Podemos afirmar, sem temer contestações, constituírem as miíases uma das mais simples enfermidades a solicitar a pericia dos oto-rino-laringlologistas, justamente pela sua dificultosa e falha terapeutica. Apesar de ser de diagnostico puramente objetivo, facílimo, não raro surgem os casos fatais. Um ou outro manual se refere ás miíases e, o que é mais difícil, se ocupa pormenorizadamente de sua terapeutica, alias sempre girando em torno de dois ou tres medicamentos, empregado por esta ou aquela técnica, mais ou menos empiricamente.
DOIS CASOS INESQUECIVEIS
O primeiro banal: um menino com 12 ou 14 larvas na fossa nasal esquerda. Pareceu-me a mim, mal saído dos bancos académicos de dificuldade extrema, pois em dois anos de internato duma clinica especialisada, jamais eu víra semelhante "doença".
O segundo, um velho cuja imagem andrajosa, esquelética e prostada num cobertor esfarrapado e ao rez do chão, era de comover pela miseria e repugnar pelo cheiro fétido, fortemente fétido, que dele exalava. O dorso e os flancos nasais e as "maçãs" do rosto apresentavam 8 ou 10 perfurações donde escorriam uma agua sanguinolenta e onde se viam larvas em movimento. Minha terapeutica se resumiu no transporte do enfermo para um leito de hospital onde, 3 horas após, faleceu. Informou-me a Irmã Directora que saíram tantas larvas que com elas se encheu uma lata de meio litro!
PROCESSO PRADO MOREIRA
Em artigo incerto nas «Publicações Medicas», de setembro - 932, o Dr. Prado Moreira, de Pompeia, S. Paulo, relata o sucesso obtido com o oxicianeto de mercurio endovenoso, em «Sobre um caso gravíssimo de miíase naso-retro-faringeano, curado com injeções endovenosas do oxicianeto de mercurio».
Achamos logico e cientifico tal processo. Por que não, se com exito relativo sempre nos utilisamos de mercurio em insuflações, pomadas, soluções, etc.?
Cremo-lo inteiramente novo, pois nada lemos nem ouvimos com referencia a tão feliz e inspirada utilisação do oxicianeto de rmercurio.
Antes das observações que daremos mais abaixo, passaremos a comentar uma observação unica de miíase do ouvido em uma criança de 10 meses, na qual vimo-nos forçados a, seguir técnica diferente da preconisada pelo Dr. Prado Moreira.
OBSERVAÇÃO ÚNICA
Ficha 257. 11-4-34, A. K. 10 meses, f. de russos, masculino, branco. Campo Grande.
Histórico: Informou a mãe do doente que do seu ouvido esquerdo saiu um "bichinho". Não tem mau cheiro e parece não haver dôr, pois o menino não chora e dorme bem.
Exame: Pela otoscopia verifiquei na parte inferior do conduto auditivo externo, a uns 3 ou 4 milimetros do tímpano, a existencia de 3 larvas, sendo que 2 pequenas e uma grande mergulhadas num liquido sanguinolento.
Terapeutica: Em vista de resultados anteriores por mim obtidos pelo processo Prado Moreira, não perdemos tempo e tomamos de 1/2 ampola de sôro de Jesnner n.º 3 dada a idade do paciente -e íamos injetar-lh'a quando verificamos contristados a sua impraticabilidade pois o doente, um gorducho menino de somente 10 meses não tinha a mostra ou apalpavel uma só veia! Rapido ocorreu-nos a idéa de instilar o conteúdo da seringa no ouvido do paciente. 10 escassos minutos haviam decorridos e 2 larvas buscaram se safar do conduto auditivo. Certo do sucesso terapeutico mandamos o doente para casa, sob observação materna.
Na manhã seguinte contou-nos a mãe que mal chegara em casa saíra um enorme «bicho, muito maior que os por mim retirados. Pela otoscopia constatei apenas uma pequenissima chaga no soalho do conduto. E nada mais.
TRES OBSERVAÇÕES (resumidas)
1
F. L. 45 anos, brasileiro, pardo, casado, lavrador. Campo Grande, 2-11-33.
Histórico: Muita dor no nariz, mau cheiro, corrimento sanguineo. Exame: Rinoscopia: dezenas de vermes se comprimindo por baixo da cabeça do corneto inferior, donde escorria um liquido fétido, purulento e sanguinolento.
Terapeutica: Procuramos praticar, pela primeira vez, o que dias antes haviamos lido nas Publicações Médicas, de Setembro de 1932, e de autoria do colega paulista. Injetamos uma ampoula n.º 4 de sôro de Jesnner e, uma hora depois, as larvas se desprendiam expontaneamente e em tal numero que o doente me disse: "dr. tá caindo cumo de bichêra". Nos dois dias consecutivos ainda usamos o sôro, porem, já o de numero 3. No 4.º dia, feito rigorozo exame, demos-lhe alta. 2
J. M. B. 8 anos, branco, brasileiro, escolar. Aquidauana 15-11-33.
Histórico: Ha mais de 2 anos sofre de purgação do ouvido direito. De 10 dias para cá principiou a sentir ferrotoadas e máu cheiro.
Exame: Otocospia: porção profunda do conduto repléta de materia purulenta, sangue e inumeras larvas perceptiveis pelo reflexo da luz obtido em seus movimentos.
Terapeutica: Limpeza e retirada de 4 larvas. Injeção de Jesnner numero 3 durante 3 dias consecutivos. Ainda se notavam algumas larvas. Creio que a purgação cronica e abundante prejudicava a eficacia do oxicianeto. Mais uma injeção após limpesa. Proseguimos no tratamento da otite, apenas.
Nota: este caso atesta bem o valor do oxicianeto endovenoso, permitindo-nos livrar o enfermo de miíase tão abundante sem a intervenção de qualquer liquido nocivo e perigoso.
3
B. P., 30 anos, paraguaio, pardo, solteiro, vaqueiro. Entre-Rios. 20-1-34.
Histórico: Está com bichos no nariz.
Exame: rinoscopia: presença de larvas no soalho da narina esquerda, junto ao septo. Sangue e secreção nasal abundantes. Fetidez. Toque com estilete mostrou perfuração na base do septo. Feita rinoscopia da fossa oposta constatou-se pequena turgescencia da mucosa em ponto correspondente á perfuração.
Terapeutica: 2 injeções de sôro número 4 deselojaram 20 larvas e mudaram completamente o aspecto: a chaga tornou-se bastante raza. 3 toques diarios com mercurio-cromo 220 a 2 % trouxeram a cura completa.
CONCLUSOES
1 - Nas miíases, quaisquer que sejam suas localisações, produzidas pelas larvas de SARCOPHAGA CARNARIA ou da COCHILIOMYIA MALÁRIA, o oxicianeto de mercurio (0,02 ou 0,03 endovenosas, diariamente, e durante o tempo necessário) é o mais eficiente agente terapeutico;
2 - nas crianças muito pequenas, ou melhor, em todos os casos em que a pegada da veia for impraticavel, a instilação da solução aquosa do oxicianeto de mercurio produz os mesmos resultados;
3 - é indolor, rápido, infalível e sem perigos;
4 - seu valor aumenta nas miíases consequentes a purgações cronicas do ouvido, por não exigir a introdução perigosa de liquidos no conduto.
ABSTRAT
DR. PERÍ ALVES CAMPOS: - Miasis of the nose treated by administration of mercuric oxcyanid endovenous.
The A. presents three observations of miasis of the nose and of the ear treated by dr. Prado Moreira's process, of Pompeia, S. Paulo, which consists in the administration of mercuric oxcyanid endovenous.
He also refers to a case of a child 10 months old having miasis of the ear and in which it was impossible to find the vein, having had, by this, the idea of instilling the aqueous solution of mercuric oxcyanid into the auditory conduit, obtaining the same result. After studying each case he comes to the following conclusions:
I - In all cases of miasis, wherever be their localization, produced by the larvae SARCOPHAGA CARNARIA or of the COCHLIOMYA MALARIA, the mercuric oxcyanid (0,02 or 0,03 endovenous, daily, and during the necessary time) is the most efficient therapeutic agent;
2- In very small children or better, in all cases in which the finding of the vein is impossible, the instillaton of aqueous solution of mercuric oxcyanid produces the same results,
3 - Its is painless, rapid, infallible and without danger;
4 - Its value incrases in all cases of miasis following the chromic purgations of the ear, because it does not require the dangerous introduction of liquids into the conduit.
(1) Oto-rino-laringologista em Campo Grande, E. de Mato - Grosso
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