ISSN 1806-9312  
Domingo, 28 de Abril de 2024
Listagem dos arquivos selecionados para impressão:
Imprimir:
1336 - Vol. 2 / Edição 5 / Período: Setembro - Outubro de 1934
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 388 a 392
EM TORNO DA OTONÉOPLASTICA
Autor(es):
DR. ANTONIO PRUDENTE (1)

A reparação cirúrgica das perdas de substancia do pavilhão da orelha, que Joseph denomina de "otonéoplasticas", é tarefa bastante complexa algumas vezes, demandando sempre grande paciência tanto por parte do doente como doa próprio cirurgião.

Ao contrario do rinonéoplasticas tão empregadas na India já 1.000 anos antes de Cristo, o que aliás se explica pela existência da pena, que importava na ablação da pirâmide nasal, a reconstituição cirurgica do pavilhão da orelha não consta na obra sobre a antiga India, que se refere a essas operações, o "Susrutas Ayurveda".

Sómente em 1597 Tagliacozzi deixou referencias á otonéoplastica, não usando porem o metodo pregado por ele para o nariz e que ficou conhecido por metodo italiano, mas empregando material cutaneo da visinhança.

As tentativas a esse respeito foram sempre muito limitadas e Dieffenbach em meados do século passado, chegou a considerar a reconstituição total do pavilhão como tarefa utopica.

O seculo XX trouxe novas tentativas nesse sentido, tendo se ultimamente obtido resultados mais animadores, a-pesar-de muitas vezes conseguidos penosamente a custa de multiplas intervenções.

Devemos considerar as perdas de substancias totais e as parciais.

As primeiras não entram em nossas cogitações e as tentativas a seu respeito têm sido rarissimas. O caso de Joseph no qual lançou mão de um modelo de marfim incluido sob a pele do pescoço e transplantando secundariamente para a região auricular, forneceu sob o ponto de vista estetico um resultado bastante deficiente porque o enxerto cutaneo adquiriu apenas o contorno da peça, ficando as partes interna e externa completamente lisas.

Tive ocasião de vêr sob os cuidados do Dr. Dufourmentel, em Paris, um senhor italiano que, tendo perdido o pavilhão auricular na grande guerra, tentou a sua reconstrução com inumeros cirurgiões, tendo sofrido 15 operações com resultados desanimadores.

Tenho a impressão que o bom caminho tem sido seguido por Pierce, de, S. Francisco, que lança mão de retalhos cutaneos tubulares tipo Gillies, conseguindo otimos resultados em perdas bastante vastas do pavilhão. Infelizmente esse autor ainda não aplicou o seu metodo a perdas totais.

Quanto ás perdas de substancia segmentarias, não pósso deixar de me referir aqui ás tentativas de enxerto de segmento de uma orelha á outra, feitas por Fritz König e por Körte, com resultados aproveitaveis. Entretanto, apesar das publicações de Lexer e Melchior virem confirmar as possibilidades desse enxerto, os fracassos têm sido inumeros com tal metodo, sendo a tendencia atual para, o seu abandono.

Nas perdas parciais, devemos distinguir duas regiões bastante diferentes do pavilhão: o lobulo, apenas cutaneo e todo o resto com uma armadura cartilaginosa complexa.

As reconstituições do lobulo, a-pesar-de não fornecerem resultados perfeitos, devem ser baseadas ainda nos trabalhos de Tagliacozzi, usando-se um retalho cutaneo da visinhança, devendo-se todavia incluir um fragmento de cartilagem ou marfim para evitar a retração exagerada.

Quanto a reparação das perdas de substancia da parte média e alta do pavilhão; torna-se ainda mais complicada, principalmente pela fôrma caprichosa da cartilagem. Os trabalhos de Pierce, no entanto, nos demonstram que podemos simular uma orelha normal com retalhos cutaneos multiplos e enxertos cartilaginosos. Estes ultimos são por vezes dispensaveis, conforme a extensão e localisação do defeito.

Um problema importante para a reconstrução auricular, é o da pele a ser empregada como enxerto. Realmente, a pele da orelha, e especialmente da sua face externa, é excessivamente fina e transparente, adaptando-se, ou melhor, seguindo-se todas as saliencias e reentrancias proprias da região. Torna-se pois dificil obter um revestimento cutaneo que substitua razoavelmente essa pele, razão pela qual os metodos que se aproveitam da pele visinha, seja da região mastoidiana ou da parte alta do pescoço, dão resultados pouco satisfactorios.

Duas regiões existem que nos fornecem material adequado para esses transplantes: a região supra-clavicular e a face antero-interna do braço.

Usando o revestimento cutaneo da primeira, lançaremos mão de retalhos longos em fórma de tubo, segundo os preceitos de Gillies. Caso nos aproveitemos da pele do braço, seremos obrigados a empregar o metodo italiano.

Como se verifica pelo exposto, a questão está longe de ser resolvida, o que me animou a trazer ao conhecimento dos colegas a minha experiencia pessoal nesse terreno, que a-pesar-de muitissimo reduzida tem o valor de mais uma contribuição sobre assunto tão pouco estudado, mais por falta de material que por outro qualquer motivo.

As perdas de substancias desde que se limitem no sentido vertical não impedem a sutura transversal. Tive oportunidade de suturar, durante a revolução constitucionalista, uma perda de substancia transversal de 1/2 ctm. no sentido vertical, ultrapassando para a frente a anti-helix, causada por bala, com resultado satisfactorio. Do mesmo módo, em dois casos de cancer do pavilhão procedi a simples suturas após resecções segmentarias em cunha.

Quanto a transplante, apenas pósso apresentar um caso, que passo a descrever:

- Tratava-se de um rapaz de 22 anos que num acidente sofrera perda duma porção do pavilhão esquerdo medindo 4 ctms. de comprimento por 1 e 1/2 de largura. Toda a porção vertical da helix assim como o sulco que a separa da anti-helix haviam sido sacrificados. Como se póde vêr pela fig. 1, apesar da perda de substancia não ter sido muito grande, o pavilhão tomou um aspecto desgracioso.

O paciente consultou-me dois dias depois do desastre, tendo eu empreendido o tratamento da ferida, o que durou 15 dias até á cicatrização completa.

Em seguida empreguei a seguinte tecnica operatoria para correção do defeito:

1º) Sob anestesia pelo éter, pois o paciente recusou a anestesia local, foram feitas na região braquial anterior, duas incisões paralelas, medindo 12 ctms. e afastadas 4 ctms. uma
da outra, secionando-se a pele e o tecido celular sub-cutaneo. Procedi em seguida ao descolamento de toda a pele compreendida entre as duas incisões, conseguindo assim um retalho que permaneceu preso pelas duas extremidades. Suturando, os dois bordos livres desse retalho consegui a formação de um tubo, como mostra a fig. 2. Mobilisando a pele por descolamento pude suturar os dois bordos da ferida sem grande tracção. O tubo assim formado foi conservado durante 20 dias com seus dois pediculos.

2º) Numa segunda intervenção, sob anestesia local, foi seccionado o tubo na sua inserção distal, aberto ao nivel da cicatriz longitudinal e em seguida fixado por meio de pontos de seda na região da perda de substancia previamente avivada. Fixou-se o braço junto á cabeça por meio de ataduras elasticas e esparadrapo.



Fig.1 - Pavilhão da orelha com perda da substancia vertical.



Fig.2 - Mesmo caso, mostrando o aspeto do pavilhão auricular um ano após o enxerto.



Fig. 3 - Mesmo caso, mostrando na região antero-interna do braço o tubo de Gillies, que serviu de enxerto. O tubo de pele acha-se ainda preso pelas duas extremidades.



3.º) Após 20 dias foi sacionado o pediculo. O braço apresentava diminuição da potencia funccional, o que aliás desapareceu passados alguns dias. Eu tinha a ideia de resecar logo depois a parte exuberante, mas a revolução de 32 veio alterar os meus planos. Por essa razão só me foi permitido terminar o trabalho 3 meses mais tarde. O enxerto havia sofrido grande retracção, mas consegui melhorar bastante a configuração externa da orelha (fig. 3).

Esse caso nos demonstra que não ha necessidade de um aparelho gessado para a manutenção do braço junto á cabeça no emprego do metodo italiano.
Quero ainda chamar, a atenção para o uso de tubos longos, pois com isso o paciente tem a possibilidade de fazer pequenos movimentos durante o tempo que permanece com o braço preso.

Quanto á pele da região antero-interna do braço, devo dizer que ela se prestou admiravelmente para o transplante na orelha, pois é muito fina e transparente. No que diz respeito á coloração é de notar que no inicio havia alguma diferença, mas hoje, passados mais ou menos dois anos, houve por assim dizer uma homogenisação da côr. Quanto á sensibilidade, nula no inicio, foi reaparecendo á medida que o tempo passava, sendo hoje perfeitamente normal em toda a região reconstituida.

Conclusões:

1.ª) As perdas de substancias do pavilhão da orelha de pequena extensão no sentido vertical podem ser reparadas por sutura transversal.

2.ª) Desde que o defeito ultrapasse 2 ctms. no sentido vertical, o transplante se impõe.

3.ª) Póde-se proceder á reparação por meio de um retalho cutaneo da face antero-interna do braço, empregando o metodo italiano.

4.ª) A fixação do braço é possivel por meio de ataduras elasticas e esparadrapo, evitando assim o aparelho gessado.

5.ª) O pediculo longo permite ligeiros movimentos do membro fixado.

6.ª) A pele da região antero-interna do braço assemelha-se á da orelha, havendo apenas ligeira diferença de coloração, o que desaparece depois de algum tempo.

7.ª) A sensibilidade reaparece gradativamente.

ZUSAMMENFASSUNG

DR. ANTONIO PRUDENTE: Oto-néo-plastica.

Es wird über einen Fall berichtet, bei welchem eine otoneo-plastik durgeführt wurde.

Aus einem Unfall hat er sich bei einem jungen Mann ein Defekt am Rande der Ohrmuschel ergeben. Zum Ersatz hat Verf. ein gesliellten Lappen aus dem Arm, nach der Italienische Methode, angewandt. Der Lappen wurde in form ein Rohr präpariert. Die Annahung ist ohne grosse Spannung gelungen und hat Verf. einem gipsnerband vermieden können. Nach 20 Taze hat man das Stiel Durchgeschnietten. Die Erfolg war eine sehr gut.




(1) Professor de Cirurgia Reparadora e Plástica da E. Paulista de Medicina
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


Imprimir:
Todos os direitos reservados 1933 / 2024 © Revista Brasileira de Otorrinolaringologia