ISSN 1806-9312  
Segunda, 22 de Julho de 2024
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1365 - Vol. 12 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1944
Seção: Notas Clínicas Páginas: 427 a 432
PARALISIA DO FACIAL (*) Um caso atípico
Autor(es):
Dr. FRANCISCO DE PAULA PINTO IIARTUNG

A paralisia do facial é uma complicação séria nas inflamações rolo ouvido médio. Não só séria. Em geral, grave e perigosa, porque o canal de Fallope, em uma eventual dehicencia, pôde dar caminho a germes que assaltem o endocraneo. Por isso, a idea antiga é bem sedimentada. Nada de contemporizações com a mastoide, quando o facial está comprometido. Ternos experiencia no passado. Operar e logo. Não só nos casos agudos como nos cronicos. É este o "mot d'ordre" que nos vem dos classicos. Salva-se o doente e cura-se a paralisia.

Era o que ditava Alexander, na sua inconteste autoridade. Que -se atacasse logo a mastóide, si o facial reagia;' mal nestas ,otites tormentosas. Não só êle. Outros nomes também. Laurens, que de inicio, indica, uma paracentese imediata. Si a paralisia persistir, nova paracentese depois de 24 ou 48 horas. Si, apezar disso, da nova drenagem, continuarem os fènomenos pareticos, trepanação imediata da mastoide. Laurens é radical e definido. Indica a trepanação independente de qualquer outro sintoma e tão sómente pelas condições do nervo lesado.

Também Fowler propõe a mastoidectomia imediata em tais emergências clinicas. Todavia, acrecenta êle, si a paralisia e a otite forem surpreendidos no. prirrieiro dia (ali" como foi rio nosso caso); a simples miringotomiá pôde curar a lesão do nervo. A proposito do assunto, Fowler cita uma observação curiosiss.ima

que presenciara. Uma paralisia do facial que se instalou do lado oposto áquele da otite. Evidentemente a lesão foi produzida por germens transportados por via sanguinea, em quadro da infecção focal. Coincidência perigosa que poderia levar o cirurgião a abrir uma mastóide em pura perda.

Mac Smith, citado ,no livro de Coates, diz que a paralisia do facial não é uma contingência comum na otite média aguda. Quando presente porém, impõe uma mastoidectomia imediata. A mesma presteza recomenda, quando em cena uma otite média cronica exacerbada que compromete o citado nervo.

Denker e Brünings também insistem na necessidade da trepanação precoce si o nervo é agredido na emergência de uma otite. Relembram a possibilidade de uma dehicencia ser uma porta aberta para a invasão do endocraneo.

Claoué e Wandenbosch, estudando este capítulo, chamam a atenção para o fato de que ás vezes a paralisia se, manifesta em uma otite de andamento surdo e silencioso. Que se operem logo taes casos, porque são dos mais perigosos para a vida do paciente. É a mesma impressão de Barrot e Escat que também se referem a uma otite atipica e frusta, cuja inflamação se localiza quasi que só no massiço osseo do facial, evoluindo sem outros sintomas que uma dôr na face anterior da mastoide, sentida principalmente à pressão, e ás vezes, uma manifesta hiperemia situada no segmento pretimpanico do conduto auditivo externo. Não temos notícia de referencia semelhante entre os classicos vienenses. Barraud ,recomenda que se trepane a mastoide e que se desbaste o canal de Fallope na extensão de alguns milímetros. Escat, porém se contenta com uma mastoidectomia ampla e arejada. Ambos os autores citam casos de defecho feliz nas suas respectivas atuações.

Bonain diz que é bem sabido que a paralisia tanto póde aparecer em uma simples otite catarral, como em uma otite média supurada aguda, ou cronica. Além desta patogenia, admite a possibilidade das paralisias a frigore ou ainda a eventualidade da sífilis e da infecção zosteriana. Na certeza, porém de comprometimento da caixa, Bonain recomenda a paracentese imediata, tanto nos casos catarraes, como naqueles de supuração. Se não houver melhora em 48 horas, a mastoide deve ser logo atacada, com folgada abertura do antro e celulas periantraes. Muitas vezes, a paralisia sara imediatamente. Em outros casos, a melhora só se procede em 15 dias e em outros, ainda leva mais tempo. Tuffier cita uma observação em que o facial levou 15 anos para. recompôr-se. Não elucida si operou ou não.

Kopetsky, a grande autoridade americana, estudando este capítulo de oto neurologia e as diversas soluções para salvar o facial, divide as suas paralisias em diversos grupos: paralisia de Bell, lesões do nervo nas petrosites, labirintites, abcessos do cerebro, lesões cirurgicas na radical, ou ainda lesões devidas a fatores mecanicos ou toxicos. Depois de rever as pertubações classicas da musculatura da face, sintetiza também os disturbios sensoriaes; ageusia do terço anterior da língua, quando a lesão envolve a origem da corda do timpano; herpes zoster, quando está afetado o ganglio genichlado; perturbações da salivação.

O estudo apresentado por Mc Call e Gardner interessa também pela etiopatogenia. Éles dividem as lesões em tres grupos. Paralisias por bloqueio da nutrição do nervo. De bom prognostico, cedendo em alguns dias. Compressão produzida por fragmentos osseos, provocando degeneração do nervo, que se regenera com a remoção do agente compressor. 3 - Paralisia como acidente cirurgico do esvasiamento petro-mastoideo. Duel e Balance conseguiram, em plastica, restaurar um facial 18 meses depois do acidente.

Eis a literatura de que dispuzemos no momento. Haverá muito mais. É evidente. Muitissimo mais, pois que as páginas avulsas que de continuo se inserem neste capítulo de patologia, constituem um grosso volume. Arterioesclerose, sífilis, nefrites, hipertensão, lesões da capsula interna, neoplassias endocraneanas e otopatologia. Clinica médica, neurologia e a nossa especialidade. Conhecendo porém bem este recinto e os colegas que o frequentam, em homenagem à sua cultura; não devemos insistir. Apenas estas notas que transcrevemos, tão somente a nós necessarias, para argumento e comentámio.
Passemos pois à:

OBSERVAÇÃO.

Trata-se da Snra. C. C. M., de 35 anos aproximadamente, residente nesta Capital. Na manhã de 8 de Agosto, seu marido nos pede ir com tôda a brevidade á sua residência, porque a sua senhora fôra acometida de violentas dôres no ouvido.

Atendendo ao chamado e à sua urgencia para lá,nos dirigimos imediatamente. Encontramos uma doente dando sinais de bastante sofrimento pela intensidade das dôres que a forçaram a passar à noite quasi em clara. Tem e tinha tido febre 38,5. A primeira inspecção um fato impressiona. Um certo repuxamento da face, a direita, em particular dos lábios. Paresia ou preguiça do facial incontestavelmente. Em um instante em que nos afastamos do quarto, indagamos discreta mente do marido se percebara essa anormalidade. Concordou comigo, e mais ainda, que até a vesgera nada havia. Ouvido externo nada de interesse. Dôr à pressão sobre o traves e contra a mastoide, que se irradiara a certa distancia para cima e para a nuca. Paracentese imediata. Incontinente por todos os motivos. Pelas dôres, pela febre, pelo facial e pelo aspecto do tímpano, em grande congestão. Mas mesmo que faltassem todos os outros elementos o facial exigia socorro e imediato. Sulfamida, 4 gramas, uma aplicação quente, banho de luz com rápidez, com a supuração abundante que se instalou, rapidamente o facial se reüez, a ponto de que em 48 horas não se percebia o menor indicio do desvio que nos preocupara.

Em 9 dias de tratamento cuidadoso e insistente havia a impressão de que á otite e o facial estavam resolvidos. Suspendíamos aos, poucos a sulfamida. A alta era iminente. A otoscopia revelava um tímpano sem brilho, mas sem o menor sinal da intensa congestão que apresentara. O orifício que houvera para a paracentese, atravez do qual se percebera pulsação, cicatrizara por completo.

Qual não foi a nossa surpreza quando, em seguida a um domingo nos aparece a senhora alarmadissima. Em uma chacara fora da Capital onde fôra passar o week-end, tentando chamar um cão que estimava, não conseguiu assobiar para êle. Era evidente a razão deste episódio. Tôda a metade do trosto, do lado da otite que tivera, comprometida. Com a face claramente repuxada não era capaz não só de assobiar, como também não conseguia fechar a palpebra correspondente. Também enrugar a testa era impossível deste lado. Além desta lagoffialmia, epifora e qualquer sensação extranha na língua. Como se depreende do que foi relatado, desta vez, os fenomenos paralíticos assumiam outra intesidade. Si tinha havido apenas uma paresia agora a paralisia era total. Prontamente passamos á otoscopia. Tudo normalizado, como havíamos assinalado na antevespera. Além disso; a doente não se queixa de dôr alguma no ouvido, mesmo à pressão contra o tragus ou a mastoide. Apezar disto, mandamos radiografara última pelo mascaramento que ás vezes produzem ás sulfamidas.

Ligeira diminuição, de luminosidade em relação à outra como era de esperar-se, pela otite recente que houvera, mas sem o menor vestigio de fusão ou de dextruição trabecular.
Não julgando adequada qualquer atuação cirúrgica, enviamos assim a doente com todos os documentos clínicos ao Dr. Longo, que verificando a bôa excitabilidade eletrica, medicou-a convenientemente e a submeteu á necessaria faradização. Em 14 dias práticamente estava curada a nossa cliente.

Ha duas semanas tornamos a revê-la. Tanto a otite corno a paralisia já ficaram de uma vez para o passado.

Eis pois uma observação bem diferente do comum e do vulgar. Não em si própria, em sua forma ou em seu aspecto científico, mas pelo caso relatado e sua raridade. Sendo um caso de ecepção, não se presta a conclusões. Mas por si mesmo por ser rara, convida à meditação.

No começo, foi facil. Uma paralisia evidentemente de causa otitica, que se desanuviou rápidamente á paracentese, neta bem desafogada a caixa. Ocorrência comum que nada tem de interesse. Socegou a doente. Tranquilizou-se o médico. Sarou e desapareceu completamente o incomodo sintoma mesmo antes de acabarem a dôr e a congestão. Mas depois. Porque voltou, recidivando, si não mais havia congestão nem, dôr?

Em uma perspectiva de mais angulo e amplitude, primeiro a sífilis, séria logo a idéia. Ou talvez alguns dos germes reconhecidamente neurotropos, que, de comum, insultam o facial. Do tétano, da difeteria, da; zona. Não eram porém provaveis, taes os comemorativos tão outros e recentes.

Depois, uma outra idéia, de folego ainda. Arrojada para nós, mas necessária. Imaginar uma eventual eclos,ão endocraneana, em simples coincidência com os fatos anteriores, interpretando ai situação do facial, como devida a uma lesão da capsula interna, em lesão piramidal. Seria, porém, perder-se por demais em conjecturas. Além do aspecto clinico em conjunto, falavam contra, as lesões dos ramos altos frontaes e palpebraes. Dissemos ser evidente pronunciada lagoftalmia, e de regra, em taes contingências clinicas esses ramos do facial quasi não são comprometidos.

Admitir também lesões, já periféricas, mas altas, entre a protuberância e o ganglio geniculado, não parecia razoavel. Esses tipos paraliticos aparecem em tumores, em lesões lueticas, em meningites, possibilidades em flagrante contradição com a, anamnese.

Tínhamos pois de regressar ao nosso campo e o nosso meio, fugindo a estas perigosas incursões. A lesão que acometera a nervo deveria necessariamente ser situada no seu trajeto intratemporal. Intuitivamente, um novo insulto, em nova arremetida do mesmo geriu em da primeira vez. Parecia muito lógico e possível. Não provavel, porém. Não havia o menor elemento clinico comprovante de uma recrudescência ou exacerbação da otite. Porque a paralisia, se clinica e radiologicamente a cura da otite fôra completa e radical? E alem disso ainda, mais manifesta e violenta que no inicio? Seria porém o quadro de Barraud, a que aludimos sem colorido porque a otite é tórrida e insidiosa? Também não parece pelo desfecho e pelo final que teve, sem nenhuma intervenção.

De qualquer modo porém, a prosoplegia estava em cena, e para explica-la só uma idéia nos restava. Uma variante de raciocínio que tudo conciliava sem exigir malabarismos de imaginação ou fantasia.

Primeiro, no começo uma paralisia leve, devida à otite e ao germem. Sarou bem com a paracentese precoce e incontinente realisada, sem deixar vestígios. Depois, curado o processo inflamatório da caixa, e suas paredes, um novo assalto ao nervo, independente agora do germem e da otite.

Compreende-se. Um nervo enfraquecido pelo recente insulto, debilitado, exposto ao ar e ao vento frios, uma imprudência qualquer uma vidraça aberta do automovel, depois . de banho de luz, nos dias gélidos de Agosto que tivemos. Dai, a congestão, a compressão contra as paredes do canal, corno explica Rimbaud, ou um reflexo do simpático contra o nervo, tal como preferem os mais modernos. Duas paralisias enfim, que, se sucederam e quasi se superpuzeram. Uma a germem, a outra sem.

Conjecturas. É possível e aceitamos qualquer objeção. Todavia, foi assim que acomodamos a nossa idéia e raciocínio, e, aceitando tal hipotese fugimos a um erro, talvez grave: trepãnar, na, urgência de curar.

Aliás, mesmo no erro, se compreenderia a atitude. Não, só a contingência humana é clinica, também o lado estetico e o aspecto social estavam em jogo.




(*) Trabalho apresentado' à Secção de O. R. L. da Associação Paulista de Medicina em 25-9-1944.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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