O câncer ocupa atualmente, o 2.° lugar nas estatísticas de morte nos EE. UU., vindo em 1.° lugar as doenças do coração. Em 1920, ocupavava o 4.° lugar, vindo em 2.° e 3.° respectivamente a pneumonia e as doenças infecciosas. Porque então aumentou o número de cancerosos nos EE. UU.? A explicação é muito simples:
1.°) Há 25 anos os americanos viviam em média 56 anos; muitos morriam antes de atingirem a idade em que a incidência do câncer é maior, isto é, dos 60 aos 65 anos. Hoje em dia porém, devido as melhores condições sanitárias, os americanos estão vivendo em média: Homens - 62 anos; mulheres - 64 anos.
2.°) Com a descoberta da penicilina e outros agentes terapêuticos a pneumonia e as doenças infecciosas, passaram a ocupar plano secundário nas estatísticas de letalidade.
Ewing em 1939, falando sôbre a mortalidade pelo câncer na cidade de Nova-York disse: "Os habitantes de Nova-York após os 25 anos, um em cada grupo de sete; deverá vir a morrer de câncer."
Até há bem pouco tempo a preocupação máxima da Nação Americana, era o combate à paralisia infantil; hoje em dia porém, o câncer é o grande pesadelo do povo Americano.
Os americanos já instituiram a semana do câncer. Nesta semana fazem campanha de educação. popular pelos jornais e radio, aconselhando os exames periódicos das pessoas idosas, nas clínicas especializadas em câncer. Isto é feito com a finalidade de diagnosticarem os casos em inicio; pois, como todos sabem, quanto mais precoce fôr o diagnóstico desta enfermidade, maiores serão as probabilidades de cura.
Os EE. UU. possuem ótimos hospitaes especializados para o tratamento do câncer. Tivemos oportunidade de vê-los e mesmo trabalhar no Memorial Hospital e Presbyterian Hospital, ambos de Nova-York, e no Billings Hospital da Universidade de Chicago. Em todos a luta contra o câncer atinge a maior eficiência. As armas terapêuticas que estão sendo usadas atualmente na America do Norte para o combate ao câncer em Oto-RinoLaringologia, e ao câncer de um modo geral, podem ser classificadas em 2 grupos:
1.°) Cirurgia
2.°) Irradiações
Cirurgia - Os americanos possuem ótimos cirurgiões e apresentam as melhores estatísticas de sobrevida do câncer, quando esta é a arma de escolha. Preferem a cirurgia comum e raramente lançam mão da electro-cirurgia.
Irradiações - São empregadas sob 3 formas
a) Raios X
b) Radium
c) Radon
Raios X - Os hospitais americanos possuem excelentes aparelhos de Raios X. Já estão empregando alta voltagem de 1 a 2 milhões de volts para o tratamento do câncer. Tivemos a oportunidade de trabalhar com um aparelho de 1.000.000 de volts no Memorial Hospital. Não vimos grande vantagem deste aparelho em relação com os de 200 e 400Kv. a não ser, no que diz respeito a maior dose em profundidade e melhor tolerância para a pele.
Radon - Falemos ligeiramente sôbre o radon, pois é pouco conhecido em nosso meio, e desempenha papel importante no tratamento do câncer em Oto-rino-laringologia nos EE. UU.
O radon é a 1.ª transformação do radium. É um gás nobre, instável (como toda substância radioativa) e tem a semi-vida muito curta, isto é, 3 dias e 20 horas. Para a extracção do radon é necessário um aparelho muito complexo, que é todo construído de tubos de vidro, sendo este sistema mantido no vácuo por meio de uma bomba de vácuo Cenco. O radon é captado sob duas formas: tubos e sementes de ouro. Os tubos de radon são constituidos por capilares de vidro com o diâmetro externo de 0,9mm. e com o comprimento total de 1,4 cm., e são colocados dentro de uma jaqueta de liga ouro-platina, tendo a filtragem equivalente a 0,5mm de platina. As sementes de ouro de radon são minúsculas e têm, o diâmetro interno de 0,15 mm., o comprimento total de 4 mm. e são filtradas por 0,3mm de ouro.
Passaremos agora às indicações e tratamento das diferentes formas de câncer e aos resultados estatísticos. Como radioterapeuta, alongar-me-ei principalmente sobre a parte referente à minha especialidade, isto é, o tratamento pelas irradiações.
LÁBIO - O câncer do lábio, tanto pode ser tratado pela cirurgia, como pelo radium e raios X. O radium é aplicado geralmente sob a forma de agulhas, é a chamada radium-puntura.
As estatísticas do Memorial Hospital para o câncer do lábio, acusam uma sobrevida de 5 anos de 70%.
LÍNGUA - No ponto de vista de tratamento, dividem o câncer da língua em: a) 2 têrços anteriores; b) têrço posterior. No primeiro caso tratam pela cirurgia , radium-puntura ou raios X asociados às sementes de radon. Assim nas lesões localizadas na ponta da língua, fazem geralmente a glossectomia parcial. Contudo, o tratamento mais comumente usado quando as lesões se assestam nos 2 têrços anteriores da língua, consiste na aplicação dos raios X intra-cavitário, seguido de implantação das sementes de radon. A dose total da série de radioterapia é de 6.000 r (dose no ar), com baixa voltagem de 120 a 140 Kv., filtro 1mm Aluminio e distância foco pele de 20 cm.
Nos casos localizados no têrço posterior da língua, o tratamento é feito pelas irradiações: raios X e sementes de ouro de radon. Isto porque, os cânceres que se localizam na base da língua são geralmente carcinomas epidermóides espino-celulares graus: 3 e 4 Broders, isto é, muito anaplásicos, portanto muito radiosensíveis. O tratamento consiste na aplicação de radioterapia externa, num total de 5.000 r (dose no ar). Em seguida implantam as sementes de radon, e administram 7 doses eritema de acordo com as tabelas de Mrs. Quimby.
As estatísticas do Memorial Hospital para o câncer da lingue incluindo os 2 têrços anteriores e o têrço posterior, dão uma sobrevida de 5 anos de 25%.
BOCHECHA - Usam indiferentemente qualquer das 3 armas: cirurgia, radium e raios X.
Estatística de sobrevida de 5 anos é de 27% (H. Martin).
ASSOALHO DA BÔCA - Dividem para fim terapêutico em: a) sem invasão óssea; b) com invasão óssea. No primeiro caso tratam sempre pelas irradiações: radium moldagem ou raios X associados às sementes de radon (mesma técnica já descrita para o câncer da língua). Quando há invasão óssea fazem sistematicamente a cirurgia.
Estatística de sobrevida de 5 anos é de 25% (H. Martin).
GENGIVA - A orientação é idêntica ao câncer do assoalho da bôca. Quando há invasão óssea, cirurgia e em caso contrario, irradiações.
PALATO DURO - Cirurgia.
PALATO MOLE - Irradiações.
Estatísticas de sobrevida de 5 anos para palato duro e mole, é de 21% (H. Martin).
AMIGDALA - No ponto de vista histo-patológico os cânceres que se desenvolvem na amígdala são: carcinomas espinocelulares, geralmente graus: 3 e 4 Broders, e os linfo-epiteliomas. Por isto, o tratamento que produz os melhores resultados é pelas irradiações. Fazem aplicação de raios X externa e intra cavitaria, e posteriormente implantam as sementes de radon. Sobrevida de 5 anos é de 18% (H. Martin).
NASO-FARINGE - É um problema para o cirurgião, remover um tumor situado no naso-faringe. Como é séde frequente de tumores muito radiosensiveis, o tratamento geralmente seguido consiste na aplicação dos raios X por varias portas, realizando assim o "fogo-cruzado". Outros, entre êles H. Martin, preferem associar a roentgenterapia à aplicação de radium ou radon. A técnica seguida no Memorial Hospital consiste na roentgenterapia, seguida da aplicação do aparelho de Blady para o naso-faringe. Colocam as sementes de radon naquele aparelho e dá-se a dose de 1.500 a 2.000 milicuries horas.
Estatística de Maurice Lenz do Presbyterian Hospital para o câncer do naso-faringe, apresenta uma sobrevida de 5 anos de 27,6%.
LARINGE - Para o tratamento do câncer da laringe é necessario o emprego da cirurgia e da radioterapia. Hayes Martin, divide o câncer da laringe para fim terapêutica em 2 grupos: 1) Câncer extrínseco da laringe - Pertence a este grupo todo câncer que se origina na parte superior das faixas ventriculares ou acima das mesmas.
2) Câncer intrínseco da laringe - É o que tem origem nas cordas vocaes, ventriculo e região sub-glótica.
Esta classificação é anatomica, e deve-se ter por base a origem do tumor. O autor considera o câncer extrínseco da laringe como um problema radiologico, e o intrínseco como um problema cirurgico.
O câncer intrínseco da laringe é constituído por carcinomas epidermoides espino-celulares bem diferenciados, graus: 1 e 2 Broders, os quaes crescem muito vagarosamente, raramente dão metástases, e são até certo ponto radiosensiveis. Já o câncer extrínseco da laringe, isto é, epiglote, aritenoides, dobras ariteno-epigloticas, é muito mais maligno sendo geralmente representado por carcinomas espino-celulares graus: 3 e 4 Broders, os quaes dão metástases com muita facilidade. São muito radiosensiveis e devem ser tratados sempre pela radioterapia.
Tratamento do câncer intrínseco da laringe - Laringeetomia parcial, quando o tumor é pequeno e ocupa os 2 têrços anteriores de uma das cordas vocaes, não invadindo a comissura anterior. Quando o tumor invade o ventriculo, as faixas ventriculares e a comissura anterior indo até a corda vocal oposta, fazem a laringectomia total. Nos casos de invasão das cartilagens tireóide e cricóide, fazem a laringerctomia total e em seguida radioterapia.
Maurice Lenz, radioterapeuta do Presbyterian Hospital de Nova-York, tem irradiado os casos de câncer das cordas vocaes e obtido resultados tão bons quanto os cirurgiões. Contudo este radioterapeuta só irradia as lesões muito iniciaes (2 têrços anteriores de uma das cordas vocaes, quando não há invasão para a comissura anterior). É interessante este tratamento porque conservará intacta a voz do paciente.
Tratamento do câncer extrínseco - Aplicação dos raios X pelo método fracionado de Coutard, até a tolerância individual, aproximadamente 3.500 r (dose no ar) para cada lado do pescoço. Durante o tratamento o doente é controlado com exames laringoscopicos, até o aparecimento de membrana esbranquiçada pseudo-difteróide, que Constitue o sinal de radio-mucite.
Estatística de H. Martin para o câncer da laringe, revela uma sobrevida de 5 anos de 33%, para os casos intrínsecos e 17% para os extrínsecos.
Tratamento das metástases cervicaes - Constitue um problema tanto para os cirurgiões como para os radioterapeutas, quando tratam os cânceres da cavidade bucal, faringe e laringe.
Para o tratamento das metástases cervicaes é indispensavel a colaboração dos cirurgiões com os radioterapeutas. Dividem este tratamento em:
1) Profilático, o qual é feito quando não há evidencia clinica de metástase.
2) Curativo, quando há comprovação de metástase.
Tratamento profilático - Os Americanos nunca fazem este tratamento por dois motivos: 1.° - as estatísticas mostram oue o coeficiente de mortalidade após o esvasiamento cervical é de 2,4%. Assim muitos pacientes poderiam vir a ficar curados da lesão inicial e nunca apresentarem metástases e no entretanto correriam o risco operatório; 2.° - a dose geralmente usada, para a radioterapia profilática é de 2 doses eritema. Esta dose é insuficiente para impedir que as metástases se desenvolvam, pois a dose cancericida é de 7 a 8 doses eritema.
Tratamento curativo - É muito importante a escolha do método de tratamento. É bom lembrar que os Americanos praticam sistemàticamente a biopsia por punção, afim de orienta l° a terapêutica. Assim si a biopsia revelar carcinoma espino-celular graus: 1 e 2 Broders, a conduta cirurgica deverá ser seguida, pois estes tumores são radio-resistentes. Si contudo tratar-se de carcinoma espino-celular graus: 3 e 4 Broders, nunca operam preferem as irradiações, pois trata-se de tumores muito radio-sensiveis.
Cirurgia, consiste no esvasiamento cervical.
Tratamento pelas irradiações - Técnica seguida no Memorial Hospital. Cada ganglio é tratado separadamente. Fazem roentgenterapia fracionada, 300 r (dose no ar) por aplicação, até um total de 4 a 5.000 r. Em seguida implantação das sementes de radon, calculando-se a dose de acordo com o volume do ganglio. Uma semana após, si a regressão do tumor não tiver sido apreciavel, implantam novamente as sementes de radon.
A associação destes dois métodos de tratamento é muito comum.
Irradiação pré-operatória e post-operatória.
Muitas vezes a massa ganglionar acha-se infectada ou então presa aos planos profundos, portanto inoperavel. Neste casa lança-se mão da roentgenterapia para tornar o caso operavel.
Outras vezes o cirurgião não consegue remover toda a massa tumoral, então o paciente completará o tratamento fazendo roentgenterapia post-operatória.
Dados estatísticos
Hayes Martin do Memorial Hospital de N. Y., cita uma porcentagem de sobrevida de 5 anos de 26% para os casos operaveis que sofreram o esvasiamento cervical. Todos estes casos apresentavam biopsia positiva. Não incluiu nesta estatística os casos inoperaveis que foram tratados pelas irradiações. O mesmo autor cita que no periodo de 1930 a 1934, entre todos os casos de adenopatias que foram tratados pelas irradiações, 46 tiveram uma sobrevida de 5 ou mais anos.
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(*) Conferência realizada na Sociedade de Oto-Rino-Laringologia do Rio de Janeiro, em 4 de Outubro de 1946. (**) Da Seção de Radioterapia do Serviço Nacional de Câncer. Rio de Janeiro.
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