IntroduçãoO GLLM é uma doença que apresenta vasta sinonímia, caracterizando assim, cada termo, novas descobertas e contestações. Dentre algumas podemos citar: -granulomatose de Wegener, granulomatose de Stewart (as quais citaremos posteriormente) etc.
Atinge principalmente o trato aéreo digestivo superior, podendo atingir, a depender de seu tipo, outros compartimentos orgânicos, como crânio, pulmão, rins etc., mostrando assim que o seu caráter também pode ser sistêmico (1).
A região anterior da face é sujeita à exposição de irritantes, os mais variados possíveis. Daí suas lesões serem também de grande variedade morfológica. Devido a esta posição anatômica e à fragilidade de estruturas nesta área, graves doenças causam terríveis destruições locais. Este é o raciocínio defendido por Chappel e Ponell (1981), quando apresentaram a relação do irritante industrial, polyvinyl cloride ou PVC, com doenças do trato aéreo digestivo superior, pulmão e fígado (2).
Atualmente a classificação mais aceita para essa moléstia é a de Mc Bride, da síndrome do granuloma mediofacial. Este a divide em dois tipos:
a. Tipo Stewart, ou granuloma idiopático pleomórfico mediofacial.
b. Tipo Wegener, ou granuloma mediofacial de células gigantes - vasculite
1. Limitado 2. Sistêmico.
Tipo Stewart
Caracteriza-se por sua sinonímia extensa, de onde foi destacado especialmente o termo granuloma letal da linha média, que foi assim denominado pela primeira vez por William, em 1949. Dentre as outras, encontram-se: granuloma maligno, ulceração granulomatosa progressiva letal, reticulose maligna da linha média, granuloma de linha média idiopático, vasculite respiratória, doença idiopática destrutiva da linha média etc. (1).
Define-se como uma entidade caracterizada por lesões destrutivas do trato respiratório superior, não relacionada com tumores detectáveis e, provavelmente, causada por uma reação inflamatória fulminante a um antígeno, cujo tipo é desconhecido (1).
Apresenta diagnóstico diferencial bastante difícil, porque quase sempre assume suas características definitivas muito tardiamente, cooperando, isto também, para o insucesso da terapêutica. Sua incidência é maior em indivíduos de meia-idade (± 45 anos), tendo sido encontrados casos entre 15 e 80 anos de idade, em ambos os sexos (1).
O quadro clínico inicial mostra uma induração tumoral dos tecidos de alguma parte do nariz, como vestíbulo, septo e raramente os cornetos (1). Posteriormente aparecem ulcerações que destroem tecidos moles, cartilagens e até ossos. Essa destruição de nariz, palato duro e face em geral pode resultar na exposição dos seios maxilares e perda dos dentes (1, 5). Pode atingir semelhantemente faringe e laringe. Clinicamente apresenta três fases: a. rinite ou sinusite purulenta; b. lesão ulcerativa; c. descarga purulenta. Para surpresa, o paciente tem condição geral boa por toda a doença (1). No período final o paciente pode apresentar caquexia, hemorragias, infecções intercorrentes (natureza oportunista), meningite; septicemia etc. (3, 4).
A sintomatologia básica é a mesma do tipo Wegener, que será relatada quando abordarmos este tipo de granuloma (1).
Há três tipos de achados histopatológicos:
a. tecido de granulação não específico com células pleomórficas, alternando com partes de tecido fibroso; b. tecido de granulação não específico com predomínio de histiócitos; c. tecido de granulação não específico com predomínio de descargas necróticas (1).
É muito semelhante a processo neoplásico, por apresentar proliferação heterogênea de células, elementos histiocíticos e reticulose (infiltração reticular) (1, 3).
A radioterapia das regiões afetadas parece ser o método com maior tendência a interromper o processo ou conseguir resposta paliativa (3). Mc Bride refere que com radioterapia conseguiu-se até cinco anos de sobrevivência (1).
Tipo Wegener
Foi descrito inicialmente por Wegener em 1936 e 1939 como uma poliarterite rinogênica. Mc Bride descreve como um granuloma necrotizante de células gigantes, que atinge os vasos sangüíneos, provocando arterite e poliarterite com posterior necrose dos tecidos do trato respiratório superior, pulmão e sistema vascular (1).
Dentre os tipos de Wegener estão: a. granuloma Wegener limitado - caracterizado por atingir apenas o trato respiratório superior e ser mais sensível à terapêutica, por não apresentar caráter sistêmico, podendo até ocorrer remissão sem nenhum tratamento; b. granuloma Wegener sistêmico - seu nome bem o caracteriza. Pode invadir sistema nervoso, aparelho auditivo, causando neste um tipo de otite média serosa denominada gluear, laringe, rins, ossos (artrite reumatóide) e órgãos genitais (1, 2, 3, 4).
Sua patogenia é igualmente desconhecida, como a do tipo Stewart. Um mecanismo imunológico desconhecido é responsável pelo processo. Sugere-se a presença de imunoglobulina e algumas vezes complemento, nas paredes dos capilares sangüíneos. Há ainda sugestão de imunocomplexos sangüíneos em pacientes com doença ativa. Sabe-se, no entanto, que enzimas lisossomais são as responsáveis pelos danos inflamatórios vasculares, tanto no "Wegener" quanto no "Stewart" (1).
Este tipo atinge pessoas de ambos os sexos e todas as idades são afetadas, porém com maior incidência em indivíduos de meia-idade (1, 3).
O quadro clínico resulta da inflamação e ulceração da mucosa escamosa respiratória do nariz, seios da face e trato aéreo digestivo superior. Começa com inflamação, que leva a edema de mucosa, depois ulceração, exsudação e finalmente destruição tecidual com escarificação. Esta destruição atinge tecidos moles e tecido ósseo, causando fístulas e deformidades. O paciente refere nas primeiras semanas sintomas rinossinusais infecciosos como rinorréia, epistaxe, dor nasal, obstrução nasal, cacosmia subjetiva, crises esternutatórias, cefaléias etc. E tratado então como tal, muitas vezes, mas sem nenhum resultado positivo. Logo depois começa o processo de vasculite, com início do grave quadro destrutivo e sistêmico da doença (3, 4, 5).
Histopatologicamente encontram-se: angiíte necrotizante, necrose asséptica, células gigantes e inflamação com células linforreticulares atípicas (5).
Como terapêutica, para qualquer tipo da síndrome do granuloma mediofacial são usados, associadas ou não, drogas como: esteróides, imunossupressores e ainda, com grande importância, a radioterapia específica. Dentre os imunossupressores podemos citar, também em doses variadas, a depender da escola, os seguintes: azatioprina, clorambucil, ciclofosfamida, metotrexato, cytoxan etc. Como esteróide podemos citar a prednisona. Acrescentam-se ainda antibióticos, diuréticos, analgésicos e outros de menor importância, a depender da necessidade (2, 3, 4).
Relato do casoEste trabalho é sobre um caso de GLLM que surgiu no Ambulatório da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
D.S., 34 anos, lavrador, casado e procedente do Povoado Lagoa do Congo/Aquidabã/Sergipe.
Anamese
O paciente procurou o Ambulatório de Otorrinolaringologia do HC de- Aracaju referindo obstrução nasal esquerda há ± 15 dias, eliminação de secreção seromucosa, crises esternutatórias de média intensidade e cacosmia objetiva.
Exame físico
Cacosmia objetiva de grande intensidade com característica nauseante. A rinoscopia anterior encontrou-se uma hipertrofia irregular e ulcerada do corneto inferior esquerdo e discreta secreção mucosa no assoalho da fossa nasal e meatos. A mucosa nasal esquerda estava bastante hiperemiada e havia também semi-obstrução do mesmo lado. Na narina direita não houve nada digno de nota. O paciente não referiu dor à palpação dos seios paranasais. À rinoscopia posterior, as coanas mostravam-se desobstruídas e não se percebia nenhum sinal de sangramento, corrimento ou tumoração. Na orofaringe não houve nada digno de registro.
Evolução
Após 15 dias o paciente voltou ao ambulatório com estado geral agravado, apresentando no momento do exame uma fístula eliminadora de secreção mucopurulenta na parede lateral esquerda da pirâmide nasal, próxima ao ângulo interno da órbita. Em vista das condições do paciente, foi o mesmo internado.
O exame radiológico dos seios paranasais nas posições FN, MN e perfil revelou velamento difuso intenso dos seios paranasais esquerdos, hipertrofia do corneto inferior esquerdo, aumento da pirâmide nasal às custas de partes moles, predominantemente à esquerda. Não se constatou lesão nenhuma dó arcabouço ósseo facial (Fig. 1).
Fig. 1
O exame anatomopatológico de material retirado por biópsia do corneto inferior forneceu resultado compatível com leishmaniose tegumentar (Ex. n° 82.214). A sorologia para Lues foi negativa. A intradermorreação de Montenegro foi também negativa.
Prescreveu-se então antimoniato de N-metil glucamina (Glucantime) na dosagem de 0,75mg/dia, que corresponde a 2,5m1 de início, tendo sido posteriormente aumentada a dosagem para 1,5mg/dia, ou seja, 5m1/dia, sempre em injeções intramusculares.
Associado também, prescreveu-se a partir deste momento vitamina C na dosagem de 1,5mg/dia e Teragram Proteínas. Após encerrada a série de 10 dias com Glucantime, notou-se a ausência de qualquer recuperação no paciente, ocorrendo inclusive progressão do processo destrutivo, que neste momento já estava com ulceração externa da pirâmide nasal, acentuação do mau-cheiro (cacosmia) e aparecimento da secreção totalmente purulenta na face esquerda (região atingida).
Com 10 dias de interrupção de Glucantime iniciou-se a segunda série do mesmo medicamento, agora na dosagem de duas ampolas = 10ml, ou seja, 3g/dia, sempre intramuscular. Foi também acrescentado ampicilina na dosagem de 2g/dia, intramuscular.
O quadro depois desta série evoluiu drasticamente, chegando à ulceração, agora já com necrose, a atingir toda órbita esquerda, tendo levado inclusive à perda do olho esquerdo do paciente. O arcabouço ósseo facial continuava sendo mantido (Fig. 1).
Em decorrência do quadro evolutivo solicitou-se uma revisão da lâmina da biópsia anterior, tendo a mesma revelado o seguinte: "Secção de mucosa revestida por epitélio pavimentosó estratificada com áreas de híperplasia devido à acantose e áreas de ulceração recobertas por fibrina e restos celulares. Na lâmina própria vê-se um infiltrado linfo-histiocitário denso envolvendo estruturas capilares proliferadas e alguns vasos maiores com parede maciçamente permeada por linfócitos e alguns neutrófilos. Alguns plasmócitos e eosinófilos são observados entre os outros tipos de células e os neutrófilos são mais abundantes próximo à base da ulceração. No seio do infiltrado percebem-se algumas formações glandulares com a luz atapetada de neutrófilos. Conclusão: compatível com granuloma letal da linha média". Durante o intervalo da primeira para a segunda série de Glucantime o paciente foi acometido de miíase na região ulcerada. Esta intercorrência agravou mais ainda o quadro, chegando a levar o paciente a sentir pela primeira vez dores, que foram constantes e lancinantes. O corrimento passou a ser mu copio ssanguinolento. Efetivou-se tratamento com óleo canforado, onde foram aplicadas sete ampolas intramusculares, sendo uma ampola por dia. Esta terapia associada a pinçamento das larvas (275) levou à cura desta intercorrência.
Com o diagnóstico de GLLM foi instituída a seguinte terapêutica: 1. prednisona (Meticorten), na dosagem de 1 comprimido de 5mg de 8 em 8 horas; 2. azatioprina (Imuran), na dose de 1 comprimido (50mg) três vezes ao dia; 3. ampieilina (Amplacilina 500mg), na dose de 2g por dia, de 6 em 6 horas, intramuscular; 4. radioterapia local.
Realizaram-se, durante o processo evolutivo da doença, vários debridamentos de tecido necrosado, acompanhados por aspirações da secreção local e curativos diários com soro fisiológico, água oxigenada e mercurocromo.
O septo foi conservado por completo, assim como a parte anterior da asa do nariz. O processo chegou a atingir o malar esquerdo, destruindo-o completamente.
Após seis meses com este tratamento houve remissão do processo destrutivo, desaparecimento da secreção purulenta e neoformação de tecido de granulação.
Realizou-se então plástica em dois tempos cirúrgicos, com excelente resultado e completa aceitação do enxerto na face (Fig. 2).
Fig. 2
SummaryThe author presenis a case of letal granuloma of mid Tine, showing as being the most important facts. its rarity (in Sergipe only two cases were diagnosed) and the survival of more tham a year of the patient, who maintains local and general good conditions.
The case is fitted in the type of idiopathic pleomorfic granuloma mid facial or Stewart type, according to Mc Brides classífícatíon.
Its characterized by destructive lesions of superior respiratory sistem, which is not related to detectable tumours and probably originated from one fulminant inflammatory reaction to one antigen whose type is unknown.
Its incidency is greater in middle-age individuais (more or less 45 years old) but cases between 15 and 80 years old of both sexes were found.
The pathogenesis is discussed, being probable one immunitary etiology.
The treatment can be made-using. ímmunossupressives, steroids, radiotherapy, antibiotics, analgesics etc.,- being considered basic the first three mentioned.
Referências1. CHAPPEL, A. G. et al. - Malignant tumors of liver and lung with midline granuloma in an industrial worker. The British-Journál of Clinicai Practice, 35(5):195-6, 199, 1981.
2. CECIL, L. - Tratado de Medicina Interna. 14? ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1975. pp. 229-230. Vol. 1.
3. CRISSHMAN, J.D. et al. - Midline granuloma syndrome: a clinicopathologie study of 13 patients. Am. J Surgicai Pathology, 6(4):335-46, 1982.
4. DILNSHTEIN, E.A. et al. - Granuloma gangraenescens of the nose. Arch. Pathology, 44(5):68-71, 1982.
5. FRIEDMAN, 1. - Mc Bride and the midfacial granuloma syndrome. J. Laryngol. Otol, 96(1):1-23,1982. 6. EVESON, J.W. et al. - Non-healing midline granuloma. The British Journal of Oral Surgery, 20(2):102-8, 1982.
7. EICHEL, B.S. & MABERY, T.E. - The enigma of lethal midline granuloma. The Laryngoscope, 78:1367, 1968.
8. HUNGRIA, H. - Manual de Otorrinolaringologia..4~ ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1978. pp. 22-24.
9. KASSEL, S.H.; ECHEVARRIA, R.A. & GUZZO, EP. - Midline malignant reticulosis (so-called lethal midline granuloma). Cancer, 23(4):920-934, 1969.
1 Aluno do segundo ano do Curso de Pós-Graduação em ORL da PUC-RJ
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas Dr. Augusto Leite - Universidade Federal de Sergipe.
Endereço do autor - JEFERSON SAMPAIO DAVILA Rua Riachuelo15/1101 - 49000 - Aracaju - SE.