OBSERVAÇÃO I - M. V., com 29 anos de idade, branca, brasileira, solteira, auxiliar de escritório, residente na Capital. Registro n.º 51.535, do serviço do prol. Paula Santos. Anamnése - Procurou a clínica em outubro de 1942, encaminhada pelo Dr. Armando Gallo, parra exame de oto-rino, em virtude de estar perdendo a visão. Refere que não vê nada do olho esquerdo ha cêrca de 6 anos, por causa de uma catarata (sic) e do direito, que vem enfraquecendo de um ano para,:cá, tombem já não vê quasi nada, sendo por isso obrigada a deixar as suas atividades habituais. 'Queixa-sede dôres de cabeça na região frontal, raras e não muito intensas. Não refere corrimento catarral ou purulento pelo nariz.
Exame - Bôca: s/s. Faringe: amígdalas palatinas intravelicas, criptica Pequena quantidade de secreção amarelada, densa, pela pressão. Laringe: s/s. Nariz: R. A. - mucoso de aspecto e coloração normais; não se nota secreção catarral ou purulenta nos meatos medios. Não ha dôr à pressão ao nível dos antros. frontais e maxilares. R.. P. - s/s. Pela diáfanoscopia verifica-se diminuição da transparência de -ambos os seios maxilares. Sinál de Delobel positivo. Ouvidos: s/s. Exames complementares - Reação de Wassermann e Kahn: negativas (em 16-10-942) .
Radiografia: "Opacidade dos antros maxilares, mais acentuadamente do direito. Opacidade do etmoide direito e ligeira diminuição ,da transparência do frontal do mesmo lado". (a.) Dr. Miguel Centola. (em 27-10-942).
Diagnostico oftalmologico (feito pelo Dr. A. Gallo) - O. D.: coroidite exsudativa. O. E.: - catarata incipiente. Visão = 1/10.
Diagnostico O. R. L. - Sinusitd maxilar hiperplástica crônica. bilateral. Amigdalite septica crônica.
Tratamento - Em vista do resultado radiográfico, indicámos a operação transmakilo-nasal de Ermiro Lima á direita, Caldwell-Luc ü !esquerda e ,a ressecção das amígdalas. Receitámos oalcio, vitamina K e argirol a 2%) para instilaçães nasais.:
No dia 5-11-942 fizémos a operação de E. Lima, lado direito. Botropase na veia. Anestesia de base com Sedol e tronco-regional com sol. De Novocaina a 1%d, adrenalinizadà. Operação bem tolerada. Três dias após o gato cirúrgico, a paciente começou a notar francas melhoras da visão no ôlho direito, melhorás essa & que se acentuaram depois da amigdal~ectomia, que foi feita em 11-12-942, sob anestesia local, pela técnica de dissecção.
Em janeiro de 43 operámos o antro maxilar esquerdo, seguindo a mesma condita anterior.
Em ambos os maxilares, no ato operatório, notámos grande espessamento da mucosa e aspecto fungoso em alguns pontos, porém sem pús. Mucosa esfenoidal sem grandes alterações. O etmoide anterior direito apresentava tambem evidente degeneração da; mucosa. Os post-operatórios correram sempre sem incidentes dignos de nota.
Alguns dias após a última intervenção, a nossa paciente reencetava as suas atividades profissionais, com a visão do ôlho direito bastante melhorada.
Algum tempo depois, novo exame oftalmológico, feito ainda pelo Dr. A. Gallo, revelava melhora evidente da .lesão ocular direita, já em vias de cicatrização. Visão = 8/10. Um aumento de 7/10, portanto, verificado após as intervenções cirúrgicas.
Na última vez que a vimos, em 21-10-944, decorridos dois anos, contou-nos, satisfeita, que a visão à direita continua muito bôa. Do ôlho esquerdo continua não vendo nada, por causa da catarata que ainda não foi operada.
OBSERVAÇÃO II - T. L. T., com 19 anos, branca, brasileira,. casada, doméstica, residente na Capital.
Anamnése - A paciente veio -ao nosso consultório em 18-11-943,. encaminhada pelo Dr. Armando Gallo, para, pesquiza de focos de infècção. Refere que lia 3 anos está cé.ga do ôlho direito e enxerga muito mal do esquerdo. Não se queixa de dôres de cabeça, nem decorrimento .catarral ou purulento pelo nariz. Costuma ter, por ocasião de resfriados, inflamações moderadas da garganta, com pouca ou nenhuma febre. Está gravida de 3 meses.
Exame - Bôca: s/s. Faringe: amígdalas palatinas intravelicas,, crípticas, dando saida a secreção fluida amarelada pela pressão.
Ganglios submaxilares palpaveis, moveis, indolores. Laringe: s/s. Nariz: R. A. - ligeira hipertrofia dos dornetos inferiores; não ha ingestão da mucosa nem .secreção purulenta ou muco-purulenta nos meatos. R. F. - s/s. A diáfanoscopii; 4 nota-se opacidade do seio maxilar direito e sinal de Delobel positivo. Os frontais e o maxilar esquerdo, apresentam luminosidade normal. Ouvidos: s/s.
Exames complementares - Reação de Wassermann e Kahn: negativas .
Radiografia: (em 19-11-943) - "Espessamento acentuado da mucosa do seio maxilar direito. Transparência normal dos seios frontais, do seio maxilar esquerdo e dos seios profundos da face". (a.) Dr. d. M. Cabella Campos. Diante dos exames clínico e radiográfico, era evidente que a abertura do antro maxilar se impunha, antes de mais nada. Quizémos, porém, saber do Dr. Armando Gallo alguns dados referentes à lesão ocular apresentada¿ pela nossa paciento e se havia ou não urgência da intervenção, um tanto receosos que estavamos, devido ao seu estado de gravidez.
A resposta não se fez esperar: "coroidite macular no ôlho direito com perda total da visão nesse ôlho e coroidite exsudativa incipiente no ôlho esquerdo". Achava que, apesar dos riscos oferecidos pelo estado de gestação, convinha operar quanto antes. A visão, nessa altura, era = 1/20.
Tratamento - Indicação operatória do maxilar direito e, posteriormente, das amígdalas. Cálcio coloidal. Adebion. Naríal hidrico. Tempo de sangramento: 3': T. de coagulação: 1% Operação - (em 4-12-943): Lienalin intramuscular. Anestesia de base com Scofedal e tronco-regional com Sinalgan; Neotutocaina a 2% na fossa nasal. Transmaxilo-nasal de Ermiro Lima. Mucosa sinusal em gráu acentuado de degeneração, muito espessa e fungosa. Contra a nossa expectativa, verificámos a existência de pús cremoso e fétido num ponto situado ao nível do angulo postero-interno da cavidade maxilar. Gelulas anteriores do etmoide apresentando degeneração. da mucosa e pús. Seio esfenoidal de aspecto normal. Limpeza. Hemostas e Contra-abertura. A operação foi muito bem tolerada pela paciente, tendo o post-operatório corrido normalmente.
Ido dia seguinte à operação, tivemos a satisfação de saber que a paciente começava a notar melhoras da visão no ôlho direito. Consegui a vêr já, vagamente, o vulto das pessoas. Daí em diante as melhoras Moram se intensificando de dia para dia, a principio mais acentua-das no ôlho direito, depois em ambos.
Em 11-1-944 fizemos a amigalectomia por dissecção, com anestesia de base com Scofedal e, local com Sinalgan. Muito bem tolerada e sem incidentes no post-operatório, apezar do 5.° mês de gestação.
O exame oftalmológico, feito pelo Dr. A. Gallo algum tempo, após, revelou completa cicatrização das lesões da coroide de ambos os lados, e visão = 10/10.
Vimos a paciente em 9-11-1944. As melhoras obtidas persistem. Vi-. são ótima.
COMENTARIO
Não pretendemos fazer considerações em torno da infecção, focal, nem tão pouco ressaltai) a importancia que ela assume no campo da oto-rimo-laringologia e da oftalmologia. Desejarmos apenas chamar a atenção dos colegas para 2 pontos interessantes., que a leitura das nossas observações proporciona.
Em primeiro lugar, a questão da sintomatologia no setor oto-rimo-laringológico, muito pobre em ambos os casos, notadamente para o lado dos seios, apezar de, em um deles, tratar-se de sinusite maxilar francamente purulenta.
Esse é um ponto capital, por isso que os autores nos ensinam a não pretender a existência de sintomatologia exuberante, para fazer a indicação cirúrgica dos antros, em casos de alterações oculares sérias, sem outra explicação etiológica. E isto porque, maioria das vezes, a sinusite causal não é séptica. O prof. Segura confessava, em 1938, nunca haver encontrado um caso de nevrite cetro-bulhar causada por sinusite crônica purulenta.
As vezes, uma ligeira diminuição da transparência de um dos antros, ao exame radiográfico, pode ter grande significação, determinando a indicação cirúrgica, independente cie qualquer outro sintoma.
Sourdille chega mesmo a afirmar que, quando ha na anamnése o comemorativa de recente infecção nasal precedendo o inicio de uma nevrite retro-bulhar, por exemplo, deve-sé operar quanto antes, mesmo na ausência de todos os sinais de sinusite.
O prof: Segura segue idêntica: orientação. Mesmo nos casos em que, os exames clínico, neurológico e radiográfico nada revelam, aconselha proceder-se a abertura do seio esfenoidal, que é o mais frequentemente responsabilizado no acometimento do nervo ótico.
O outro ponto que desejamos ressaltar é o referente ao fato de, nos nossos dois casos, havendo apenas ligeiro espessamento .3a mucosa esfenoidal em um, sendo que no outro nenhuma anormalidade foi notada nesse antro, quer na radiografia, quer no ato cirúrgico. As lesões maiores estavam localizadas no maxilar e nas células etmoidais anteriores.
Estes achados não correspondem á classificação proposta, por Cordier e esposada por Sargnon. Esses autores agrupam, como complicações oculares das sinusites anteriores, os flemões, as dacriocistites, as paresias funcionais dos músculos e as alterações nas pálpebras, emquanto que relacionam as lesões nervosas (nevrite ótica, nevralgia do ganglio esfeno-palatino e paresias dos III.º, IV.° e VI.º pares cranianos), á infeção dos seios posteriores.
Aliás, nossos casos não são as únicas exceções, quanto á loficalização. Francisco Ha.rtung, em magnífico trabalho apresentado ao 1.° Congresso Brasileiro de O. R. L., relata um caso de nevrite retro-bulhar, em que havia unicamente .comprometjmento do antro maxilar, do lado oposto á nevrite. Cita, ademais, em sua comunicação, casos semelhantes relatados por Flachs, O. Lopes e Falcão.
Evidentemente, diante de uma afecção ocular grave, com perda progressiva e mais ou menos rápida da visão, excluidas tôdas ;as outras causas prováveis, os exames clínico e radiológico é que devem determinar o antro que se vai abrir. Este poderá ser anterior, excepcionalmente, como nos casos citados acima. É possível mesmo que os exames nada revelam. Mas isso não impede ,que trepanemos sempre os antros posteriores, seguindo os sábios conselhos de Sourdille e Segura.
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