ISSN 1806-9312  
Segunda, 29 de Abril de 2024
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1354 - Vol. 12 / Edição 4 / Período: Julho - Outubro de 1944
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 221 a 240
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO DOS CORPOS ESTRANHOS DAS VIAS AÉREAS E DIGESTIVAS SUPERIORES, E DAS COMPLICAÇÕES POR ELES PROVOCADAS - 1
Autor(es):
Dr. PLINIO DE MATTOS BARRETTO

SÃO PAULO - BRASIL (1)

I CAPITULO

DIAGNOSTICO DOS CORPOS ESTRANHOS

A análise de nossas observações de corpos estranhos nas vias aéreas e digestivas superiores nos convence de que, na grande maioria das vezes, as complicações havidas decorriam da falta de um diagnóstico precoce e preciso.

Chevalier Jackson e Chevalier Lawrence Jackson, no magnífico compêndio "Diseases of the Air and food passages of foreign-body origin", apontaram com muito acerto os principais fatores da falha no diagnóstico dos corpos estranhos. Com o intuito de divulgar, entre os estudantes da nossa Faculdade, o conhecimento destes fatores, nós os transcreveremos aqui e procuraremos com material de nossos serviços, apresentar exemplos que sirvam para gravá-los na memória daquêles que, mais cêdo ou mais tarde, terão que resolver os intrincados problemas de corpos estranhos.

Os Jacksons apontam, como fatores da falha no diagnóstico dos corpos estranhos, as seguintes causas:

I - Não considerar a possibilidade de corpo estranho.

II - Não elucidar a história.

III - Falta de história de corpo estranho.

IV - Cepticismo quanto à possibilidade da presença de corpo estranho, mesmo em face de uma história positiva e pormenorizada do acidente.

V - Atitude apática do médico.

VI - Intervalo assintomático.

VII - Multiplicidade de corpos estranhos.

VIII - Espera pela expulsão expontânea.

IX - Simulação, em casos de corpos estranhos, dos sinais e sintomas de moléstias relativamente comuns, tais como asma, bronquite, pneumonia, bronco-pneumonia, empiema, abcesso, bronquietasia e tuberculose.

X - Falta de ênfase, no ensino médico, da necessidade de excluir a possibilidade de corpo estranho, em tôdas as moléstias agudas ou crônicas do tórax.

XI - Infundamentada suposição da passagem do corpo estranho com as fezes.

XII - Natureza do corpo estranho.

Realmente, antes do mais, o médico deve habituar-se a pensar na hipótese de um corpo estranho; em tôdas as afeções das vias respiratórias e digestivas superiores, êle deverá, com muito cuidado, ouvir e inquirir sôbre o início da moléstia.

Tambem estamos convencidos de que não há sinal de valor absoluto, para o diagnóstico dos C. E., e que os mais característicos são os sintomas iniciais, que constituem a crise de tosse, sufocação e engasgamento, crise esta que existe praticamente em tôdos os casos de corpo estranho e que pode passar despercebida ou ser esquecida. E, com frequência, passa despercebida, ou é esquecida, principalmente nos casos de crianças, porque ela é de intensidade e duração muito variável.

A crise inicial é seguida por um Intervalo assintomático, que leva a vítima ou os seus responsáveis a esquecerem-se dos sintomas iniciais, e a confundirem os posteriores com manifestações de outras moléstias, como a difteria, coqueluche, etc.

Foi para realçar a importancia do interválo assintomático e permitir a análise em conjunto, dos sintomas posteriores, que tivemos a idéia de organizar um quadro sinóptico, quadro êste destinado tambem a facilitar aos estudantes de medicina a compreensão da sintomatologia provocada pelos corpos estranhos das vias aéreas e digestivas superiores.

Nele procuramos lembrar o valor dos exames radiográficos e reproduzimos alguns gráficos de C. Jackson, para melhor explicação dos fenômenos de enfisema e atelectasia.

Para acostumar àquêles que freqüentam os nossos serviços, a considerarem, em conjunto, a sintomatologia dos corpos estranhos e a não se fiarem em um único sintoma, é que adotamos, na anamnese dos casos suspeitos de corpos estranhos, o questionário proposto pelos Jacksons. Servimo-nos também de fichas especiais, que facilitam a documentação das observações (Fig. I).


ENDOSCOPIA PERORAL

Serviço do Dr. PLINIO DE MATTOS BARRETTO
SANATÓRIO ESPERANÇA - SÃO PAULO

Ficha usada para observações de corpos estranhos.



Estas fichas têm a vantagem de chamar a atenção para aquêles dados que, realmente, nos conduzem ao diagnóstico do corpo estranho e das condições do paciente.

Além da identificação do doente, aquêle que faz a observação deverá anotar, sempre que possível, a data e com minúcias as condições do acidente.

A descrição pormenorizada do acidente será útil porque nos poderá conduzir ao diagnóstico da natureza do corpo estranho, da sua provavel localização e das condições em que se encontrava a vítima, na ocasião do acidente. O valor desta primeira anotação sobresai quando pretendemos fazer a profilaxia de tais acidentes.

Com grande cuidado aconselhamos que sejam anotados os sintomas na sua ordem cronológica. O nosso quadro sinóptico mostra ser o conjunto das manifestações provocadas pelos corpos estranhos que nos permite localiza-los e avaliar as complicações por êles provocadas.

Tôdas as tentativas feitas para remover o C. E. também são cuidadosamente anotadas, porque, com muita freqüência, elas são responsáveis pelas complicações, que os doentes apresentam.

Veremos, mais tarde, que sempre que houve uma tentativa instrumental, e as condições do acidentado nos permitem, esperamos dois ou três dias, para fazer novas tentativas.

Na nossa ficha tambem ficam anotados os resultados dos exames físicos e radiológicos que podem ser necessários para a completa elucidação do diagnóstico.

A intervenção endoscópica só é praticada depois de bem estudadas as condições do paciente, depois que o problema de extração foi teòricamente resolvido, pelos estudos radiográficos, pela escolha do material adequado e, algumas vezes, sòmente depois da experimentação com uma duplicata do corpo estranho.

A anotação dos instrumentos usados, do achado endoscópico e dos problemas de extração, colocados ao lado de uma fotografia do corpo estranho, servirão para guiar-nos nas outras intervenções que tivermos que praticar em casos semelhantes.

Uma série de exemplos bem demonstrativos bastará para fazer reter na memória o nosso quadro sinóptico, que não nos parece destituido de valor prático.

Em outubro de 1941, atendemos, em nossa clínica particular, a um caso muito ilustrativo, vindo do interior de um Estado vizinho, de um lugar muito desprovido de recursos. Contou-nos a mãe do doentinho, que tinha nesta ocasião seis anos, que, em março de 1936, para distrair os filhos, lhes deu, inclusive ao menor Valdemar, um pedaço de chocolate, e mandou que fossem brincar no terreiro. Logo depois, o Valdemar, que nessa ocasião tinha um ano e dois meses, voltou para junto da mãe, tossindo, muito aflito, sufocado e sem poder falar. A mãe julgou que êle se tivesse engasgado com o chocolate. Várias vêzes, enfiou o dedo na garganta do filho, que vomitava apenas uma "gosma branca". Durante uma ou duas semanas, a criança não teve sossêgo. Sempre com tosse e, algumas vêzes, com acessos de sufocação. Os pais eram obrigados a carregar o pequeno quase que o dia todo, para que êle pudesse acomodar-se. Como no lugar, onde moravam, havia muitos casos de "coqueluche", pensaram que o menino tivesse também contraído esta moléstia. Depois de uns 15 dias, melhorou, mas, durante um ano inteiro, teve repetidos acessos febris, e, nalguns períodos, a tosse se agravava. Depois do primeiro ano, as condições gerais da criança melhoraram um pouco, mas, cada dois ou três meses, sobrevinha "nova gripe, resfriado, tosse e febre".

Admitiam os pais que, em conseqüência da "coqueluche" mal curada, o pequeno tivesse ficado com "tosse crônica", e esqueceram-se daquele dia, em que a criança manifestou os primeiros sinais da doença. E nesta situação, foram-se passando os anos, até que, um dia, quando a mãe vestia o filho, casualmente encostou o ouvido no peito dêle, e ficou muito alarmada com o "barulho muito forte e esquisito que fazia a respiração". Chamou logo a atenção do marido para êste fato, e ambos resolveram levar o menino à cidade, para consultar um médico. Este para explicar aquela respiração ruidosa, pediu um exame radiográfico, que revelou a presença de um grande prego nos brônquios do pulmão direito da criança. Sómente depois de um minucioso interrogatorio, é que conseguimos reconstituir a história dêste caso, pois a mãe aos poucos nos foi narrando os vários episódios da vida do seu filhinho. A figura II (pág. 228) mostra parte da documentação radiográfica, que temos do caso.

O segundo caso, que mencionaremos a seguir, servirá para exemplificar a falta de atenção, que com frequência, a vítima e os seus responsáveis prestam à sintomatologia, mesmo das mais sugestivas e importantes.

Uma menina de seis anos estava comendo peixe e conversando com uma amiga. Ao dar uma risada, engasgou-se com qualquer cousa. Teve fortes acessos de tosse, e mesmo dificuldade para respirar. Mas, aos poucos, a tosse passou e também a dificuldade respiratória. A menina esqueceu -se do acidente. Tempos depois, a mãe notou que a filha estava com tosse e rouca.

Levou-a, então, a uma clínica de garganta, ouvido e nariz, onde a examinaram. Dias depois, a menina foi operada das amígdalas e vegetações adenóides.

Passados dez dias, a mãe voltou com a criança e informou que, apesar da operação, a menina continuava rouca, e que, nos últimos dias, estava respirando muito mal. A paciente foi-nos então encaminhada, e fizemos o diagnóstico de corpo estranho na traquéia.

Depois disto é que conseguimos apurar a história do acidente de corpo estranho, de que a menina fôra vítima, três meses antes. Ela ainda foi feliz, porque pudemos, pela endoscópia, remover o corpo estranho e evitar uma traqueotomia, que já era iminente. (Fig. III).

Agora, o histórico de uma observação igual ao de muitas de nossa coleção: Os pais ignoravam o acidente.



FIG. II - Corpo estranho com longa permanência de cinco anos nos brônquios de um menino de seis anos.
A crise inicial de tosse e sufocação foi confundida pelos pais com os sintomas de coqueluche e as complicações pulmonares tambem atribuídas a esta moléstia. Cinco anos mais tarde a mãe encostou casualmente o ouvido ao peito da criança e notou uma respiração muito ruidosa. Só então é que levou á criança ao médico.
Ao ser removida para a nossa clínica apresentava grave supuração pulmonar e repetidas crises com severas hemoptises. Ao remover o corpo estranho, destacou-se uma parte da cabeça que ficou retida em uma cavidade cheia de tecido de granulação. Foi necessário retirar estas granulações para poder atingir o fragmento do corpo estranho.



A broncografia revela a que estado ficou reduzido o pulmão direito desta criança.

De uma cidade do interior do nosso Estado, trouxeram-nos um japonesinho de vinte e um meses. A criança respirava com extrema dificuldade, e já não dormia há dois dias. Apresentava voz rouca e abafada; respiração muito difícil; lábios cianóticos; olhar de ansiedade e fronte banhada em suores profusos. Os pais informavam, apenas, que havia mais de um mês, a criança estava com tosse, e que, nos últimos dias, tinha piorado muito.

Guiados pela experiência, que temos com casos semelhantes, e conhecedores de alguns dos estranhos hábitos dos japonêses, pensamos logo em corpo estranho e indagamos se a criança não se havia engasgado com alguma cousa. A mãe respondeu-nos negativamente, mas ao perguntarmos se ela não tinha dado peixe ao pequeno, notamos o sobressalto que esta pergunta lhe causou. "Não, doutor! Mim nunca deu peixe; criança só toma sopa de peixe". E, enquanto, em nosso semblante, certamente aquela mãe via a satisfação, por estarmos em uma pista certa, nós notavamos a crescente aflição,em que estava a boa senhora, julgando-se responsável pelo acidente e pela evolução ao caso. Com dificuldade, conseguimos reconstituir a seguinte história: Quatro semanas antes da nossa primeira consulta, quando a mãe estava dando sopa ao filho, êste engasgou-se. Teve forte acesso de tosse, ficou logo com a voz abafada e com bastante dificuldade para respirar. Pouco depois, a tosse se acalmou, mas, de quando em vez, reaparecia, sob a forma de acessos. A criança continuava sempre rouca. Foi levada a uma farmácia, onde lhe deram xaropes. Mais tarde, foi examinada por um colega nosso, que também não conseguiu melhorar a situação, com "injeções e compressas quentes" (sic.).

Embora o corpo estranho tivesse permanecido tão longo tempo na traquéia do doentinho e provocado forte estenose inflamatória, nós ainda conseguimos,pela via peroral, remover uma espinha de peixe, a qual era responsável por todo aquele quadro. Fig. IV.



FIGURA III



Espinha de peixe retirada da traquéia de uma menina de 6 anos. Permanência do corpo estranho, 3 meses.

O diagnóstico foi feito 20 dias após amigdalectomia. O operador não elucidou a história do acidente que já tinha sido esquecido pela vítima e pelos pais.

Clínica: O. R. L. da Fac. N. Reg.:
Data: 2/9/38.
Endoscopista: Dr. Plínio Mattos Barretto.
Idade do Paciente: 6 anos.
Natureza do C. E.: ESPINHA DE PEIXE.
Localização: 1/3 superior da traquéia.
Permanência: 3 meses.
Anestesia: - -
Tubos: 4X35 C. J. Bronchoscope.
Pinças: Forward Grasping.
Tempo de extração: 10' e 35".
Problema: - Exposta a laringe pudemos ver o corpo estranho na sub-glote. Como a criança estivesse respirando muito mal durante as manobras que procedíamos, para desencravar o corpo estranho, resolvemos empurrá-lo para baixo. Introduzindo a seguir o broncoscópio, localizámos o corpo estranho no brônquio principal direito e dali o removemos.

N.º do C. E. : 52. P.M.B.

No caso, que mencionaremos a seguir, houve longa permanência, porque o médico não quis acreditar na possibilidade de um corpo estranho, mesmo diante de uma história muito sugestiva.



FIGURA IV
Espinha de peixe retirada da parte alta da traquéia de uma criança de 21 meses. Permanência 45 dias. Os pais não referiam acidente de corpo estranho, mas uma anamnese bem conduzida permitiu reconstituir o histórico do caso: A criança se tinha engasgado com uma espinha ao tomar uma sopa de peixe. Notar o grande abaulamento do espaço retro-traqueal devido à formação de um abcesso que foi drenado endoscópicamente depois de removido o corpo estranho.



Em novembro de 1937, atendemos uma criança, que em fins de Abril daquele ano, tinha sido vítima de um acidente de corpo estranho. Contou-nos a mãe que, ao voltar do trabalho, encontrou a filho, de 2 anos de idade, engasgado e cuspindo sangue. Suspeitou logo de que o pequeno tivesse engulido uma moeda, que lhe tinha dado, naquele mesmo dia. Como, mais tarde a criança tivesse ficado calma, a mãe que não estava certa do que se passava com o filho, resolveu esperar. A criança, que, desde o dia do acidente, só podia alimentar-se muito lentamente, embora pudesse comer feijão e arroz, não tardou a apresentar respiração ruidosa. Perdeu ràpidamente muito pêso. A mãe experimentou curar a tosse e a "ronqueira" do filho, com remédios caseiros. Em outubro, já cansada de experimentar mais isto, mais aquilo, procurou um Ambulatório, e contou ao medico a suspeita, que tinha, de que o filho tivesse engulido a moeda. O médico achou que o pequeno estava com bronquite, receitou um xarope, disse à mãe que esquecesse a história do corpo estranho, e penso que, pilheriando, é que acrescentou- "Pelo tempo decorrido, o corpa estranha já teria feito todo o mal, que poderia fazer".

Como a criança continuasse sempre a piorar, foi encaminhada a um serviço de tuberculose. Aí foi feita uma radiografia, que revelou o corpo estranho na parte média do esôfago. Este corpo estranho, com uma permanência de seis meses, foi por nós removido, em quatro minutos, por via endoscópica.

Os principais sintômas dêste caso eram atribuíveis às vias aéreas, embora o corpo estranho estivesse localizado no esôfago (Fig. V).

Uma criança de 14 meses apresentou crises de sufocação e engasgamento, quando brincava no chão, junto de outros menores. A mãe, que logo acudiu, pensou que a filha tivesse engulido uma bola de vidro. O médico consultado prescreveu purgativos, e aconselhou que esperasse pela expulsão.

Sete dias depois, a criança continuava a não passar bem, vomitando boa parte do que ingeria. Apuramos que não havia disfagia e que os vômitos sobrevinham durante os acessos de tosse. O corpo estranho, uma tachinha, foi localizado e removido do brônquio principal esquerdo, onde permaneceu durante 7 dias (Fig. VI).



FIG. V



Moéda que foi localizada no 1/3 médio do esôfago de uma criança de dois anos, num ambulatório de tisiologia. A permanência do corpo estranho foi de 6 meses, principalmente porque um médico consultado não quiz admitir a hipótese de corpo estranho, embora a mãe contasse uma história muito sugestiva. Os principais sintomas deste caso foram atribuidos às vias aéreas, apesar de estar o C. E. localizado no esôfago. Notar na radiografia o alargamento da imagem do mediastino torácico. A reação mediastinal cedeu rapidamente depois que o corpo estranho foi removido.

Clínica: O. R. L. da Fac.
Data: 25/11/37.
Endosc. : Plínio Mattos Barretto.
Idade do paciente : 2 anos.
Natureza C. E. : Moeda 200 réis.
Localização : 1/3 méd. do esôfago.
Permanência : 6 meses.
Anestesia : - - -
Tubos : Esophag. Haslinger 6,5.
Pinças : Laryngeal Grasping.
Tempo de extração : 4 minutos.

Problema : - Havia na luz do esôfago grande quantidade de granulações da mucosa que sangravam facilmente. Secreção purulenta fétida. Movimentos de rotação do esofagoscópio permitiram expôr o bordo do corpo estranho.

N.º do C. E. : 28. P.M.B.


Cremos que êstes exemplos são suficientes, para vos demonstrar as dificuldades, que podem existir, para o diagnóstico dos corpos estranhos, se nos basearmos exclusivamente nas informações dadas pelos pacientes ou seus responsáveis, e, mesmo, pela observação dos sinais subjetivos apresentados.

Antes de terminarmos a nossa exposição, teremos mostrado, embóra ràpidamente, a documentação radiográfica de mais alguns casos, que talvez sirvam para gravar mais na memória o quadro sinóptico dos sintomas dos corpos estranhos.

As primeiras radiografias servirão para demonstrar que, no estudo dos corpos estranhos, é indispensável um bom exame radiográfico, e que sejam feitas pelo menos duas chapas, em planos diferentes.

Assim, estas duas chapas de dois casos diversos não nos permitem fazer uma idéia sôbre a natureza dos corpos estranhos engolidos por estas duas crianças. Ao passo que as chapas feitas no plano frontal logo farão acreditar que até as próprias crianças brasileiras estão empenhadas no esforço para a Vitória: Uma engoliu um soldado alemão, e outra um avião: (Figs. VII e VIII).



FIG. VI
Taxinha que permaneceu 7 dias nos brônquios de uma criança de 14 meses.
A mãe julgava que a criança tivesse engolido uma bola de vidro, e a conselho médico ficou esperando a expulsão do corpo estranho depois de ter dado o purgativo prescrito. Os vómitos apresentados pela paciente, provocados pelos repetidos acessos de tosse, foram errôneamente interpretados como devido à obstrução no trato digestivo.



Também, se comparássemos radiografias frontais dêstes dois outros casos, acreditaríamos que se tratava de dois casos idênticos, mas as chapas, feitas no plano sagital, mostraram quanto êles diferiam: um alfinete estava na hipofaringe, e o outro na laringe (Fig. IX).



FIG. VII
As radiografias no plano sagital destes dois diferentes casos não nos permitem fazer uma idéia sôbre a natureza dos corpos estranhos.




FIG. VIII
Nestes dois casos sòmente as radiografias frontais nos permitiram identificar os corpos estranhos. Notar que os corpos estranhos achatados ficam no plano frontal quando no esôfago ou na hipofaringe.



Radiografias em dois planos foram indispensaveis para o estudo dos problemas para a remoção desta mola de prendedor de roupa, engulida por um garoto de dois anos. Graças à elas, o corpo estranho pôde ser removido, sem o menor traumatismo para o menino, e por uma intervenção, que durou um minuto e vinte segundos. (Fig. X).

No caso seguinte, a radiografia póstero-anterior mostra a imagem de um grampo de papel, que, por estar com a sua maior superfície no plano frontal, com mais probalidade devia estar localizado na hipofaringe ou esôfago. A radiografia no plano sagital mostra qual é a verdadeira localização do corpo estranho. (Fig. XI).



FIG. IX
As radiografias frontais nos levariam a admitir uma localização idêntica para os corpos estranhos destes dois casos. As sagitais nos permitem verificar logo a grande diferença que existe entre eles. Um alfinete está localizado na laringe e outro na hipofaringe.



FIG. X
Estas: radiografias em dois planos foram indispensáveis para o estudo dos problemas para a remoção dêste corpo estranho que foi engulido por um garoto de 2 anos.



Corpo estranho removido em 1 minuto e 20 segundos sem o menor traumatismo.

Clínica : O. R.L. da Fac. N.º Reg. : 33.033.
Data : 13/4/38.
Endoscopista : Dr. Plínio de Mattos Barretto.
Idade do paciente : 2 anos.
Natureza do C. E. : MOLA DE PRENDEDOR DE ROUPA.
Localização : 1/3 superior do esôfago.
Permanência : 8 horas.
Anestesia : _ _
Tubos : Haslinger 8,5.
Pinças : Laryngeal Grasping.
Tempo de extração : 1' e 20".

Problema: - O C. E. foi apanhado no ramo transversal e seguro de tal fórma que podiamos executar movimentos pendulares que permitiram desencravá-lo.

N.º do C. E. : 45. P.M.B. 103.

Uma criança de um ano e dois meses engasgou-se quando tomava caldo de feijão com arroz. A mãe, na ocasião dêste acidente, tentou alcançar algum corpo estranho com o dedo, tendo provocado ligeiro sangramento. A criança logo ficou com a voz alterada e com acessos de tosse. No mesmo dia, foi chamada uma doutora, que diagnosticou difteria, tendo marcado para o dia seguinte uma conferência com dois outros colegas. Nesta conferência, apesar dos pais informarem que até o dia do acidente a criança estava em ótimo estado de saúde, foi confirmado o diagnostico de difteria. Os médicos não admitiam a hipotese de corpo estranho, por saber que o alimento dado ao pequeno não continha carne e fora cuidadosamente preparado pela mãe.

No dia seguinte, a criança foi operada de traqueotomia, no Hospital de Isolamento. Pesquisas de bacilos diftéricos, sempre negativas. Duas tentativas infrutíferas para descanulização. Depois, conseguiram retirar a cânula, mas a criança continuava a respirar mal. Vários médicos foram consultados, até que um pensou em corpo estranho e pediu exames radiográficos. A permanência do corpo estranho, por nós removido, foi de 68 dias (Fig. XII).

Agora, um caso, em que a ingestão do contraste foi necessária, para evidenciar o corpo estranho. (Fig. XIII).

Um outro artifício, para determinarmos a localização de um corpo estranho não opaco aos raios X, e alojado na hipofaringe ou esôfago consiste em fazer o paciente deglutir uma cápsula, que contenha bário. (Fig. XIV).

Nos seguintes casos de estenose cicatricial do esôfago, a porção inferior da imagem contrastada já nos levou a admitir a presença de corpo estranho.



FIG. XI
Este caso de grampo de papel, pela sua forma especial e sua localização em parte na sub-glote e em parte no vestíbulo da laringe, constitue a unica exceção que temos de corpo estranho com maior superfície no plano frontal e localizado ao nível da laringe.



Clínica : O. R. L. da Fac.
Data : 24/1/39.
Endoscopista : Plínio de Mattos Barretto.
Idade do paciente: 2 anos e 1 mês.
Natureza do C. E.: GRAMPO PARA PAPEL.
Localização : Traquéia.
Permanência : 12 horas.
Anestesia: - -
Tubos: C. J. Bronch. 5 X 35.
Pinças : Forward Grasping e. Laryngeal Grasping.
Tempo de extração : 5 minutos.
Problema : - Expôr o C. E. que estava na sub-glote. Não tendo sido possível na primeira tentativa apanhar o C. E. só com a exposição da laringe, tentámos usar o broncoscópio. Sendo difícil apegada, procurámos novamente expôr a laringe e conseguimos apanhar o corpo estranho.
N.º do C. E.: 77. P.M.B.



FIG. XII
Pedaço de vidro de forma achatada, localizado no 1/3 superior da traquéia de uma criança de 14 meses. Permanência do corpo estranho foi de 68 dias, porque os primeiros médicos não quizeram acreditar em corpo estranho e pensaram em difteria. Notar que os corpos estranhos achatados ocupam plano sagital, quando na laringe ou traquéia.



Clínica : Particular.
Data : 1/12/38.
Endoscopista : Dr. Plínio de Mattos Barretto.
Idade do paciente : 1 ano e 2 meses.
Natureza do C. E.: PEDAÇO DE VIDRO.
Localização: 113 superior da traquéia.
Permanência: 68 dias.
Anestesia : - -
Tubos : C. J. Child Laryngoscope.
Pinças : Forward Grasping.
Problema : - Exposição e remoção do corpo estranho.

Se, no caso da última radiografia, o colega, que o atendeu, tivesse prestado atenção a êste pormenor, teria evitado muito sofrimento para o seu paciente. Ele teria logo podido imaginar que, em lugar do pedaço de carne, que tentou deslocar com uma sonda munida de uma oliva dilatadora, tinha ficado a oliva. Ele teria suspendido todas as tentativas e planos de tratamento, que propôs ao doente: Gastrostomia e, segundo informação do doente, até mesmo a esofagoplastia extra-torácica. (Fig. XV).

Ao estudarmos as complicações produzidas pelos corpos estranhos intratraqueais e intrabrônquicos, chamaremos a atenção para a necessidade de serem também tomadas chapas em inspiração e expiração.

Depois do que já foi apresentado estamos certo de que os nossos leitores receberão com satisfação as seguintes sugestões dos Jacksons, que muito podem auxiliar, na profilaxia da falha no diagnóstico dos corpos estranhos das vias aéreas e digestivas:

"Qualquer que seja a queixa principal, a possibilidade de um corpo estranho não pode ser ignorada, e, portanto, a todo paciente, ou aos pais, em caso de crianças, devem ser feitas as seguintes perguntas:

a) - O paciente nunca ficou engasgado, ou sufocado, ou cianótico, quando comia ou segurava qualquer cousa na bôca ?
Em caso afirmativo obtêr pormenores.

b) - O paciente alguma vez enguliu, aspirou ou ficou sufocado, ou engasgado, com corpo estranho de qualquer natureza ?

c) c) - Alguém já notou uma respiração ruidosa, estando o paciente com a bôca aberta ?

d) - O paciente apresenta hesitação ou dificuldade no engulir ? Regurgitou alguma vez as substâncias ingeridas ?

e) - No caso de uma resposta positiva a qualquer destas perguntas, ou sempre que houver qualquer sintoma atribuível às vias aéreas ou digestivas, os Jacksons aconselham conservar, como uma possibilidade, o diagnóstico de corpo estranho, até que esta seja afastada pelo resultado negativo de todos os nossos meios propedêuticos".



FIG.XIII
Argola de osso, melhor evidenciada pelo contraste.



Clínica: Particular. N.º Reg.
Data : 28/1/38.
Endoscopista : Dr. Plínio de Mattos Barretto.
Idade do paciente : 12 anos.
Natureza do C. E.: ARGOLA DE CHUPETA.
Localização : 1/3 superior do esôfago.
Permanência : 4 dias.
Anestesia: - -
Tubos: Haslinger 8,5.
Pinças: Laryngeal Grasping.
Tempo de extração: 23".
Problema: - Fácil exposição do corpo estranho.

N.º do C. E.: P.M.B. 35.



FIG. XIV
Com o uso de cápsula contendo bário conseguimos localizar uma espinha de peixe no 1/3 inferior do esôfago.



Também estamos de acôrdo com os nossos mestres, que todos os basos de tosse, rouquidão, dispnéia, respiração ruidosa, obstrução brônquica ou qualquer, outro sintoma agudo ou crônico atribuível às vias aéreas ou digestivas; sejam considerados como casos de corpo estranho, até que se prove o contrário, por todos os meios diagnósticos, incluindo a endoscopia.

Só assim poderemos evitar a nós, médicos, o desapontamento de falhar ou atrasar o nosso diagnóstico, e, aos nossos doentes, só assim conseguiremos evitar sofrimentos inúteis e danos irreparáveis, causados pela longa permanência dos corpos estranhos.



FIG. XV
Nestes dois casos de estenose cicatricial do esôfago a porção inferior da imagem contrastada já nos leva a admitir a presença de corpo estranho. Se no caso da ultima radiografia o colega que o atendeu tivesse prestado atenção a êste detalhe, teria evitado muito sofrimento ao doente. Teria suspeitado que uma parte do instrumento por êle usado para deslocar um pedaço de carne, tinha ficado retido no esôfago.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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