ISSN 1806-9312  
Quinta, 18 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1346 - Vol. 2 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1934
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 494 a 498
AINDA OS NOVOS ANESTÉSICOS DE EMBEBIÇÃO: A LAROCAINA
Autor(es):
DR. PAULO MANGABEIRA ALBERNAZ (2)

Na sessão de 17 de agosto de 1933 (1) tive eu oportunidade de comunicar a esta Sociedade, os resultados obtidos com os novos anestésicos de embebição, estudando a butelina, a percaina, a néo-tutocaina e a tutocaina. Hoje completo êste estudo, juntando-lhe os dados que pude colher com o emprego da larocaina.

Caracteres gerais - A larocaina, preparado 1322 da firma Hoffmann-La Roche, de Basiléia, é o cloridrato de para-amino-benzoil-2,2 dimetil-3 dietilamino-propanol. Apresenta-se sob a forma de um pó branco, cristalino, de sabor amargo. Dissolve-se fácilmente em água ou em sôro fisiológico, até 25%.

Estudo experimental - a) Acção analgésica - Para a anestesia da córnea do coelho a concentração-limite, na opinião de Dietrichs é de 0gr. 12 %. Sua potência analgésica sôbre a membrana ocular do referido animal seria duas vezes maior do que a da cocaina (Fromherz).

b) Acção tóxica - Fromherz estudou-a comparativamente a outros anestésicos. As doses letais para a via sub-cutânea são as seguintes:

                 Rato     Coelho
Larocaina   0,30   0,150
Cocaina      0,10   0,70
Novocaina  0,60   0,450
Tutocaina   0,35   0,200

A toxicidade é, portanto, um tanto menor do que a da cocaina, e um pouco maior do que a da tutocaina.
A eliminação da larocaina pelo organismo é muito rápida. A dose letal, se injectada vagarosamente no espaço de 5 minutos, pode ser duplicada, sem prejuizo para o animal, uma vez que a segunda aplicação não seja feita em menos de 15 segundos. Pode-se repetir a injecção de 3/4 da dose letal, 45 minutos após ter sido feita a primeira (Fromherz)

c) Acção sobre o organismo - A larocaina causa hemólise na mesma proporção da néo-tutocaina (Runge), e um tanto menos intensa do que a causada pela novocaina (Fromherz)

Segundo Hoffmann, todos os anestésicos por êle experimentados determinaram ardor e provocaram o reflexo palpebral. A sensação do ardor não apareceu, porém, com a larocaina e a néo-tutocaina, em solutos isotônicos.

A hiperemia das mucosas que a larocaina produz, quando sôbre elas aplicadas, é muito menos intensa do que a causada pela néo-tutocaina. Sob tal ponto de vista, acha Koch que a larocaina é o melhor substituto da cocaina.

A larocaina paraliza o coração da rã, quando aplicada sôbre o mesmo. No coelho e no gato a morte se dá por parada da respiração.

O preparado não tem efeito excitante, como a cocaina.

Estudo clinico - a) Experiência alheia - Os solutos em geral empregados são a 10 e 20 %. Koch declara que o soluto a 5 % equivale ao de cocaina a 10 % e o de 10 % ao de cocaina a 20%. O mesmo assevera Vock. Heinebach, no entanto, não conseguiu resultados tão entusiasmadores. Este autor fez experiências em 14 pessoas com 4 anestésicos: cocaina a 10 %, néo-tutocaina a 1%, A. F. 134, de Merck, a 20%, e larocaina a 10 %. A larocaina a 5%, ao contrário do que observaram Koch e outros, não correspondeu ao soluto de cocaina a 10%.

Hopstein usou solutos a 10 e 20%, achando que a larocaina é pelo menos igual aos anestésicos até agora em uso.

Vock reputa-a anestésico muito bom e digno de confiança. Runge, estudando os sucedâneos da cocaina, chegou á conclusão de que a néo-tutocaina e a larocaina são os melhores. Para Hamburger o novo anestésico tem, sôbre a cocaina, a vantagem de ser mais barato e menos tóxico, e de estar livre da lei dos opiáceos.

Nos seus estudos, Hoffmann observou que, entre diversos anestésicos, os de efeito menos prolongado eram a diocaina, a larocaina e a alipina. Mas, para Machida, o efeito da larocaina é profundo e duradouro.

A mór parte dos autores lançou mão de solutos a 5, 10, 20% em água ou em sôro. Taegen empregou a droga sob a forma de mistura, substituindo a cocaina no clássico líquido de Bonain. Obteve ótimos efeitos anestésicos nas paracenteses e na incisão de abcessos peri-amigdálicos.

b) Experiência pessoal - Minha observação pessoal conta 102 casos de anestésia com a larocaina. Usei uma mistura análoga á de Bonain - aliás sem conhecer o estudo de Taegen - e um soluto a 1%.

As anestesias com a mistura foram em número de 55 assim descriminadas:

Do tímpano - 9
Dos pilares, preliminares á infiltração na amigdalectomia total - 37
Do lábio, para electro-coagulação superficial - 2
Do véu palatino, para extirpação de tumor - 1
Da área vascular, para galvano-cauterização - 3
Do pilar anterior, para incisão de abcesso - 3

O soluto a 1 % foi usado em 47 anestesias, a saber:

Do septo, preliminares á infiltração, na ressecção sub-mucosa - 16
Do meato inferior, na operação de Caldwell-Luc - 17
Do meato médio, na operação de Vacher - 7
De faringe, laringe, traqueia e brônquio, para injecção de lipiodol - 2
Da concha inferior, para injecção esclerosante - 5

Não entram em apreciação mais de 60 casos em que êste soluto a 1% foi usado para exame, e em que, por conseguinte, o efeito analgésico não pôde ser convenientemente apurado.

Minha experiência permite que eu conclua ser a larocaina um bom anestésico de superfície. A anestesia é duradoura, segura, igual. Em nenhum paciente manifestou-se a menor irritação pelo uso da larocaina. Não observei um caso siquer de manifestações de caracter tóxico. Acho, pois, que temos, na larocaina, mais um bom elemento para pôr a cocaína de lado.

Vantagens e desvantagens - As vantagens não necessitam ser repetidas. Quem me leu, já as conhece. Desvantagens só conheço uma: a droga não existe no Brasil. E' desvantagem passageira, porque a firma Hoffmann-La Roche tem filial no Brasil, e pode pôr a larocaina á venda logo que haja procura.

O custo da substância é, na Europa, de 5 fcs. 35 por tubo de 25 comprimidos de 0gr.50, ficando, pois, o grama, ao cambio atual, em 1$400. O fisco encarregar-se-há, porém, de tornar a larocaina tão cara quanto a cocaína, o que, a nós médicos, dá a impressão de querer o govêrno auxiliar a difusão da cocaina. E' isto, pelo menos o que se tem até agora verificado com a néo-tutocaina e com a percaina.

Para concluir, o velho estribilho em que não me canço de martelar: precisamos abolir o emprego da cocaina. Dispormos de substitutos ótimos, mais baratos do que ela, e destituidos de propriedades estupefacientes. Guerrear de todos os modos a cocaina é ato de consciência e de humanidade.

BIBLIOGRAFIA

1 - DIETRICHS, H. - Die lokalanaesthetischen Eigenschaften das p-amimo-dimethyl-diaethyl-amimo-propanal-benzoil-ester (Larocain) Naunyn - Schmiedbergs Archiv 161:206, 1931 in Zentralbt f. H. N. Ohrenheilk. 18:259, 1932.
2 - FROMHERZ, K. - Larocain, ein neues Lokalanaestheticum - Naunyn-Schmiedbergs Archiv 158:368, 1930 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 17:209,1932.
3 - RUNGE, H. G. - Ueber Cocainersatzmittel - 22. Tagung der Vereinigung Niedersaechsischer Nasen-Ohren-Halsaerzte, Hamburg 6XII.1931 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 19:157, 1932.
4 - HOFFMANN - Neue Ersatzmittel des Cocains - Zeitschr. f. H. N. Ohrenheilk. 19: 582, 1933.
5 - KOCH, J. - Kritische Bemerkungen ueber deu Wert von - Cocain- und Adrenalin-Ersatzmittel für die lokalanaesthesie auf Grund vergleichender Versuche - Arch. f. Ohren - usw 134:75, 1933.
6 - VOCK - Larocain, ein neues Cocainersatzmittel - Zeitschr. f. Laryngologie 21:464, 1931 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 17: 759, 1932.
7 - HEINEBACH, F. H. - Mitteilung ueber vergleichen de Wertikeitsbestimmung neuerer Oberflächenanaesthetica (Kokainersatzmittel) und ueber unsere praktische Erfahrung mit dem Pantocain - Arch. f. Ohren - usw, 133:131 (H 2) 1932.
8 - HOPSETIN, F. - Erfahrungen mit dem Lokalanaestheticum Larocain "Roche" in der Oto-rhino-laryngologie - Zeitschr. f. laryngologie 21:36, 1931 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 17: 436, 1932.
9 - HAMBURGER, H. - Beitrag zur Oberflächen-anaesthesie in der Oto-rhino-laringologie - Zeitschr. f. Laryngologie 23:179, 1932 in Zentralbl. f. H. . N. Ohrenheilk. 20:5, 1933.
10 - MACHIDA, S. - Ueber ein Lokalanaestheticum "Präparat 1322 Larocain-Roche" - Otologia (Fukuoka) 6:348, 1933 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 20:582, 1933.
11 - TAEGEN, H. - Erfahrungen mit Larocain - Mediz. Klinik I, 362, 1933 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 20: 645, 1933.
12 - KOCH, J. - Ueber Cocainersatzmittel und die Grenzen ihrer Anwendungsmöglichkeit - Fortschr. Ther. 8:,338 1932 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 19: 309, 1933.
13 - VOCK - Ueber Larocain - Zeitschr. f. Laryngologie 22:358, 1932 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 19:85, 1933.
14 - KOCK, J. - Klinische Versuch mit Cocain-Ersatzpräparaten. Larokain-Roche ein vollwertiges Oberflächenanaestheticum - Arch. f. Ohren usw 128:272, 1931.
15 - HIRSCH, J. - Erfahrungen mit Larocain - Mediz. Klinik I, 851, 1933 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 21:486, 1934
16 - SCHOENLANK, A. - Einige Bemerkungen ueber Technik und Dosierung der Larocain - Anwendung in der Oto-rhino-laryngologie - Schweiz. mediz. Wschr. II, 715, 1933 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk. 21:408, 1934.
17 - JENT, R. - Klinische Erfahrungen mit Larocain "Roche" - Schweiz. mediz. Wschr. 1, 339, 1933 in Zentralbl. f. H. N. Ohrenheilk, 21:82, 1934.

RÉSUMÉ

PAULO MANGABEIRA-ALBERNAZ - Encore les anesthésiques de contact: la larocaïne.

Étude clinique sur la larocaïne comme anesthésique de contact. L'A. l'a employée dans 102 cas sous la forme d'une solution à 1 %, et sous la forme d'un mélange analogue à celui de Bonain. Les résultats ont été três satisfaisants. L'A. conclut que la routine seule justifie encore l'usage de la cocaine. Il y a aujourd'hui dans leurs succédanés (butélline, pantocaïne, larocaïne, etc) des anesthésiques à bon marché et d'une sureté complète.




(1) V. Revista Oto-laringologica de S. Paulo 1:345 (Nº 5) 1933.
(2) Oto-rino-laringologista do Hospital da Santa Casa e da Clinica Stevenson,Campinas
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia