouco a sobrevida, mas evitando grandes mutilações 4.

A imunoterapia com BCG também pode ser útil para prolongara sobrevida 4.

Estudos demonstram resultados mais favoráveis com combinação de tratamentos em relação à monoterapia5.

O prognóstico geralmente é ruim e o -índice de cura em cinco anos é baixa (10 a 15%); porém, uma paliação prolongada pode ser conseguida¹. Ocorre recorrência local após cirurgia em 25 a 40% dos casos².

A sobrevida é de 17% em cinco anos e 5% em 10 anos para os melanomas de mucosa oral, 31% em cinco anos para os de mucosa nasal e 0% em cinco anos para os de seios paranasais 6.

Descrevemos o caso de uma paciente, com 35 anos de idade, com melanoma de orofaringe de aparecimento súbito e rápida evolução para doença disseminada.


APRESENTAÇÃO DE CASO CLÍNICO

Paciente S. L. K., do sexo feminino, com 35 anos de idade, branca, solteira, secretária, natural e procedente de Blumenau. Há 1 ano e 6 meses procurou consultório médico com história de desconforto na garganta há quatro meses, que evoluiu com disfagia progressiva, odinofagia e com aparecimento de uma lesão escura na garganta. Sem outras queixas referentes aos outros sistemas. Na história patológica pregressa refere que cauterizou uma lesão no couro cabeludo em outro Serviço, não sendo realizado exame anátomo-patológico.

Ao exame físico, paciente de pele clara com incontáveis nevos melanocíticos distribuídos por todo o corpo, principalmente no tronco e membros superiores. Orofaringe apresentando lesão preta ulcerada de bordos imprecisos, coloração heterogênea, medindo 3 x 3 x 3 cm, ocupando toda a parede posterior até a prega faringoepiglótica (Figura 1). Pescoço sem adenomegalias. Demais aparelhos com exame físico normal.

Foi diagnosticado possível melanoma mucoso e indicado tratamento cirúrgico da lesão. A excisão foi realizada através de faringotomia supra hióidea com ressecção de toda a mucosa da orofaringe e parede posterior da hipofaringe entrando na face lingual da epiglote à direita. Inúmeras lesões satélites em toda a mucosa respiratória foram ressecadas isoladamente.

O exame anátomo-patológico mostrou segmento irregular de tecido marrom-acinzentado, medindo 6 x 4 x 2,5 cm, exibindo uma superfície cruenta, e superfície oposta constituída por mucosa interrompida por área protusa, tumoral, ovóide, medindo 2,5 x 2 x 2 cm, marrom-escura com áreas amarelas, adjacentes ao qual há tecido preto, mal delimitado, numa área de aproximadamente 2 x 2 x 2 cm; aos cortes, vê-se tecido branco-amarelado ou marrom-escuro, ocupando extensamente o tecido cinza.

A microscopia mostra segmentos de mucosa repousando sobre o tecido muscular esquelético, revestida por epitélio poliestratificado pavimentoso; tanto o epitélio quanto o cõrio subjacente e também parte do tecido muscular esquelético encontram-se envolvidos por neoplasia formada por células com citoplasma escasso ou moderado, ovalar, denso, eosinófilo, contendo quantidade variável de melanina, núcleos ovóides, hipercromáticos com nueléolo saliente e inconstante, e moderadas mitoses; tais células dispõem-se em grupos irregulares, exibindo pouca coesão intercelular; a neoplasia forma um agrupamento predominante; porém, nas adjacências há nódulos menores, envolvendo a profundidade do espécime, no interior do tecido muscular esquelético.



Figura 1. Lesão primária de orofaringe.



Figura 2. Lesão satélite de hipofaringe, compatível com disseminação tumoral.



O diagnóstico revelou melanoma envolvendo mucosa, submucosa e tecido muscular esquelético da orofaringe. Alerta que embora a massa principal não envolva os bordos cirúrgicos da peça, há nódulos microscópicas adjacentes à margem cirúrgica profunda da espécime.

A paciente evoluiu bem no pós-operatório, sendo fechada a traqueostomia no 14°- dia de pós-operatório, falando normalmente, porém com aspiração importante de saliva. Dois meses após a ressecção do tumor, notou, ao acaso, linfonodos submandibulares. No exame físico foram detectados quatro linfadenomegalias fixas, medindo aproximadamente 6 cm de diâmetro, na região submandibular direita e esquerda, associadas à lesão satélite preta na parede lateral esquerda da hipofaringe (Figura 2) e múltiplos nódulos subcutâneos pretos na região torácica, braço esquerdo e perna direita medindo 1 a 2 cm, compatíveis com metástases de melanoma. Foi realizada punção biópsia do linfonodo cervical, que revelou esfregaços exibindo abundantes células com citoplasma em quantidade variável, denso, eosinofilico, contendo pigmento fino e castanho, núcleos variando em volume, ovóides, hipercromáticos, nucléolo saliente e inconstante, isoladas e em grupo. Positivo para malignidade, compatível com melanoma.

Foi, então, encaminhada ao serviço de oncologia onde iniciou tratamento quimioterápico por doença disseminada em 6 ciclos de Cisplatina e Dacarbazina a cada 3 semanas por 3 semanas e BCNU a cada 6 semanas

A paciente evoluiu bem, com regressão total das lesões e das lindonodomegalias. Permanece sob controle médico.

DISCUSSÃO

O caso apresentado mostra uma paciente jovem, de pele clara, com múltiplas lesões cutâneas que evoluiu com desconforto na garganta e com o aparecimento de uma lesão na cavidade oral de 4 meses de evolução.

A idade de aparecimento é mais precoce que a maioria dos casos; porém, as lesões cutâneas explicam essa predisposição ao melanoma.

Os sintomas de desconforto na garganta, disfagia e odinofagia decorrem do rápido crescimento da lesão e da sensibilidade da paciente, não estando presente em todos os casos, de modo que pode passar despercebida, principalmente em pessoas com melanose intraoral crônica, que não está presente nesta paciente.

Apesar do rápido crescimento da lesão, a paciente não apresentava linfonodos cervicais palpáveis no momento do diagnóstico, sendo considerado melanoma mucoso grau 1 e indicado tratamento cirúrgico com ressecção da lesão com boa margem de segurança.

O diagnóstico de melanoma mucoso foi confirmado pela biópsia, que demonstrou nõdLllos microscópicos nas margens cirúrgicas e a paciente foi orientada a retornos a cada 2 meses para avaliação.

Evoluiu com o aparecimento de linfonodos submandibulares, de lesão satélite na hipofaringe e de múltiplos nódulos subcutâneos, caracterizando o surgimento de novas tesões, confirmada pela punção biópsia de linfonodo, e disseminação cutânea do tumor (melanoma grau III).

Optou-se por tratamento quimioterápico ao esvaziamento cervical por tratar-se de doença disseminada.

Houve regressão das lesões com o tratamento e a paciente deve permanecer assintomática sob controle ambulatorial.

COMENTÁRIOS FINAIS

O melanoma mucoso de cabeça e pescoço é uma patologia pouco freqüente; porém, de prognóstico ruim, de modo que o diagnóstico precoce é a chave para o tratamento e sobrevida desses pacientes. Segundo Barker,1997, toda lesão pigmentada de cavidade oral não diagnosticada deve ser biopsiada3.
Após a confirmação diagnóstica, o estadiamento é importante para avaliar qual a melhor opção terapêutica, e o seguimento periódico desses pacientes é imprescindível para a detecção precoce de recidivas e do aparecimento de metástases.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. HARWOOD, A. R.- Melanoma of the head and neck. In: MILLION, R. R; CASSISI, N. J. - Management ofhead and neck
câncer - A multidisciplinary approach. Philadelphia: J. B. Lippincott Company, 1984: 525-8.
2. SCHWARTZ, M. L. - Melanoma of the head and neck. In: MCQUARRIE, D. G.; ADAMS, G. L.; SHONS, A. R.; BROWNE, G. A. -Headandneckcancer-clinicaldecisionsandmanagement principles. Chicago: Year Book Medical Publishers,1985: 403-5.
3. BARKER, B. F.; CARPENTER, W. M.; DANIELS, T. E.; KAHN, M. A; LEIDER, A. S. et all. - Oral mucosal melanomas: the WESTOP Banff workshop proceedings. Oral Surg. Oral. Med. Oral. Pathol. Oral Radiol. Endod.; 83 (6): 672-9, jun 1997.
4. SANTOS, I. D. A. O.; BANDIERA, D. C. -MelanomasMalignos (cutâneos e mucosos) em cabeça e pescoço. In: BRANDÃO, L.G; FERRAZ, A. R. - Cirurgia de Cabeça e Pescoço. São Paulo: Roca, 1989: 637-42.
5. FOLZ, B. J.; NIEMANN, A. M.; LIPPERT, B. M.; HAUSCHILD, A; WERNER, J. A. - Mucous membrane melanomas of the upper aerodigestive tract. An analysis of 34 cases. Laryngorhinootologie, 76 (5): 289-94, May 1997.
6. MANOLIDIS, S.; DONALD, P.J. -Malignantlnucosal melanoma of the head and neck: review of the literature and report of 14 patients. Câncer, 80 (8): 1373-86, Oct 1997.




*Doutorando(a) no Curso de Medicina da Universidade Regional de Blumenau /SC.
** Professor da Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Curso de Medicina da Universidade Regional de Blumenau /SC.

Trabalho realizado na Disciplina de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Curso de Medicina da Universidade Regional de Blumenau /SC. Endereço para correspondência: Telma E. da Silva. Rua Irmã Bonavita, 103 - Capoeiras - 88090-150 Florianópolis /SC - Telefone: (047) 982-9005 - Telefax: (048) 3460090 ou Marcos Nemetz. Rua Helói Dalsasso, 345 - 89030230 Blumenau /SC - Telefone: (047) 326-3790 - Telefax: (047) 326-0-r 17. Artigo recebido em 6 de maio cie '1998. Artigo aceito em 13 de outubro de 1998.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia