ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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145 - Vol. 23 / Edição 3 / Período: Maio - Junho de 1955
Seção: - Páginas: 84 a 89
NOSSA EXPERIÊNCIA EM AMIGDALECTOMIA NO ADULTO
Autor(es):
Dr. NELSON HORA OLIVEIRA - Chefe do Clinica Otorrinolaringologia do Hospital Central da Marinha - Rio de Janeiro

Sendo a amigdalectomia a operação mais praticada em toda a cirurgia, e que figura com mais de 50% nas intervenções otorrinolaringológicas, compreende-se por que sempre está em ordem do dia, e presente nos ternários de quase todos os congressos da especialidade. Tida como pequena cirurgia, e praticada freqüentemente por cirurgiões gerais e mesmo pelos que não se dedicam à cirurgia, não é de admirar seja tantas vezes mal executada, o que lhe anula os proveitos, senão a torna nociva, sem contar as graves e possíveis surpresas durante ou após o ato cirúrgico, deixando perplexos os que a executam sem a devida habilitação. Se nós, especialistas, vezes há em que temos de empregar todos os nossos conhecimentos, fruto de longa prática diária, para enfrentar e resolver celtas situações delicadas, que farão os inexperientes, como se desincumbirão os estranhos á especialidade, quando diante de fatos para êles imprevistos, tão possíveis na cirurgia das amígdalas? É de crêr que contem com a ajuda divina, pois que Deus não abandona os inocentes...

Essas surpresas são presentemente bastante raras para o especialista, de vez que a técnica da intervenção está perfeitamente metodizada, convindo antes falarmos em dificuldades inerentes ao próprio paciente, que por vezes se nos deparam, tais como pusilanimidade, conformação da garganta, dorso da língua volumoso, aderências, etc, menos surpresas que fruto da inexperiência.

Não obstante estar a técnica, de maneira geral, perfeitamente delineada, não há dúvida que cada cirurgião tem preferência por determinados detalhes, por certos truques, muitos dos quais, por motivos pessoais, só ao próprio são valiosos, outros que, realmente, seriam úteis a qualquer um, e que portanto devem ser divulgados, á guiza de convite à experiência.

Sendo bastante longo nosso tirocínio no assunto, julgamos também de nosso dever dar conhecimento do que fazemos, mesmo porque há detalhes que nos parecem originais, porquanto nunca os vimos praticados ou relatados por outros (perdoe-nos se fôr apenas pretensão).

DAS CONTROVÉRSIAS EM AMIGDALECTOMIA

Se a divulgação de detalhes é de real proveito entre os especialistas, visando ao aproveitamento dos que de fato forem úteis ao aprimoramento e, tanto quanto possível, à estandartização da técnica, certas controvérsias, que ainda hoje dão lugar a intermináveis, acaloradas e estéreis discussões, são absolutamente destituídas de fundamento. Veja-se, por exemplo, a questão da indicação operatória já se foi o tempo em que se julgava serem as amígdalas indispensáveis". Se a natureza as colocou no organismo, é porque têm alguma função específica, e não elevem ser extraídas, diziam nossos colegas do passado, e ainda o dizem muitos contemporâneos conservadores e não atualizados. Sim, sabemos nós que elas têm sua finalidade: São órgãos linfóides, como muitos outros, e como êstes produzem glóbulos brancos, especialmente linfócitos. Se extirpadas, suas funções são supridas pelos órgãos congêneres, sem a mínima queda na produção. Até agora ninguém apresentou dano algum, de ordem local ou geral, digno de registro, em conseqüência da retirada das amígdalas. Como recíproca, nunca deixamos de ter algum resultado benéfico em todos os nossos operados, cujo número já anda pela ordem dos milhares. Não digo que se opere algum que de nada se queixa, ou de cujos males são as amígdalas, sem dúvida, estranhas. Se porém há suspeita da responsabilidade focal, por exemplo, e o fóco não é identificado, as amígdalas devem ser extirpadas, "mesmo que sua aparência seja de absoluta normalidade". A nosso ver é preferível retirar uma amígdala sã, a conservar uma doente. "Em caso de dúvida, contra as amígdalas".

Outro motivo da controvérsia é o método de operar, se empregamos o processo de Sluder ou o da dissecção. Todavia, quem quer que tenha experiência dos dois não pode deixar de ser eclético. A dissecção é o método de escolha, tanto no adulto como na criança, por ser verdadeiramente cirúrgico, elegante e, sobretudo, eficiente. Tenho a firme convicção de que o Sluder, mesmo nas mãos de seus mais hábeis manejadores, não realisar amigdalectomia total nos 100% dos casos. Num adulto que tenha sofrido abcessos amigdalianos, onde as aderências são tão firmes que até na dissecção encontrara-se dificuldades em fazer uma extirpação intracapsular, desafio quem o possa fazer pelo Sluder. Na criança, com a anestesia pela inalação de algumas baforadas de cloretila, como é geralmente feita, debatendo-se o paciente, com sangue invadindo o campo operatório, como evitar fiquem restos de amígdalas, em grande número de vezes? Todos nós vemos diariamente casos operados por êste processo, por profissionais de valor, que nos procuram para que lhes completemos a intervenção. Devemos então colocar o Sluder numa prateleira do museu da História da Medicina? Não, porque dele, às vezes, temos de lançar mão. Nem todos podem pagar a um anestesista, que é indispensável a uma dissecção em criança. Pela sua rapidez e simplicidade, o Sluder é insubstituível nas intervenções em massa, que se fazem em escolas, preventórios, etc. Se estamos no interior, onde não há anestesista, por que não usar o Sluder? Temos muitas probabilidades de fazer uma operação completa, e a criança lucrará mesmo que não a façamos. Refiro-me à criança porque, em se tratando de adulto, a única justificativa para o emprego do Sluder é não saber dissecar. Não compreendemos como é que, ainda hoje, colegas velhos, respeitáveis, de longa experiência, perdem tempo a discutir e querer demonstrar ser êste ou aquele o processo de preferência. A verdade é que o Sluder é útil somente quando a dissecção é inesquecível. Essa questão de trauma psíquico nos parece simples tolice. Está mais que provado que êsses traumas acometem crianças operadas por qualquer dos processos. Quando a criança é neurótica, criada em ambiente de neuropatas, é psiquicamente traumatizada a todo o momento, e por qualquer motivo. Já é tempo portanto de acabarmos de vez com essas discussões bizantinas e cuidarmos de outros assuntos em nossos encontros. Há tanta cousa que realmente não está esclarecida, que nos causa tédio ver colegas a compulsar tratados, revistas, estatísticas, pretendendo demonstrar que as amídalas não devem ser extirpadas, porque úteis, e que só o devem as gritantemente doentes, e que o Sluder é melhor do que a dissecção, ou vice-versa, e que há trauma psíquico, e que a técnica ainda não é perfeita, etc., etc. Que estas controvérsias existam entre os não especializados, ou entre os especialistas neófitos, compreende-se. Não se admite porém é que ainda sejam objeto de consideração entre especialistas categorizados, e em congressos da especialidade, o que redunda no abaixamento do nível científico dessas reuniões.

A OPERAÇÃO

Ficaremos adstritos aos casos cirúrgicos levados a efeito em adultos, pelo fato de ser maior a nossa experiência neste setor. Usamos a anestesia local, sem nunca termos tido um só paciente, entre milhares de operados, em que a mesma não lograsse êxito permitindo-nos a perfeita execução do áto cirúrgico. Não compreendemos como se transforma uma coisa simples, absolutamente tolerável, que se realisa em 20 ou 30 minutos, com anestesia local, em uma intervenção demorada, complicada, que sem dúvida envolve mais risco, e quiçá, maior sofrimento para o paciente, simplesmente por transigência com desejos de certos temperamentos pusilamines, ou histéricos. Cumpre-nos explicar a êsses pacientes as reais vantagens da anestesia local, em contraste com a geral, e a completa ausência de dôr no áto cirúrgico. Em geral dizem-nos os pacientes que a dôr após a operação não lhes apavora, não querendo porém sofrer na hora da intervenção. A dôr no post-operatório ainda é, entretanto, um problema, qualquer que seja a anestesia. Por tais motivos nunca empregamos anestesia geral em adultos, e até hoje nenhum paciente por isso recusou-se a ser operado, ou queixou-se de sofrimentos durante o áto operatório.

Como anestesia de base usamos o Scophedal, com plena satisfação. Para a superfície, nossos produtos são a Néo-tutocaina, ou Percaina a 2%. Localmente, empregamos a novocaina a l %, com tantas gotas de adrenalina quantos forem os cc de novocaina. Êste é dos pontos para o qual pedimos a atenção dos que nos têm e que consideramos capital na bôa execução de nossas intervenções. Todos sabem que o sangue é o fator que mais freqüentemente ocasiona transtornos na amigdalectomia: - recobre o campo operatório, mascára-o, provoca tosse, enerva o paciente e o médico, transforma, às vezes, um áto simples, elegante, tranqüilo, numa pequena tragédia.

Ao contrário, não havendo sangue, tudo corre bem; a dissecção pode ser feita sob absoluto controle do cirurgião em seus movimentos. O aumento da quantidade de adrenalina, na maioria das vezes, provoca esquema completa, a tal ponto que, ao findar a operação, o paciente não emitiu na cuba uma só gota de sangue. O uso geralmente feito de 1 gota de adrenalina para cada 2 cc. de novocaina, não basta para obtenção de isquemia necessária a uma perfeita e elegante intervenção. Nada há que justifique esse medo da adrenalina. Aumento da pressão arterial e vasodilatação secundária, causando hemorragia post-operatória, e outros temores, são na prática absolutamente destituídos de importância. Ao contrário, além da ausência de sangue no ato cirúrgico, que nos permite trabalhar tranqüilamente, ternos observado a ausência, com o emprego de maior dose de adrenalina, de fenômenos tóxicos atribuídos á novocaina, tais como náuseas, cefaléa, tremores, etc., e isso é facilmente explicável pelo fato de ser mais lenta a absorção do anestésico. Também temos tido hemorragias post-operatória, ou melhor, quasi não mais as temos, atribuindo o fato, em primeiro lugar, à tranqüilidade e ao absoluto controle do áto cirúrgico, permitindo-nos ligar facilmente qualquer vaso que se nos apresente, sangrando ou não; em segundo lugar, com a vasoconstricção mais enérgica e demorada, haver possibilidade de formar-se um trombo mais consistente e aderente, antes de voltar o vaso a seu calibre normal. Em média empregamos de 12 a 15 cc. de novocaina, com igual número de gotas de adrenalina, para ambas as amígdalas, e não visamos anestesiar, especificamente, nervo algum, mas fazer um bloqueio da loja, da seguinte maneira: 1 botão submucoso, ao nível do pilar anterior, que nos possibilitará uma incisão branca, (que será de muita valia para um bom começo); então, sem retirar a agulha, aprofundamo-la em direção à loja, por fora da cápsula, injetando 2 cc; depois, 2 cc. no pólo superior, ½ cc. no pilar posterior e 2 cc. no pólo inferior. Para as amígdalas pequenas, é o suficiente, para as graneles acrescentamos um pouco mais em cada local. A agulha, desde que longa, poderá ser reta ou curva. (Preferimos sempre a reta). Fazemos a incisão com tesoura, a 1 mm da borda do pilar anterior. Uma vez no plano de clivagem, cola a ponta da tesoura semi-aberta, sem cortar, fazemos o descolamento no sentido cápsula-loja, à procura do pólo superior, que em geral é facilmente liberado. Esse detalhe do uso da tesoura como descolador tem a vantagem de simplificar o material. Todas essas manobras são feitas sem sangue, tranqüila e elegantemente. Logo que descolado o pólo superior e destacados os pilares, pode-se abreviar a operação descolando-se bôa extensão com gaze, e seccionando-se os pedículos com o serra-nó (tipo Tyding). Inspeciona-se então, cuidadosamente, toda a loja, ligando-se os vasos visíveis, estejam ou não sangrando. Não usamos aspiração, pois não há o que aspirar.

Experimentamos em cêrca de 30 casos a Privina, em logar da adrenalina, conforme preconisa o Prof. Mangabeira Albernaz. A Privina não dá a vaso-constrição obtida com a adrenalina, mesmo usando-se 1 gota para cada cc. de novocaina; e como desejamos operar sem sangue, não encontramos motivos para a preferência, até porque julgamos serem destituídos de importância os efeitos secundários da adrenalina. Desde que passamos a usá-la em maior dose, temos tido menos hemorragias posteriores, e já pretendemos, atrás, explicar os motivos. Queremos aproveitar a oportunidade para registrar o seguinte fato:

Um dos nossos pacientes, operado com Privina, apresentou, no 4.° dia, febre de mais de 40° graus, que se manteve por cêrca de 4 semanas, sem que os clínicos lograssem chegar a um diagnóstico exato. Radiografias, hemoculturas, todos os exames clínicos e laboratoriais foram normais, salvo o hemograma, que registrava baixa acentuada dos granulocitos, sem outras manifestações clínicas de agranulocitóse. Todos os antibióticos foram usados, sem nenhum efeito na curva térmica. Terá a Privina algum efeito nocivo sôbre os órgãos hematopoéticos, como a amidopirina e outros tantos? Talvez tenha havido simples coincidência, mas o fato deve ficar registrado.

A respeito da dôr no post-operatório de amigdalectomia, devemos dizer que usamos o preparado Lumetrox (efocaina) em vários pacientes, sem resultado, e desejamos também registrar que em 3 deles houve o aparecimento de trismo, ao fim de 1 semana.

Em resumo, desejamos apresentar e sugerir o seguinte:

1.º - Uso de Scophedal como base;

2.º - Emprego de tantas gotas de adrenalina (Sol. 1/000) quantos forem os cc. de novocaina (ponto básico em nosso processo, ao qual devemos o afastamento de quase todos os contratempos outrora freqüentes, e para o qual insistimos em pedir a atenção dos colegas);

3.º - Simplificação do material cirúrgico, usando a tesoura como descolador, com a ponta semi-aberta, sem cortar, raspando com ela a cápsula em direção à loja, ou, apoiada na cápsula, forçar o descolamento para baixo;

4.º - Uso exclusivo da anestesia local, em adultos;

5.º - Uso exclusivo da dissecção em adultos, e, sempre que possível, na criança (dependendo da disponibilidade da anestesia por intubação);

6.º - Proscrição total de discussão, em sessões plenárias de congressos, de controvérsias relativas a processos e anestesias, salvo se surgir qualquer coisa realmente nova, afim
de que não se tornem vulgares e de baixo nível científico essas reuniões, onde é de supor, sejam ventilados temas mais ou menos interessantes ou invulgares, e onde os mestres e colegas de maior tirocínio trazem ao conhecimento de todos, o resultado de suas experiências e observações, afim de que os especialistas de menor projeção possam estar em dia com o progresso da especialidade. Do contrário, se continuarmos a repisar assuntos ultrapassados, onde divergências são puramente de natureza opinativa, tais congressos tornar-se-ão abaixo do mérito de nosso comparecimento.

RESUMO

O A. estuda as indicações da amigdalectomia, achando que a operação é quase sempre benéfica, opinando que deve ser feita em todos os casos em que haja responsabilidade focal.

Acha que o processo de escolha é o da dissecção, em criança e adulto, sendo todavia o Sluder útil, na criança, quando a dissecção fôr inesquecível, por falta de anestesia, etc. No adulto só usa a anestesia local, empregando como base o Scophedal (Merck), e infiltrando com novocaina (de 12 a 15 cc.) com igual número de gotas de adrenalina. Considera o aumento da dóse de adrenalina como de fundamental importância para uma operação elegante e eficiente.

Como descolador, usa apenas a tesoura, que só corta na incisão inicial. Sugere a proscrição de discussão em sessões plenárias de congressos da especialidade de temas ultrapassados, tais como indicação operatória, técnica cirúrgica, etc. salvo se surgirem cousas novas, para que tais congressos não desçam de nível.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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