ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1345 - Vol. 2 / Edição 6 / Período: Novembro - Dezembro de 1934
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 485 a 493
MUCOCELE ETMOIDAL (1)
Autor(es):
DR. GUEDES DE MÉLO FILHO (2)

Além de pouco freqüente, a mucocele para-nasal oferece alguns aspectos interessantes quanto á sua patogenia e diagnóstico, assim como em relação ás complicações que pode determinar.

Ha um ano, observámos um caso cujo estudo nos pareceu merecer alguns comentários e que passamos a expor:

I. T., 42 anos, japonês, lavrador em S. Manuel, ficha n.º 19.632. Ha cerca de tres meses, notou o paciente um tumor no ângulo interno da órbita D. cujo desenvolvimento veio a causar fortes dores oculares, sobrevindo cegueira quasi súbita á D. Procurou, então, um oculista do interior, o qual nos encaminha o paciente e nos informa que I. T. apresentava forte exoftalmia para fora e para baixo, além de glaucoma secundário, tendo sido operado, ha 15 dias, de evisceração do globo comprometido.

O paciente nega qualquer sintomatologia nasal, assim como qualquer trauma. As suas informações são muito deficientes, pois se exprime com grande dificuldade em nosso idioma. O colega, que pede a nossa opinião, fizera proceder a uma radiografia da face, cujo resultado não esclarecera o diagnóstico.

Exame - Levantado o penso ocular, verificamos uma pronunciada deformação da região naso-orbitária D.: o espaço entre a raiz do nariz e a carúncula é muito maior que á E.; o osso próprio e a apófise ascendente estão recalcados fortemente para diante; a parede interna da órbita, projetada para fora e para diante, atinge o meio da cavidade ocular, apresentando o paciente a facies de batráquio (Aboulker); os tegumentos mostram coloração normal. A' palpação, os ossos da raiz do nariz, muito espessados e rugosos, apresentam bordas salientes na junção com o frontal. No ângulo ínfero-interno percebe-se choque líquido pela pressão lentamente progressiva. Em certos pontos, entre o tumor e o dedo o contacto é direto, ao passo que, em outros, existe uma delgada lâmina óssea. No ângulo sup-interno órbito-nasal, o tumor é irredutivel e o osso interposto relativamente espessado. A deformação atinge o terço médio da arcada orbitária superior. Não ha dor, salvo á pressão muito profunda e nos pontos em que o tumor é redutivel.

Rinoscopia - Ausência de secreção em ambas as fossas. A' D. abaúlamento da parede externa, ao nível do etmóide; a concha média, muito hipertrofiada, recalca o septo, não se retraindo pela embrocação de adrenalina e oferecendo um rangido especial ao toque instrumental. A compressão externa do tumor aumenta a tensão da tumefação nasal e a onda líquida é bem perceptível ao toque combinado. A fossa nasal esquerda apresenta aspecto normal. Ha um gânglio bem palpável no pre-tragus esquerdo, atribuído pelo doente a uma lesão dentária muito antiga. O exame restante nada digno de nota revela.

Diagnóstico: - Mucocele para-nasal.

Radiografia - O exame radiográfico, feito pelo Dr. Costa Pinto, dá o seguinte resultado: - Desaparecimento das células etmoidais á D. Contorno esbranquiçado, limitando uma larga cavidade piriforme, compreendida, transversalmente, desde o septo nasal até um pouco além da metade da órbita D., e, verticalmente, desde o andar médio da fossa nasal até a arcada orbitária superior. Pequena inflexão superior do septo para a E. Acentuada deformação reniforme da órbita D.. Sua parede interna, muito afastada da linha mediana, constitue o limite externo da cavidade piriforme, e apresenta uma concavidade para dentro, ao invés de uma ligeira concavidade externa, como no lado oposto, normal. O diâmetro transverso da órbita D. está assim muito reduzido, pois quasi dois terços da cavidade são ocupados pela tumefação, cujos contornos são bem visíveis, exceto na porção súpero-externa. O seio frontal E. é representado por uma pequena célula etmoidal. O mesmo acontece á D. embora o rudimento do seio frontal aí apareça mais evidente, atingindo a arcada orbitaria, devido provavelmente á dilatação exercida pela mucocele. Seios maxilares luminosos (fig. 1).

Punção do tumor - Introdução de um fino trocarte pela porção ínfero-interna da órbita e aspiração de cêrca de 15 cc. de líquido xaroposo, cuja análise deu o seguinte resultado:

Exame físico: Côr - alaranjada. Aspecto - turvo. Consistência - viscosa. Em repouso forma sedimentação relativamente abundante. Filtração demorada.

Exame químico: - Algumas gotas do liquido filtrado, tratadas a frio pelo ácido acético, precipitam, persistindo a precipitação após adição de excesso de ácido (Mucina). Uma gota de ácido azótico, sem presença de pequena quantidade do filtrado, forma precipitado intenso (Albumina).

Exame microscópico: - Hemátias em grande número; piócitos, células epiteliais e abundantes cristais de colesterina.



Fig. 1 - Radiografia simples (Na figura a mucocele aparece á esquerda).



Fig. 2 - Radiografia com meio contraste (lipidiol).



Fig. 3 - Radiografia de perfil, com meio de contraste (lipidiol).



Feita a punção, utilizámos-nos do mesmo trocarte para a introdução de lipiodol para

Radiografias com meio de contraste: - que mostram nítidamente os limites do tumor, o qual, posteriormente, não atinge o seio esfenoidal e, superiormente, está em relação com o soalho da fossa anterior do crânio (fig. 2 e 3).

Operação: - Loco-anestesia. Incisão elíptica, partindo do terço médio da arcada órbitaria sup. e terminando no terço interno da arcada inferior. O isolamento da bolsa da mucocele foi trabalhosa em alguns pontos em que ela contraíra aderências com os tecidos circundantes, devido á absorpção óssea. Ao nivel da arcada orbitária superior, em que havia fortes conexões com o periósseo, rompeu-se a membrana, dando saída ao lipiodol de mistura com restos de secreção mucóide. Prosseguimos o descolamento a gaze em todos os sentidos, conseguindo assim destacar completamente a cápsula do tumor. Na porção superior, havia uma perda de substância óssea, correspondendo ao soalho do andar superior do crânio, tendo assim ficado exposta, em pequena área, a meninge supra-jacente, O achado operatório correspondia perfeitamente ás imagens radiográficas; o etmóide tinha sido substituido e alargado por uma vasta cavidade, do tamanho aproximado de um ovo de galinha, de contornos regulares, bem determinados pelos R. X. A mucocele se relacionava com o antro maxilar, cuja parede superior no 3.º interno, o tumor recalcara. O osso aí estava presente, embora bastante adelgaçado. O os planum estava reduzido a algumas lamínulas ósseas, extremamente finas, que retiramos em sua quasi totalidade. A cápsula da mucocele era bastante espessa, de superfície regular e coloração esbranquiçada externamente, ao passo que a sua porção interna apresentava o aspecto da pituitária. Completámos a intervenção com larga abertura para a fossa nasal, drenagem a gaze iodoformada e sutura completa dos planos cutâneos. As seqüências foram normais. Retirada total do dreno ao cabo de seis dias, tendo o doente tido alta três dias depois, em condições de suportar a prótese ocular.

Exame histo-patológico: - Fragmento de tecido (cápsula de mucocele etmoidal), já incluído em parafina. Col. Hematoxilina-Eosina.

A' inspeção, notam-se trabéculas ósseas em alguns pontos. O exame histológico revela tratar-se de uma faixa de tecido conjuntiva, sob a forma de tecido fibroso denso, em alguns pontos infiltrado por linfócitos e numerosas plasmacélulas. Esta faixa é recoberta, em quasi toda a extensão, por uma fina camada de tecido homogêneo, acidófilo. Em outros pontos, a faixa se torna bastante espessa e, na sua profundidade, observam-se traves ósseas de neoformação por metaplasia de tecido conjuntivo. Em uma parte da superfície interna, nota-se um revestimento epitelial cilíndrico piuriestratificado. Não ha caracteres anaplásicos das células.

Diagnóstico - Cisto mucoso da pituitária (Dr. F. Monteiro Sales).

O diagnóstico da mucocele no seu período incipiente - de interiorização ou sinusal - é bem difícil, dada a escassez de sintomas. Poderá, entretanto, o especialista lobrigá-la desde que tenha a atenção voltada para essa eventualidade, conforme afirma Gignoux, ao fazer considerações sobre a evolução das mucoceles. Esta fase não é inteiramente silenciosa, pois se acompanha de neuralgias supra-orbitárias, cefaléias, cujo desaparecimento corresponde, muita vez, á saída de certa quantidade de secreção mucóide pela fossa nasal. Uma anamnese cuidadosa orientará o clínico para o exame radiográfico que mostrará, nos casos positivos, diminuição de luminosidade do seio, ás vezes com manchas esparsas no seu interior, e, - sinal principal - apagamento dos contornos sinusais (Arcelin). Antes mesmo de qualquer deformação externa, a radiografia poderá evidenciar discretas modificações ósseas - recalcamento do septo sinusal, ligeira deformação da parede orbitária, correspondendo ao aumento da cavidade do seio.

No período de exteriorização - orbitário ou Pronto-orbitário - o diagnóstico é mais simples, embora se preste, em certos casos, a confusão, como o provam as observações de vários autores. Nos casos de Brémond e Aubaret, assim como no de Kredbova, o diagnóstico inicial foi de osteoma da órbita; no de Paufique e Parthiot, uma ósteo-periostite conduziu ao diagnóstico temporário de mucocele; no de Rebattu, o caso foi rotulado de goma; na observação de Lemaître e Brémond, e diagnóstico pre-operatório foi de sarcoma; na de Robert Hunter, o caso foi classificado, antes da intervenção, como cisto dermóide; na de Reverchon e Tsiros, houve dúvida entre sarcoma e mucocele; Cirincione refere um caso em que um neoplasmo do etmóide foi tido como mucocele e outro em que sucedeu o inverso; Terrien, Weill e Winter relatam a história de um doente que apresentou luxação brusca do globo ocular devido a rutura de uma mucocele e cujo diagnóstico durante muitos dias fôra de hemorragia órbitaria. Como curiosidade, assinalemos a observação de Harper, na qual um cisto sebáceo chegou a simular uma mucocele. Os casos de mucocele esfenoidal, que orçam aliás por uma dezena, são muitas vezes classificados, pelas alterações que provocam, corno tumores da hipófise e da região peri-quiasmática (Cavina, Van der Hoeve).

Por essas razões, é de toda vantagem o exame minucioso antes ou infirmar o diagnóstico de mucocele. Os sinais clínicos devem ser corroborados pelas outras provas - a punção e a radiografia. A primeira, de fácil prática, constitue elemento decisivo e de grande valor, ao alcance de todo rinologista. A segunda representa um complemento bastante informativo, dando uma idéia geral da extensão do tumor e do estado das cavidades vizinhas.

A radiografia com meio de contraste, como fizemos no nosso caso, substituindo o conteúdo da mucocele por uma substância opaca, fornece indicações muito interessantes. Permite localizar com precisão as conexões anatômicas do tumor, orientando assim, de modo seguro, o procedimento operatório e pondo o cirurgião ao abrigo de qualquer surpresa. E' um processo apurado de diagnóstico topográfico que ignorávamos tivesse sido utilizado na mucocele, mas que depois verificamos ter sido praticado por Baldenweck, mais tarde por Bouchet, e recentemente por Tremble, o qual pretende ter sido o primeiro a empregá-lo. Um dêstes autores acredita que o estudo das chapas com meio de contraste poderá vir a precisar a patogenia ainda controversa das mucoceles.

O estudo histológico da capsula raramente tem sido feito. Daí certa discordância quanto á natureza dessa membrana. Na nossa observação, o relatório do anátomo-patologista confirma a opinião mais aceita de que a limitante da mucocele é a própria mucosa do seio. Em geral a cápsula é tanto mais espessa quanto mais antigo o processo, devido á transformação fibrosa do estroma.

Na nossa observação, além da forte infiltração parvicelular, comum em tais casos, havia neoformação de traves ósseas, por metaplasia de tecido conjuntivo, fato esse que não tem sido mencionado nos poucos exames histo-patológicos referidos na literatura.

A complicação ocular apresentada pelo nosso doente merece alguns comentários. Assinalam os autores que as perturbações visuais acarretadas pela mucocele regridem rapidamente após a competente operação, o que, em grande parte é (exato, porquanto elas derivam de fenômenos mecânicos, de compressão. Se percorrermos, porém, a bibliografia, principalmente a oftalmológica, verificamos que nem sempre tal acontece, seja porque a compressão já se exercesse durante prazo relativamente longo, seja porque ao fator mecânico se adicione um pequeno surto inflamatório. Quando a pressão atúa nas células etmoidais posteriores ou no seio esfenoidal, nas proximidades do buraco óptico, pode, ocorrer a atrofia óptica (casos de Bower, Morax, Van der Hoeve). Compulsando em 1921 a literatura sobre mucocele esfenoidal, acentúa Van der Hoeve a gravidade do prognóstico quanto á função visual, pois os nove casos até então conhecidos evoluíram todos para a cegueira. No decurso da mucocele etmoidal ou frontal, as alterações do fundo do olho, principalmente as de ordem vascular, talvez sejam menos raras do que se possa supor - neurite óptica, estase, edema papilar e peri-papilar, dobras da retina, etc. (observações de Reverchon e Tsiros, Vilard e Terracol, Cange, Rollet, Plandé, Gignoux, Valude, Michaïl, Zentner).

Nos casos citados, o resultado visual post-operatório poucas vezes foi apreciável. Na observação de Zavalia, a qual, ao lado da de Cange, figura dentre as maiores mucoceles registradas na bibliografia (mucocele gigante), o paciente, cuja visão baixara pronunciadamente, veio a padecer de panoftalmite, em conseqüência de úlcera da córnea, pela saliência exagerada do globo ocular, sendo necessária a enucleação.

Verifica-se assim que a mucocele, graças ao seu notável poder de expansão e á sua vizinhança com órgãos nobres, é capaz de engendrar perturbações graves, algumas vezes irremediáveis, ao contrário do que referem os clássicos.

O glaucoma, apresentado pelo nosso doente, não foi ainda assinalado como complicação da mucocele. E', pelo menos, o que se depreende das numerosas observações por nós coligidas não só na literatura rinológica, como tambem na oftalmológica, e nas amais não virmos, sequer, uma referência a êsse respeito. Podemos admitir de acôrdo com a opinião dos nosso- colegas oculistas do Instituto, que, em conseqüência da mucocele se desenvolvesse um processo de uveïte, com glaucoma secundário, cuja evolução veio a exigir, por parte do oftalmologista que nos encaminhou o paciente, a evisceração do globo ocular.

RÉSUMÉ

DR. GUEDES DE MÉLO Fº - Mucocèle ethmoïdale compliquée de glaucome.

Présentation d'un cas de mucocèle ethmoidale comblant plus de la moitié de la cavité orbitaire et dont l'évolution a été compliquée de glaucome secondaire exigeant, de la part de l'ophtalmologiste, 1'éviscération du globe oculaire.

Le diagnostic clinique a été confirmé per les épreuves complementaires - ponction et analyse du contenu, radio et lipiodo-diagnostic.

L'A. rappele les travaux de Gignoux et Arcelin qui ont étudi,é le diagnostic de la mucocèle à la période initiale, où elle n'est que rarement soupçonnée.

Quand la tumeur a atteint la phase d'extériorisation, la symptomatologie est plus riche. Cependant des erreurs ont été rapportées, d'après les observations de quelques auteurs.

La ponction, suivie d'aspiration et de 1'examen du liquide, est un élément de diagnostic à la portée de tout praticien et dont 1'emploi systématique permet, dans une large mesure, d'éviter des confusions.

La radio au lipiodol offre des résultats assez intéréssants au point de vue topographique, en guidant, au préalable, la conduite du chirurgien. Dans les mucocèles, elle a été pratiquée seulement par Baldenweck, Bouchet et Tremble.

A 1'examen anatomo-pathologique, la limitante de la mucocéle était constituée par la muqueuse nasale doublée de tissu conjonctif. Il y avait, par places, des travées osseuses par métaplasie du tissu conjonctif.

Contrairement à 1'opinion des classiques, les complications oculaires des mucocèles, quelquefois assez graves, ne guérissent pas toujours à la suite de 1'intervention chirurgicale. La bibliographie, surtout celle des ophtalmologistes, en donne des exemples instructifs.

Le syndrome glaucomateux n'a pas encore été mentionné coimme complication des mucocèles. S'agirait-i1 d'un glaucome secondaire à une uvéïte provoquée elle-même par le développement de la mucocèle?

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36 - ZENTNER - Cit.º por Michaïl (19).




(1) Comunicação á Secção de Oto-Laringologia da Associação Paulista de Medicina em 17 de Setembro de 1934.
(2) Oto-Laringologista do Instituto Penido Burnier, Campinas
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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