ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1436 - Vol. 15 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1947
Seção: Notas Clínicas Páginas: 84 a 91
PARALISIA FACIAL DIREITA PERIFERICA FLACIDA ATIPICA POR INFECÇÃO FOCAL DENTARIA (*)
Autor(es):
Dr. EDSON PINHO

Barretos - E. São Paulo

Julgamos necessario á guisa de preambulo tecer ligeiros comentarios sobre o problema da infecção focal dentaria causadora da paralisia facial que vamos nos ocupar, e tambem sobre a anatomia e fisiologia deste nervo afim de melhor acompanharmos e compreendermos os seus variados sintomas e com êles da natureza e séde da lesão. Embora esta sindrome seja conhecidissima de todos os clinicos, justificam-se as considerações preliminares como aviva memoria, e a observação pela interessante localisação da sua causa.

a) Infecção focal dentaria.

É fóra de duvida o fato, de que, a infecção focal seja o tema que mais tenha despertado a atenção dos estudiosos da medicina. E isto assim foi levado, pelos resultados felizes obtidos com a elucidação de fóco séptico e consequente eliminação, pondo por terra as nelebres infecções criptogenicas.

Aos dentes cabe um grande papel no desempenho de processos agudos ou cronicos e dai o justo e imprescindivel intercambio entre medicos e dentistas. Incontestavel, deixando o terreno movediço da hipotese se nos apresenta a teoria do "espaço morto", espaço dentro do qual os germens tal qual verdadeiros e famigerados quinta colunas invadem sorrateiramente o organismo cuja estabilidade organica deixa de existir uma vez estabelecida a sua falta de resistencia, as vezes mesmo em grão minimo. É o carater hipocrita da infecção focal como asseverou Portmann.

A cronicidade condicionada a uma sensibilidade microbiana local segundo Vialle del Carril e Lopez Lacarrere.

O mecanismo da infecção focal exige trez condições essenciais:

a) foco completamente isolado
b) circulação pouco ativa
c) imunidade lenta.

Quanto aos germens da infecção focal existem duas correntes. Para uns o estretococo, sendo que nos dentes a variedade viridans sobrepuja a hemolitica; fato contestado por Gilmes a Moody que encontraram a frequencia do hemolitico nos casos agudos e o viridans nos casos cronicos. Outros no entanto afirmam não serem os estreptos responsaveis principais, o seu papel sendo apenas de acompanhante, abrindo êles caminho para outros germens, executando deste modo o trabalho de sapa ou de mordente, e então para estes autores o papel principal estaria confiado aos germens anaerobios tais como o microbio de Fischer Schmick, o bacilo putrifico de Bienstock e o bacilo da gangrena de Fraenkel.

A invasão dar-se-á pela via sanguinea ou pela linfatica, ou então pelas duas em conjunto; podendo originar-se tres situações - a primeira, em frente a um organismo sem receptividade (o imunisado), a segunda, o organismo com receptividade, e finalmente o organismo sensibilisado (o alergico).

Não são poucas o numero de vezes que o clinico tendo esgotado a sua capacidade de argucia a procura da causa determinante de certa molestia febril, nevralgica, ceifadora de capsulas suprarenais ou mesmo causadora de desordens alarmantes no metabolismo, se depara na contingencia de, ter que enviar o seu paciente ao dentista, mesmo êle nada acusando para o lado de seus dentes que não doem, conservam a sua côr natural e mesmo à pressão permanecem insensivel. Dentes que, maliciosamente espiam os olhos perscrutadores do profissional, que percebem; a expressão zombeteira do seu cliente o qual alega ter ha poucos dias terminado o seu tratamento de dentes. E o odontologo em busca de fóco, procura radiografar todos os dentes desvitalisados, dentes aonde a polpa morta oferece um meio propicio de cultura aos germens, pois o melhor obturador do dente bem sabemos que é a polpa com vida.

Somos de opinião quanto a conduta empregada para um dente desvitalisado infectado num organismo sofredor, não termos meias medida, impõe-se a sua avulsão.

É preciso e precioso lembrar que, muitas vezes, estirpado o dente, a infecção ainda persista. E porque? Pela infecção residual. Foram deixados resíduos como em amígdalas ou seios, e êles continuam a disseminação microbiana tão bem quanto antes. Eis a razão porque, não poucas vezes, enviamos os possuidores de dentes portateis aos amigos dentistas, afim de radiografar suas gengivas.

Os autores americanos são intransigentes quanto aos dentes atingidos pela carie do quarto grão, carie penetrante da dentina, aonde houve a gangrena da polpa. Descrêm do tratamento medicamentoso, ordenam a extração. Compartilhamos em parte desta opinião, achando que, esta conduta deva ser imposta com tal rigor aos multiradiculares, pois são estes dentes que, maior índice de infecção focal apresenta, com a agravante de que, nêles pode surgir a probabilidade de mais de um fóco, o tratamento de canais é mais difícil, superajuntado pelo fato de não poucas vezes existir estreitamento ou obstrução pela dentina vestígio de reação da polpa, acontecer ainda estados inflamatorios perapicais cronicos para os quais a sensibilidade do film radiografico é impotente. São localisações especiais ou manifestações grosseiras na parede alveolar, que, o microscopio revela, positiva e condena. O tratamento conservador, seria tambem conservador da infecção, uma vez que, o tratamento do fóco instalado em um bom estado geral deveria ser condicionado a um pertinaz controle bacteriologico preliminar, para depois seguir-se o radiografico, e isto devendo ser religiosamente repetido em, períodos, durante um ano ou mais. Temos assim, a assertiva clara e indiscutível, de que, a tão decantada ação conservadora do dentista, deva estar mais na profilaxia do fóco, uma vez como vimos, o tratamento ser, de uma indicação restrita, não deixando o dentista perfeitamente tranquilo quanto ao que possa dali surgir, logo, de um exito extremamente duvidoso. Isto, meus caros amigos, pode ser muita teoria, mas, o que é indiscutível, é que está sob uma sã consciencia, dentro do rigor da tecnica cientifica comprovada por grande numero de profissionais medicos e dentistas, nos apoiando e fazendo com que menospresemos a todos aqueles que, por acaso, nos taxem de voluptuosos arrancadores de dentes. Mesmo aceitando a possibilidade de não surtir cem por cento o efeto esperado, uma vez que, bem compreendemos que, o tecido lesado ou deteriorado, consequente á aquele fóco, não mais possa se restabelecer integralmente, e daí, termos que agir em outros territórios metastaticos. Mas, existe a possibilidade de lesões outras em territorios diversos, poderem advir proveniente daquele mesmo fóco.

Granuloma - A transformação progressiva do tecido periapical e do osso alveolar em tecido conjuntivo de granulação no decurso de processos inflamatorios crónicos, dá origem ao que denominamos de granuloma ou pericimentoma. Constitue a forma mais encontradiça dos processos crónicos periapicais. De marcha insidiosa, de tamanho variavel, não havendo relação entre este e o seu poder agressivo, de tecido muito rico em fibras colagenas, sendo desprovido de elementos nervosos, razão de ser da sua insensibilidade, que, ainda é favorecida pelo fato de, na sua progressão não existir o fenomeno compressivo e sim um processo de reabsorção ativa. É esta formação ainda acrescida de um tecido fartamente vascularisado, representando deste modo, mais um fator favoravel á invasão organica.

b) Paralisia facial.

O nervo do setimo par possue duas origens, a real constituiria pelo nucleo situado na parte posterior da protuberancia, sob o assoalho do terceiro ventriculo; e a aparente situada na parte superior do bulbo. Consequente a estas duas origens, os seus dois percursos, o central, indo de uma origem a outra, e o periferico terminando nas fibras terminais do nervo. Este percurso é bem extenso, pois o nervo, a principio na base do cerebro, nas meninges, desce até ao rochedo, aonde penetra pelo buraco auditivo interno, junto com o nervo auditivo e a arteria auditiva interna. Depois, penetra, no canal de Falopio, saindo pelo buraco estilo mastoideo, e então, passa a tornar-se realmente periferico extracraneano. Na parotida se bifurca em cervico facial e temporo facial.

Conforme a lesão se assesta em um ou outro percurso, temos a paralisia central ou a periferica, e vimos que, ela pode ser catalogada como periferica estando a lesão situada no encefalo.

A paralisia central ataca com muito mais energia o facial inferior, muitas vezes associada á paralisia dos membros, e é crusada em relação a séde da lesão causal. Logo, os mus culos que recebem inervação do facial superior (frontal, orbicular e superciliar) são levemente atingidos, passando muitas vezes desapercebidos. E então, os sulcos da testa são menos acentuados que os do lado oposto; o doente fecha o olho do lado paralisado, mas não tão bem e não é capaz de fechar o do lado paralisado, mantendo o outro aberto. Este sintoma é o bastante para se classificar o tipo da paralisia facial.

A motricidade do nervo facial, é a sua principal função, inerva todos os musculos cutaneos da face e do pescoço (nervo da expressão); inerva tambem, os musculos dos ossinhos do ouvido, com excepção do musculo interno do martelo inervado pelo trigemeo. A contração destes musculos dos ossinhos do ouvido tem como finalidade, distender a membrana do timpano, e assim amortecer os sons. A sua paralisia acarretará pois, hiperacusia dolorosa e zumbidos. Age o nervo do setimo par na progressão das lagrimas pelo musculo de Horner. Na mastigação, inervando o digastrico, o glosso estafilino e o bucinador. Intervem na palavra pelos musculos dos labios e auxilia a respiração pelos movimentos da aza do nariz.

Este nervo tem o seu territorio sensitivo, e é êle representado pelo interior do pavilhão da orelha e conduto auditivo externo, constituindo a zona de Ramsay Hunt.

Tem tambem a sua ação sensorial, a secretora e a vaso-motora. A primeira, pela corda do timpano, agindo nas sensações gustativas dos dois terços anteriores da língua. A segunda, agindo sobre a secreção lacrimal, da parotida, e da submaxilar ainda por intermedio da corda do timpano e das fibras simpaticas. A ultima que se manifesta sobre toda extensão da zona de inervação periferica, tendo como responsavel as fibras simpaticas que vêm do simpatico cervical.

c) Observação.

Em 9 de maio do ano findo (1945) veio á consulta C. S. - Brasileira - Branca - Solteira - 24 anos - Residente nesta cidade - Profissão, serviços domesticos.

Queixa - contou que, ha trez dias atraz, sua boca amanhecera torta, desviada para o lado esquerdo, havendo tambem lacrimejamento em ambos os olhos, especialmente do lado direito. Acrescentou que, antes disto, umas duas semanas, lhe aparecera certo zumbido no ouvido direito. Tendo procurado o dentista, este atribuíra ao sizo superior esquerdo que estava incluso e segundo radiografia cavalgando o molar. Como terapeutica, aconselhou extração de ambos, o que foi feita.

Não havendo melhoras, e sim acréscimo de outros sintomas localisados tambem ao seu lado direito como - na testa, desaparecimento das rugas ao procurar franzi-la; no olho, as palpebras permanecendo entreabertas, sem poder fecha-las, mesmo com certo esforço; hemicrania que se estendia até á nuca; sensibilidade exagerada (hiperestesia) do couro cabeludo, dizendo a paciente quasi não conseguir se pentear, então nos procurou na tarde do dia 9.

Com esta serie de sintomas narrados pela paciente impunha-se de logo o diagnostico de paralisia facial periferica.

Exame - Antecedentes pessoais e hereditarios, sem significação. Estado geral, bom.

Exames garganta e seios da face a procura de fóco, negativos.

Boca, encaminhei a paciente ao dentista afim de serem radiografados todos os dentes desvitalisados.

Sintomas adicionais aos elucidados pela doente, sintomas que fomos pesquisar para que se completasse o diagnostico de paralisia facial periferica, apezar de, os já citados serem suficientes para tal objetivo. Assimetria facial, bem notavel e ainda reais, ao sair do repouso; ponta do nariz desviada para o lado são; ausencia do piscamento das palpebras do lado paralisado, e ao pedir que a doente fizesse esforço para oclusão do seu olha direito, viamos perfeitamente a rotação do globo para cima e para fóra (sinal de Bell), sinal que, por muito tempo fora assinalado come indicio de um mal prognostico, nos nossos dias porém, ficou demonstrado ser um fenomeno perfeitamente normal que a paralisia facial por inoclusão das palpebras nos deixa perceber.

Estavámos pois, com os dados essenciais para firmarmos o diagnostico de paralisia facial unilateral periferica e flacida. Restava estabelecermos a sua etiologia, o que foi feita no dia seguinte com o resultado radiografico dos seus dentes, assinalando granulomas nas raizes do molar inferior do lado oposto á paralisia, isto é, esquerdo. Uma outra radiografia assinalava a existencia do sizo superior direito que, igual ao seu homonimo do lado oposto estava incluso, mas não tanto e, cavalgando o segundo molar.

Terapeutica - Com o resultado das chapas radiograficas, opinamos pela imediata extração do molar, o que foi feita no mesmo dia (10). Espetacularmente, apenas com esta medida, no dia seguinte a doente acusava melhoras. Receitamos como adjuvante 6 ampoulas de Stricnaneurin Forte para misturar com outras tantas de Benerva 25 mg., e injetar intramuscularmente todos os dias. Findo estas injeções, volta a senohrita á nossa presença, acusando es maecimento de todos os sinais com exceção do zumbido. Pedimos que, extraisse o sizo incluso e receitamos um vidro de Betalin para usar diariamente 1 cc (30 mg) pela via intramuscular. Terminadas mais estas injecções, voltou ao consultorio, e então presenciamos normalidade do frontal, leve lagoftalmia, diminuição das hemicrania e hiperestesia; e como rebelde persistia o zumbido e certa dôr ao ouvido. Foram receitadas 5 ampoulas de Beunit para juntar com 5 de Complexo B Lorenzini, uso intramuscular diario. Com o termino destas injeções perdurava apenas muito fracamente e inconstante o sintoma que primeiro lhe apareceu, o zumbido. Prescrevemos 10 ampoulas de Betalin complexo, e demos alta á paciente.





Acabamos de ver o relato de uma observação que apesar de não constituir raridade, assumiu aspectos interessantes. Uma paralisia facial cujo sintoma que mais alarmou a paciente foi a lagoftalmia. Paciente que, apesar de sua vaidade de mulher suportou com maior estoicismo o desvio da boca.

Paralisia precedida de prodromos, 15 dias antes se instalara o zumbido do ouvido e como vimos foi êle o ultimo a desaparecer, ademais, enxertada de sinais dolorosos. Estes dois fatos fizeram com que, rotulassemos o nosso caso de atipico, - pois dizem o tratadistas serem incomuns.

Com o serio comprometimento dos musculos inervados pelo facial superior e desordens da audição, classificamos a paralisia como periferica e assestada a lesão no trajeto intratemporal do nervo do setimo par.

Hoje, após o manuseio dos livros para escrever esta observação, reconhecemos que, poderiamos torna-la mais flórida (brilhante) e mais florida (adornada), se naquela ocasião estivessemos inteirados tão bem sobre paralisia facial.

Acreditamos mesmo, que a paciente apresentasse outros sintomas que não pesquisamos, mas, o que procuramos e o que ela informou foi o que está relatado.

Portanto, as nossas excusas pelas falhas, pôr não apresentarmos um trabalho a contento e á altura dos nossos caros ouvintes.

BIBLIOGRAFIA

RAMOND - Clinica Medica.
ROMEIRO - Terapeutica. DASSEN e FUISTINONI - Sistema Nervoso.
CLAUDIO MELO - Patologia da Polpa Dentaria.
LILY LAGES - Fócos Septicos.
SANSON - Infecção Focal.
SEGURA - Canuyt e outros - Otorino Laringologia.
CHARLIN - Medicina Oftalmologica.




(*) Trabalho apresentado à Sociedade Medica da Santa Casa de Misericordia de Barretos em 27 de Setembro de 1946.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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