São Paulo - Capital
Na nossa vida profissional, a lidar diuturnamente com os usos mais variados e com a mais variada sequencia dos diversos estados morbidos, não ternos para onde fugir daquele conceito classico que nos ensina que não há doenças, mas doentes.
De acordo com a resistencia do individuo, do meio em que vive, do maior ou menor grao de resistencia dos germes e de fatores de ordem vária, vemos como a mesma molestia evolue de maneira diversa e poliforma. Nuns individuos uma otite média, por exemplo, de forma aguda, tratada desde o inicio, ou seja desde os primeiros sintomas, segue sua marcha normal para a cura em curto prazo. Em outros, porem, este prazo se dilata, passando da forma aguda à sub-aguda e à cronica, desafiando os cuidados do medico e do doente. Muitas vezes, mal surgem e se fazem ja seguir de gravissimas complicações, a contrastar com a evolução benigna da maioria.
Estas considerações acorreram ao nosso espirito ante a meditação sobre a extranha evolução de dois casos de otite media que passaram pela nossa clinica, de molde a não nos parecer de todo inoportuno o seu relato aos colegas interessados nas coisas da otologia.
Comecemos pelo segundo caso. o mais recentemente observado:
No dia 1 de Julho de 1946, fomos chamados para atender a G. W., branco, de 45 anos de idade, alemão, comerciante, casado e residente á Rua Estados Unidos, nesta Capital. O paciente queixa-se de dores no ouvido esquerdo, dores que começaram pela madrugada e que ja duravam cerca de 12 horas. Fez suo de comprimidos analgesicos sem alivio satisfatorio. Está resfriado há alguns dias.
O exame revela o timpano esquerdo congesto e bombeado. Secreção nasal e rino-faringéa discretas.
Praticamos no mesmo instante a paracentese do timpano, com alivio imediato para o paciente.
No outro dia, novo chamado a domicilio às 14 horas, isto é 24 horas após nossa primeira visita. A familia informa que G. W. não se queixou mais de dores, tendo passado bem a noite. Levantou-se cêdo, muito bens disposto, chegando mesmo a sair um pouco, indo até a casa visinha. Mais tarde sentiu-se mal e deitou-se. Encontramo-lo desacordado e falando coisas sem nexo.
O exame do ouvido mostrou o conduto enxuto e o timpano aberto. Temperatura de 39°.
Fizemos remover o paciente para uma Casa de Saúde onde começou a receber de 3 em 3 horas 40.000 uu de Penicilina e injeções de Sulfatiazol (Solu. Tiazamida a 44%) de 6 em 6 horas por via intravenosa. A radiografia da mastoide nada revelou de anormal.
A noite, retiramos por punção lombar, liquor para, o exame, injetando na raque 100.000 uu de Penicilina. O liquor se apresentava espesso e muito turvo com aspecto purulento. O exame bacterioscopico revelou "germes com caracteres morfologicos de pneumococos" (Dr. Paulo de Taunay). Feita a cultura o resultado foi o seguinte: "A semeadura em meios apropriados deu desenvolvimento exclusivo a germes que foram identificados como sendo do pneumococos. (Dr. Paulo de Taunay).
Na manhã seguinte o estado do paciente se agravara ainda mais. Fizemos nova punção raqueana. Liquor ainda reais turvo. Injetamos outra cose de Penicilina por esta via. Tudo em vão pois, ao entardecer deste mesmo dia o paciente falecia.
A evolução do caso foi verdadeiramente fulminante. O tratamento precoce de nada valeu. Na nossa ja longa vida profissional não conhecemos nenhum outro caso semelhante, mormente na epoca das sulfas e da Penicilina. Lembramo-nos apenas do que observamos quando ainda como estudante frequentavamos o serviço do saudoso Mestre Eduardo de piorais, caso que aliás não deixou de ser para nós uma grande decepção, principalmente muito dolorosa por se tratar de uma auxiliar do nosso ambulatorio, Queixou-se a paciente, após um resfriado, de otalgia. Foi por nos examinada e como julgamos necessario praticamos a paracentese indicada. O imediato alivio durou pouco.
Apezar dos cuidados dispensados, dos curativos diarios e da proteinoterapia ensaiada, o caso evoluiu para a mastoidite. Operada, entrou a melhorar como se esperava mas por pouco tempo pois os sintomas da tromboflebite do seio lateral não tardaram. Depois veio o abcesso do cerebro. Sempre operada precocemente e em todas as fazes da molestia acompanhada com desvelo pelo Professor Moraes, com aquela maestria e proficiencia que em tudo o distinguia, faleceu afinal aos ultimos instantes da derradeira intervenção, por uma sincope anestesica.
Lembramo-nos bem como foi chocante, para todos nós do serviço o epilogo daquele caso da enfermeira que adoecera no serviço é tratada sem perda de um instante terminara os seus dias ás nossas vistas como uma advertencia ao optimismo dos que começavamos a lobrigar os segredos e as tecnicas da especialidade que elegemos.
Outro caso de evolução caprichosa e verdadeiramente antagonica ao primeiro que relatamos, no que, se refere à resistencia da paciente, e a evolução da molestia é o da observação que a seguir tentaremos resumir:
M. T. P., ficha 12.162, branca, italiana, com 50 anos (te idade, casada a residente em Vila Novais, São Paulo, veio à consulta no dia 22 de Junho de 1941.
Antecedentes - Sempre gosou de otima saude até há 10 anos quando, estando gravida, sofreu uma ferida pruriginosa na coxa direita. Submeteu-se a tratamento medico e lembra-se que lhe fizeram uma serie de Neosalvarsan e algumas caixas de injeções mercuriais. A ferida cicatrizou logo no inicio do tratamento. Pouco depois, teve a creança. Houve retenção da placenta e o medico chamado teve que fazer a extração manual sem anestesia e sem luvas, na propria casa da paciente. Passou bem os cinco primeiros dias. No sexto, levantou-se e sentiu "um peso cair na perna direita" que inchou e ficou preta. Assim ficou, sem assistencia medica, durante pouco mais de um mês. Dia a dia a perna mais inchava, só tendo doido na primeira semana. Chamado por fim um medico, foi estabelecidos o diagnostico de flebite e nefrite e durante tres meses tratou-se com remedios pela boca, injeções e cataplasmas.
Depois, a outra perna, a esquerda, tambem inchou e ficou vermelha, peorando tambem da direita. A conselho medico fez uma estação em Serra Negra. Não melhorando foi a Campinas e tratou-se durante 115 dias consecutivos com injeções, remedios, banhos de luz, etc. Voltou para casa muito melhorada. Um ano depois submeteu-se, em Campinas, a novo tratamento. Desde então tem tido crises esporadicas de erisipela, espaçadas de 2 meses a 1 ano. A ultima crise foi há um mes.
Seu pai, falecido aos 40 anos, de pneumonia, foi etilista. Sua mãe, faleceu aos 33 anos, de hemorragia post-aborto. Tem dez filhos vivos e sadios. Seus oito irmãos estão vivos e sadios.
Historia atual - Ha cerca de dez dias apanhou um golpe de ar seguido de forte resfriado, com dor de garganta. Tomou um suador e no dia seguinte "sentiu subir uma coisa para o ouvido direito do qual ficou surda". Febre, otalgia, mal estar geral.
O medico chamado instituiu tratamento anti-palidico provavelmente orientado pelo fato de ser a febre alta sempre precedida de calafrios violentos. Apezar da medicação não melhorou. A temperatura sobe diariamente a 39º e mais. Hoje elevou-se a 40,5. Desde ontem tem saido, pus do ouvido que tem tambem doído menos.
O exame que procedemos na paciente autorizou-nos a firmar o diagnostico de mastoidite, diagnostico que foi em seguida confirmado. pela radiografia. Não sendo possivel por motivos pessoais da paciente a realização da intervenção no mesmo dia, ficou a mesma marcada para o dia seguinte.
Vejamos em rapido bosquejo a evolução do caso, fixando-lhe as fazes mais interessantes.
22 de Junho - A temperatura não foi alem de 38,4. Anaseptil a 25% na veia. Vacina antipiogenica Lancisi.
23 de Junho - Passou a noite bem, amanhecendo melhor e riais disposta. O curativo do ouvida quasi não deu pus. Não ha dar. A temperatura que pela manhã foi de 36,5, elevou-se apenas a 36,6 a tarde. Este fato encheu-nos e à doente de optimismo fazendo-nos erradaniente adiar a intervenção. Anaseptil a 25% pela manhã e a 10% a tarde, na veia. Per os, Tiazatnida.
24 de Junho - A paciente amanheceu indisposta. A temperatura pela manhã foi de 37,8. Mais tarde o quadro mudou. Forte e demorado calafrio seguido de elevação da temperatura a 40,4. Resolvemos operar imediatamente. Pedimos um Hemograma de Schilling, unia hemocultura para cocos e pesquiza de hematozoario.
A operação correu muito bem. Anestesia local pela Scurocaina a 2%. Foi auxiliar nosso distinto colega Dr. Urano Alves, hoje clinicando nó Rio de Janeiro. Mastoide eburnea. Antro pequeno; Pus sob pressão. Desnudado o seio lateral este se mostrava francamente doente, não pulsatil, endurecido e de cor pardacenta. Puncionado, nada deixou sair. Aberto largamente, não deu sangue nem pus mas mostrava a presença de um grande trombo que foi retirado. Curetagem branda do seio, interrompida logo que o sangue começou a jorrar. O esfregaço do material contido no- seio, "corado pelo azul de metilenio de Loeffler, revelou abundancia de hemacias a dificultar o estudo morfologico dos elementos encontrados. Notamos grande numero de piocitos e de cocos em cadeia" (Dr. Cervantes Angulo). No correr do dia fizemos por via intravenosa 3 amps. de Anaseptil a 25%; por via muscular uma vacina antipiogenica Lancise e, per os, Tiazamida. A noite a temperatura caiu para 37.
26 e 27 de, Junho - A paciente está calina. 3 amps. de Anaseptil a 25%; Tiazamida e Befigol forte. O hemograma pedido no dia 24 foi o seguinte:
Neutrofilos com bastonetes - 33% Segmentados - 59% Eosinofilos - 0% Basofilos - 0% Monócitos - 1% Linfocitos - 7%
(Dr. José Rezende)
"A hemocultura (semeadura em caldo e subsequente repique em gelose simples) foi positiva. Houve desenvolvimento de Estreptococo." Laboratorio Dr. José Rezende.
28, 29 e 30 de Junho - O curativo da ferida operatoria feito diariamente nada apresenta de anormal. Aspecto local satisfatorio. A mesma medicação. O estado da paciente é animador. Está calma e sente-se bem,. Temperatura, oscilando entre 36,8 e 37,4. E assim sem alteração apreciavel passam os dias 1 e 2 de Julho. No dia 3 ha uma ascenção termica. O termometro marca 38,3, a noite. Passamos a usar Albucid na veia (duas vezes ao dia).
4 de Julho - A temperatura pela manhã foi de 38° e subiu a tarde para 38,9. A doente bastante inquieta queixa-se de dores retro-auriculares, cefaléa, desanimo. A ferida operatória apresenta-se em bôas condições.
No dia 5 amanheceu mais calma e com a temperatura mais baixa: 37,4. Mais tarde, porem, depois de violento calafrio, o termometro marcou 39,5. Resolvemos revisar a ferida e fomos encontrar no golfo da jugular trombosado a causa provavel do quadro clinico. Abertura larga e curetagem meticulosa. Um esfregaço do material colhido no golfo da jugular foi entregue ao Dr. Cervantes Angulo para exame. Mais tarde recebiamos num bilhete o resultado: "Numa das duas laminas, com esfregaço corado pelo Giemsa sem fixação afim de obter desintegração eritrocitica encontrei: abundante cocos em cadeia; alguns diplococos pequenos; alguns bacilos curtos e finos." Voltamos a insistir na medicação sulfamidica intensificada, ao lado de sôro glicosado hipertonico e extrato hepatico.
No dia 6 a temperatura estava em 37,5 pela manhã, chegando depois a 38,1. Removemos o curativo fazendo a descompressão do golfo, substituido a gaze iodoformada. No dia 7 a temperatura desceu a 36º pela manhã, voltando a 31,1 a tarde. Estado geral, bom. Em 8 de Julho o quadro clinico apresentava-se francamente mais calmo. A doente, sempre muito paciente e conformada, obedecendo meticulosamente sem discussão todas as indicações e prescrições, recebeu-nos mais alegre, com a fisionomia tranquila e risonha, com optimismo franco, ao contrario dos dias anteriores em que não cançava de lamentar a perda do nosso esforço e do nosso cuidado e de não acreditar que volvesse um alia à casa ao convivio dos filhos e à lida para auxiliar o marido tão amigo e tão bom. E assim se manteve até o dia 13, quando houve ascenção da temperatura a 37,8 e no dia 14 a 38,2.
No dia 15 o desanimo da doente e quiçá o nosso, foi muito grande. Depois de intenso calafrio o termometro marcava 39,5. Pensamos no que nos parecia evidente - a extensão do foco septico. Uma queixa da paciente fez-nos descobrir, porem, no deltoide direito, um abcesso decorrente de uma injeção. Aberto e drenado, logo trouxe, como consequencia, nova melhoria à paciente, melhoria que entretanto durou pouco. No dia 17 novo calafrio seguido de febre alta veio mais uma vez agravar a situação. E desta feita não havia queixa a orientar o encontro de nova injeção abcedada.
O hemograma que pedimos, realizado pelo Dr. José Rezende, revelou neutrofilia com desvio para a esquerda, aneosinofilia e linfopenia:
Neutrofilos em bastonetes - 32% segmentados - 58% Eosinofilos - 0% Basofilos - 0% Monocitos - 5% Linfocitos - 5%
O exame da urina mostrava "traços bem acentuados de albumina, reação alcalina, 1023 de densidade, vestigios de pigmentos e acidos biliares, grande numero de hemacias, raros cilindros hialinos, alguns piocitos; leúcocitos isolados, regular numero de celulas epiteliais das ultimas vias, poeiras do urato de sodio e germes" (Dr. José Rezende). Injetamos Vacina Lancisi na veia e lambem na veia, em 3 secções, 30) cc de Soluseptazine.
No dia 81, cuidadoso exame demonstra a presença na coxa de novo abcesso provocado por injeção. Aberto largamente e drenado vimos com alegria a temperatura cair para 36,4. Nos dias 19 e 20, porem, novos calafrios seguidos de elevação termica anuviaram o nosso jubilo. Passamos a empregar por via infra-venosa, 20 cc de Septicemine, e por via parenteral, Reticulogen. Novo abcesso no deltoide esquerdo foi aberto, dando saida a regular quantidade de pús. Ainda a 20, a noite, o terinometro marcou 36,4. No dia seguinte, não foi alem de 36,9, subindo a 37,5 e 37,8 nos, dias 22 e 23, para cair a 36,2 no dia 24, mantendo-se com ligeiras oscilações até o dia 26. Durante esses dias, o, estado geral era lisonjeiro. Insistimos com a Septicemine em dose elevada, Formigo-Dextrose, Redoxon Forte, Vacina Lancisi e cardiotonicos. Instituimos ainda a imuno-transfusão em dias alternados.
Tudo indicava um começo de convalescença quando no dia 27 fomos repentinamente chamado para a paciente que amanhecera num dos seus melhores dias de mais animação e optimismo. Sacudida por violento calafrio, banhada em suor, envolta em grossos cobertores, lançava-nos um longo olhar de angustia e desespero. O quadro era realmente desanimador. Fazia mais de um mês que ele absorvia nossa, preocupação. Sempre nos identificamos com o padecimento dos nossos doentes, vivendo com eles momentos de desesperada agonia e de esperança consoladora.
Não tivemos na nossa vida profissional muitos casos como o desta paciento que tanto nos abalasse o espirito e pelo qual tanto nos preocupassemos. É que ao lado do caso clinico em si, realmente interessante e que por si sei bastava para prender o medico obrigando-o a dedicada. assistencia para sua bôa solução, tinhamos na nossa doente uma criatura admiravel de bondade e de resignação, sem um unico momente de impaciencia e de descontentamento, sem jornais manifestar o desejo ao menos de ouvir a opinião de outro medico, não cançando de lamentar mais a nossa fadiga e o nosso trabalho assiduo, durante o dia e durante a noite, esquecida, quasi, dos seus brandes padecimentos, procurando conservar-se sempre animada mesmo nos momentos mais graves, para poupar ao marido maiores sofrimentos.
Todos sabemos; o que é a entourage de um doente, seja ele pobre ou rico, não faltando os comentarios inoportunos e os palpites desencontrados.
No nosso caso nada houve alem do apoio à nossa opinião e às nossas determinações,. O marido afasta-se do leito da esposa apenas durante o tempo estritamente necessario para ir à farmacia ou para tratar de assunto inadiavel. Nunca teve uma queixa a fazer e apezar de pobre nunca recriminou os gastos com hospitalização ou com medicamentos.
Por tudo isso sentiamo-nos na obrigação moral de correspondendo aos sentimentos daquela gente, desdobrar tambem os nossos cuidados e o nosso esforço.
Ja de ha dias vínhamos lutando intimamente com um problema cuja solução não encontramos nos livros consultados. Não havia de nossa parte experiencia pessoal. Não existia na cidade em que clinicavamos colega da especialidade com quem trocar ideas. Só aos livros podíamos recorrer e o fazíamos com frequencia. Devíamos praticar ou não a ligadura da jugular? Não era problema facil de resolver principalmente depois de verificarmos que ao lado dos partidarios dá intervenção, existiam tambem os de opinião oposta com estatísticas provando sua inutilidade.
Diante, porem, da elevação da temperatura nos dias 27 e 28 acompanhada de dores e empastamento da região jugular esquerda, resolvemos intervir.
O caso era desesperador e não comportava discussões. Só restava escolher entre ligar a jugular ou quedar de braços cruzados à espera do desfecho que se anunciava.
No dia 29 o termometro não marcou alem de 36,8. A paciente passou o dia muito bem. Continuava o empastamento do pescoço ao longo do esterno-clido-occipto-mastoídeo. Empastamento e dores ao toque e ao movimento da cabeça.
No dia 30, porem, amanheceu tremendo, com dores por todo o corpo sacudido pelo mais violento dos calafrios que sofreu em todo o decurso, da molestia. A temperatura era de 41,8, com 140 pulsações por minuto.
Ainda auxiliado pelo Dr. Urano Alves e com a assistencia dos distintos colegas Drs. Atos Procopio de Oliveira, Dario Guimarães e Cervantes Angulo que acompanhavam coai interesse a evolução do caso, praticamos a ligadura jugular. Não foi tarefa realizada sem grandes dificuldades! O empastamento da região endurecida e dolorosa foi o primeiro óbice encontrado pois todos os planos estavam envolvidos no processo inflamatorio. Atraz do esterno-clido-occipto-mastoídeo estava uma coleção purulenta que inundou todo o campo operatorio. A jugular Da sua parte alta apresentava-se de cor pardacenta, manchada de pontes escuros e fistulada. Do interior da veia, atravez de uma fistula escorria pus.
Aumentamos a incisão para baixo e só muito longe da região empastada, perto do tronco braquio-cefalico encontramos tecido vascular com resistencia bastante e de aspecto normal. Aí fizemos a ligadura. Aberto o vaso encontramos um verdadeiro abcesso e na parte mais baixa uni grande trombo obliterava a luz do vaso- friabilissimo. Enchemos a ferida com sulfanilamida (Anaseptil peritoneal), deixando um grosso dreno de borracha. A intervenção levada a cabo com anestesia local pela Scurocaina a 2% foi tolerada com admiravel estoicismo pela paciente que já no mesmo dia a tarde apresentava notaveis melhoras, tendo a temperatura caido para 36,8.
No dia 31 encontramos a doente muito bem disposta e novamente animada. O exame de urina revelava traços acentuados de albumina, raros cilindros hialinos e granulosos, raras hemacias, pequeno numero de leucocitos, alguns aglomerados e degenerados (pus), etc. (Dr. José Rezende).
Insistimos com as imuno-transfusões, não afastando as sulfas a não ser durante alguns poucos dias enquanto ensaiavamos o azul de metilenio por via intravenosa.
O estado geral da paciente entrou a melhorar desde então, assim continuando, progressivamente.
No dia 5 de Agosto, novo hemograma revelava ligeira neutrofilia com acentuado desvio para a esquerda, aneosinofilia, linfopenia e monocitose:
Neutrofilos em bastonetes - 25% segmentados - 52% Eosinofilos - 0% Basofilos - 0% Monocitos - 15% Linifocitos - 8%
Desde então, novas melhoras se verificaram até que no dia 19 a temperatura começou de novo a ascender, chegando. nos dias 16 e 17 a 38,9 e a 39,9 no dia 18 quando abrimos mais mu abcesso provocado por injeção.
No dia 24 começou a queixar-se de palpitações e falta de ar c de mores no hemitorax direito. A temperatura não passou de 37,3 mas o pulso foi alem de 140 movimentos por minuto.
Encarregaram-se da assistencia medica, nessa, emergencia, os distintos colegas Drs. Cervantes Angulo e Atos Procopio que ao nosso lado acompanharam o evolver do acaso até o final.
No dia 23 passou muito mal, com prostração, mal estar e bradicardia (46 pulsações por minuto), tendo, dias depois descido o numero de pulsações a 42!
Com a proficiencia e o saber dos dois ilustrados colegas, tudo foi vencido, voltando as melhoras definitivas a se concretizarem com a cura da paciente que finalmente teve alta curada no dia 22 de Setembro, isto é, depois de 90 dias de tratamento intensivo e de terriveis padecimentos suportados, como já realçamos, com calma admiravel e grande estoicismo.
Como se vê, da simples e resumida descrição do quadro clinico, um caso interessantissimo, de evolução caprichosa, digno portanto de ser levado ao conhecimento dos colegas principalmente considerado em relação ao primeiro descrito de evolução fulminante. Neste temos que insistir no fato da extraordinaria resistencia organica da paciente e na evolução extremamente acidentada da molestia. O primeiro paciente não resistiu alem de pouquissimos dias apezar de precocemente tratado e com arenas terapeuticas mais eficientes do que ponde contar a paciente da segunda observação, pois naquela epoca não dispunhamos ainda dos extraordinarios recursos da Penicilina.
Sem duvida que na nossa clinica tivemos oportunidade de acompanhar e de tratar as mais diversas complicações de otite media. Assim é que no nosso arquivo dispomos de observações de outros casos de tromboflebite dá seio lateral, de abcesso do cerebro, de mastoidites de evoluço anormal, de paquimeningites, para não enumerar quasi todas as complicações da otite media. Entretanto achamos que os dois casos descritos merecem ser destacados dos demais por todos os motivos, a começar pela diversidade verdadeiramente ' chocante que ambos tiveram na sua evolução.
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