ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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143 - Vol. 23 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1955
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 35 a 42
HIPERPLASIA PAPILAR SOLITÁRIA DA AMIGDALA PALATINA
Autor(es):
Dr. DARILIO VELLUDO

Apesar das amígdalas palatinas serem órgãos facilmente acessíveis ao exame clínico e suas lesões serem bem conhecidas, tumores ou hiperplasias tumoróides nelas desenvolvidos são muito raros. Por isso, muitas vezes podem surgir dificuldades em diferenciar tumores verdadeiros e hiperplasias solitárias ou múltiplas das amígdalas. No presente caso, apresentamos uma hiperplasia localizada da amígdala palatina, a qual, pelo aspecto, poderia dar impressão, principalmente ao exame clínico, de uma neoplasia e merecendo interesse, tanto pela raridade, como pela oportunidade que nos dá de tentarmos explicar sua gênese formal e causal.

Entre outros, F. B. Matheus e N. A. Cruz (1) citam que: Hankel coletou dados de New e Childrey, os quais constam de material da Clínica Mayo de 1917 a 1930, havendo um polipo amigdaliano em 357 casos de tumores amigdalianos e faringeanos. Entre nós, Francisco Hartung descreveu, em 1926, um caso de hiperplasia da amígdala; Humberto Lúria, em 1943, apresentou um caso de polipo amigdaliano à Sociedade de otorrinolaringologia do Rio de Janeiro e nos comentários a propósito, Aristides Monteiro citou um caso semelhante. Em 1945, Jorge F. Barbosa publicou 2 casos.

Em 1946, Haardt e Kóberle (2) publicaram um caso de hiperplasia múltipla bilateral e estudaram-no sob o ponto de vista etiopatogenético.

A. del Magro (3), em 1945, publicou uma revisão de vários casos de hiperplasias múltiplas e solitárias e outras lesões amigdalianas.

História Clinica
N. A. N., branca, casada, 24 anos de idade, apresentou-se à consulta no dia 13-IX-54, queixando-se de amigdalite crônica recidivante durante muito tempo, fratura do nariz no passado e deficiência respiratória atual.

O exame clínico, realizado pelo Dr. Pedro Falcão, revelou: grande desvio do septo nasal produzido por fratura do osso nasal; amigdalite palatina crônica críptica bilateral, sendo de notar a existência de um tumor volumoso, branco, translúcido, pedunculado, com inserção ao nível do terço superior da face livre interna da amígdala palatina esquerda, em pendência, pela gravidade, para a cavidade faríngea (fig. 1). Este aspecto dava a impressão de um papiloma volumoso desenvolvido às custas de uma das criptas amigdalianas. Não havia sintomas clínicos subjetivos, mesmo sabendo a doente apresentar tal tumor. Após preparo adequado foi realizada amigdalectomia total intracapsular no dia 22-X-54, sob anestesia local, sendo removido conjuntamente o tumor em sua absoluta integridade. Post-operatório sem acidentes.


Fig. 1 - Fotografia da hiperplasia papilar "in situ".


Descrição Anátomo-patológica

Exame macroscópico: - Material consiste de duas amígdalas palatinas, medindo a maior, aproximadamente 2,5 x 2 x 1,5 cm. Elas mostram as papilas moderadamente espessadas. A superfície de corte mostra pequenas áreas mais densas, esbranquiçadas e a cápsula ligeiramente espessada. A amígdala esquerda é ligeiramente maior que a direita e apresenta na face interna, próximo ao polo superior, uma formação tumorosa semelhante a uma pêra achatada, de superfície externa lisa, brilhante e ligeiramente nodular, de côr branco-amarelada e de consistência dura, medindo 1,8 x 1,3 x 0,6 cm. e evidenciando um pedúnculo curto (fig. 2). A superfície de corte desta parte revela um tecido branco-amarelado uniforme, de aspecto fasciculado, cujos feixes são radiados, tendo, como centro, o pedúnculo. Não há limite nítido entre o pedúnculo e o tecido amigdaliano propriamente dito (fig. 3).


Fig.2 - Aspecto macroscópico da superfície externa da amigdala e da papila hiperplástica.


Fig. 3 - Aspecto macroscópico da superfície de corte da amigdala e da papila hiperplástica. Notar a imprecisão do limite entre ambas.


Exame microscópico: - A cápsula e o tecido conjuntivo fibroso intra-amigdaliano mostram moderada hialinização. O tecido muscular periamigdaliano apresenta moderada fibrose. Nêstes tecidos há infiltrados linfocitários perivasculares, de intensidade moderada. O parênquina amigdalino mostra uma hiperplasia acentuada dos folículos linfáticos e pequenos fócos fibrosados e hialinizados na profundidade das amígdalas. Nas criptas há um acúmulo de células epiteliais descamadas e corneificação do epitélio espinocelular. Em algumas das criptas dilatadas há aglomerados de cogumelos.

À medida que se aproxima do pedúnculo tumoroso, a fibrose aumenta progressivamente até a fibroso completa no tecido peduncular. Nesta região há duas artérias e uma veia, circundadas por tecido fibroso hialinizado, onde poucos vasos linfáticos são encontrados, sendo alguns com proliferação endotelial. A formação tumorosa própriamente dita é revestida por epitélio espinocelular estratificado achatado. Na região sub-epitelial há pequenos vestígios de tecido linfóide, ora com folículos relativamente pequenos, ora sem estrutura folicular. Sómente na região próxima ao pedúnculo encontram-se folículos maiores, porém muito menores que os folículos hiperplásicos das amígdalas. A maior parte da formação tumorosa consiste de tecido fibroso edemaciado, às vezes hialinizado, cor grande número de vasos linfáticos de calibres variados, atingindo graus extremos de dilatação. Na luz dêstes vasos há coágulos protêicos e linfocitos. Conforme a descrição macroscópica, a maioria dos vasos e das fibras colágenas tem uma disposição convergente ao pedúnculo (fig. 4). Não há proliferação endotelial dos vasos linfáticos acima descritos (fig. 5).


Fig. 4 - Microfotografia (10x) de parte da hiperplasia, do pedúnculo e de parte da amigdala. Notar a disposição radiada dos vasos linfáticos.


Fig. 5 - Microfotografia (40x) de uma área da papila hiperplástica. Notar os vasos linfáticos dilatados e sem proliferação endotelial; e o estroina conjuntivo vascular com folículos linfáticos acentuadamente hipotróficos.


A amígdala direita mostra alterações semelhantes às da esquerda, excessão feita para a formação tumorosa.

Discussão

Segundo estes achados macro e microscópicos e conforme a história clinica, trata-se de uma amigdalite e periamigdalite crônicas bilaterais, com fibroso no tecido amigdaliano e periamigdaliano.

A formação tumorosa tem de mais significante, sob o ponto de vista microscópicos, a presença de grande número de vasos linfáticos extremamente dilatados e fibrose em tôrno dos mesmos; por isso poderia surgir a hipótese de tratar-se de um linfangioma, tumor êste raramente encontrado na região buco-faríngea, inclusive nas amígdalas. Porém a disposição radiada convergente para o pedúnculo, apresentada por estes vasos, assemelha-se àquela das papilas normais, indicando que tais vasos pre-existiam.

Os vasos néo-formados no linfangioma mostram ao contrário, a falta de estrutura característica do órgão, sendo distribuídos irregularmente. Além disso, esta fibrose acentuada em tôrno dos vasos linfáticos e no pedúnculo, não é sugestiva de tecido estromático de linfangioma, o qual, quando o presenta, o faz perivascularmente, com as mesmas irregularidades de contôrno dos vasos neoplásicos, tendo em geral, intensidade proliferativa menor que o componente blastomatoso. Portanto, após estas considerações, a hipótese de linfangioma pode ser excluída.

O aspecto macroscópico é sugestivo de fibroma em consequencia à fibrose acentuada comprovada microscopicamente, porém a orientação orgânica observada ainda ao exame microscópico, e previamente citada, exclui qualquer neoplasia.

Trata-se de um aumento excessivo de uma papila amigdaliana com linfangiectasia, fibrose extensa e atrofia quase completa do parênquima específico. Ambas as amígdalas mostram uma inflamação crônica com periamigdalite cicatrizante e fócos cicatriciais intramigdalianos. Na base da papila aumentada encontra-se extensa área de fibrose contendo vasos linfáticos dilatados e tecido linfóide escasso. Na região peduncular a fibrose é mais intensa e oclui todos os vasos linfáticos. É evidente que nesta região ocorrera uma linfangite obliterante, podendo dar-se uma proliferação endotelial em alguns vasos linfáticos desta área. Porque estas lesões se realizaram na base de uma só papila? Pode tratar-se de uma casualidade, pois cicatrizes semelhantes são encontradas também em outras partes das amígdalas. Mas considerando que: a base desta papila fosse mais delgada que a das circunvizinhas; esta diferença de calibre não seja explicável sómente na base dá retração cícatricial; a pré-existência de uma papila anômala com um foco cicatricial relativamente moderado causasse fenômenos hipotróficos semelhantes, conclui-se desembaraçadamente que a obliteração dos vasos linfáticos, no pedúnculo, tenha causado, à montante, estase linfática, linfangectasia, edema crônico, hipotrofia do tecido linfóíde e, finalmente, fibrose.

Progredindo a hipotrofia e a fibrose com reestruturação da papila comprometida e com desaparecimento completo do tecido linfóide, pode-se ter, finalmente, a impressão de um verdadeiro tumor. Possivelmente lesões semelhantes à acima descrita representam os raros fibromas telangiectásicos pedunculados.

Outra lesão que deve ser mencionada, como comparação, é o chamado "granuloma pedunculado" que foi interpretado antigamente como hemangioma e considerado atualmente como um granuloma telangiectásico de natureza traumática e inflamatória, como foi provado por vários autores (Wattles, Lund, Hardt, etc.) nos últimos anos que notaram aumento de número de casos de granulomas pedunculados nas vias respiratórias, principalmente na laringe após narcose por entubação, causando pequenas lesões na mucosa.

A descrição dêste caso faz oportuno mencionar a chamada "hiperplasia papilomatosa" (ou melhor, "hiperplasia papilar", porque não se trata de um processo blastomatoso como dever-se-ia interpretar a palavra "papilomatosa"), desta forma foram descritos 16 casos por vários autores: Roberts, Yerusley 2 casos, Clark, Machell, Tilley, Nien, Finder Iwanoff, Matsui, Okonogi, Burger 3 casos, Gadolin, e Haardt e Köberle (citados por Haardt e Koberle). Este tipo de lesão amigdaliana, surgindo em papilas de base delgada, causam aumento excessivo do órgão atingido, formando excrecências irregulares sob a forma de papilas, dedos, uvas, etc.. Haardt e Koberle conjuntamente, baseando-se no exame de um caso próprio (fig. 6) e comparando-o com os casos citados acima, deram a seguinte explicação dessa hiperplasia, explicação esta que não é mencionada, nos trabalhos anteriores: as papilas amigdalianas mostram uma base muito delgada (anomalia anatômica) com cicatrização periamigdaliana acentuada, devido à amigdalite crônica recidivante. Em consequência á cicatrização no leito amigdaliano com obliteração dos vasos linfáticos, desenvolve-se linfangiectasia e aumento do volume das papilas amigdalianas, causado por edema e seguido por fibrose.


Fig. 6 - Esquema de um aspecto macroscópico de um caso de hiperplasia múltipla bilateral (caso de Haardt Koberle). Gentileza de F. Koberle.


O nosso caso representa uma hiperplasia papilar da mesma natureza, porém localizada em uma só papila. O quadro histo-patológico permitiu neste caso, interpretação semelhante quanto ao mecanismo de formação desta hiperplasia localizada, mecanismo êste que também é responsável pela hiperplasia papilar de toda amígdala. Para que se verifique êste tipo de hiperplasia nas amígdalas, é necessário uma anomalia de inserção das papilas, isto é, urna base delgada. Por estas razões acreditamos que, para a formação de uma hiperplasia papilar localizada em uma só papila, deve haver uma anomalia dessa papila comprometida, consistindo de uma papila de base delgada ou de uma papila pedunculada representando o fator predisponente e a inflamação o fator desencadeante.

RESUMO

O autor apresenta um caso de hiperplasia papilar solitária e pedunculada da amígdala palatina, com aspecto macroscópico de fibroma pedunculado. Esta hiperplasia solitária revelou, ao exame histo-patológico, ser uma cicatrização post-inflamatória incialmente do pedúnculo, com obliteração dos vasos linfáticos conduzindo secundariamente a uma linfangiectasia, edema, fibrose acentuada e hipotrofia do tecido linfóide pré-existente. O mecanismo de formação dessa hiperplasia papilar solitária é o mesmo "mutatis mutandis" que causa a hiperplasia papilar múltipla.

SUMMARY

The auhor presents one case of peduculated solitary papillary hiperplasia of the tonsil, with gross appearance of pedunculated fibroma. It revealed microscopically to be a post-inflamatory cicatrizantion of the peduncle at the begining with occlusion of the lymphatics, leading to lymphangectasis, edema, accentuated fibrosis and hipotrophy of preexisting lymphoid tissue. The mechanism of formation of this solitary papillary hiperplasia is similar to that of the papillary hiperplasia of the entire tonsil, that is a chronic inflammation on a tinny base papilla.

LITERATURA CONSULTADA

1 - F. B. MATHEUS & N. A. CRUZ - Polipos Amigdalianos; Rev. Brasil, otorrino-laring. 19:202-209; Nov.-Dez. 51 P.
2 - HAARDT e KOBERLE - Traubenförmige Hyperplasie der Gaumenmandeln, Wiener Klinische Wochenschrift, 59 N. 38, S. l, 1947.
3 - MAGRO, A. DEL. - "Arch. de Vecchi" anat. pato. 13 : 33-121, 49.

(*) Trabalho do Departamento de Patologia (Chefe: Prof. Fritz Köberle), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo).
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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