Não ha, dentre os que se dedicam ao tratamento das molestias da boca e da face, ha já algum tempo, quem não tenha visto, sobretudo após o advento da radiologia com os aperfeiçoamentos notaveis que, agora, possue, um dente incluso, isto é, um dente, geralmente da segunda dentição, que não nasceu e ficou retido.
E' verdade que nem todos os dentes inclusos ocasionam disturbios para o doente, mas é, tambem, verdade, que não são raros os casos em que produzem perturbações graves, assim os cistos dentarios, os odontomas, os adamantinomas e, ainda, disturbios grandemente incomodos como são as nevralgias tenazes da face, impedindo a vida normal desses pacientes sofredores, levando-os á neurastenia e á perturbações nervosas, de caráter grave, pela sua persistencia e intensidade.
E' somente de casos desta especie que desejo falar:
Eles, naturalmente, não apresentam raridade alguma, mas têm a vantagem de avivar a memoria para a observação de tais casos, e mostrar o cuidado com que se deve pesquizar, entre as causas possiveis de nevralgias, faciais e crâneanas, a possibilidade da existencia de um ou mais dentes inclusos.
Infelizmente, dos três casos que apresento como base de minha exposição, não poderei apresentar a documentação completa pois que, no meio dos papeis, ela se perdeu e não me foi possivel encontra-la, mas aí ficam os factos, que são verdadeiros, e ilustrarão, sobejamente, o que dissér.
1.° H. N., uma moça alemã, de 17 anos, constituindo nossa primeira observação, apresentava, como podem vêr pela copia radiografica, a inclusão do dente canino superior direito. A inclusão era completa. Esta paciente queixava-se de nevralgia constante, continua e tenaz da hemi-face direita, com propagação para todo o hemi-crãneo deste lado. Os periodos de remissão só existiam quando do uso de anti-nevralgicos, que, já agora, pouco efeito produziam. A nevralgia perturbava-lhe, enormemente, o trabalho de desenhista e pintora de valor. Após a radiografia aconselhei-a a deixar remover este dente, na certeza de que era ele a causa da nevralgia. Removido o dente incluso, já na tarde da intervenção e até hoje, pois que, o facto teve lugar ha mais de 6 anos, desapareceram, por completo, suas dôres.
II.º O. de A., italiana, 30 anos de idade, casada. Queixava-se de vertigens rotatorias com tendencia á quéda para direita e rotação á direita. Dôres de cabeça no vertex da cabeça e regiões temporais. Dôres intensas e continuas. Ouve bem e não tem zoadas. Aparelho coclear normal. Aparelho vestibular com ligeira hiper-irritabilidade de ambos os labirintos e com hipersensibilidade intensa. Exame nasal: desvio alto do septo nasal para esquerda e crista infero-posterior direita do mesmo. Radiografia apresenta o dente canino superior direito incluso. Em 25-2-1933 foi retirado o dente incluso. Uma semana depois não se queixava, a doente, das dôres, que tinham desaparecido. Os sintomas vertiginosas quasi que não existiam mais. Actualmente a doente continúa a passar bem.
Neste caso, além dos fenomenos nevralgicos existiam os de uma hiper-irritabilidade do vestibular, que, provavelmente, corriam por conta da mesma causa, dado que eles desapareceram com a retirada do dente incluso.
III.° L. de Q., moça de 18 anos, já trouxe, quando da consulta, uma radiografia dos dentes que mostrava uma inclusão completa do canino superior esquerdo. Queixava-se não de dôres, mas de peso continuo na hemi-face direita, sobretudo ao nivel da fossa canina deste lado, acompanhada de grande perturbação para o lado da visão que abaixava constantemente e que datava, já, de algum tempo, sem saber a causa. Foi, tambem, praticada uma radiografia dos seios da face, na suposição de que se pudesse tratar de sinusite maxilar ou etmoide-esfenoidal, dada a anamnese da paciente; esta radiografia foi inteiramente negativa. Proposta e aceita a retirada do dente incluso, que foi praticada em 1-10-1935, a paciente apresenta-se, hoje, livre de seus incomodos e satisfeita com a intervenção que lhe restituiu por completo a visão.
Como vêm, trata-se, aqui, de casos de retenção total, da classificação de Scheff, isto é, de dentes completamente inclusos na espessura do osso. Estes dentes tanto podem ser da 1.ª, quanto da 2.ª dentição. Os elementos em retenção podem ser constituidos de foliculos cuja evolução tenha sido incompleta, assim como podem ser, como em nossos casos, de dentes completos. A radiografia esclarecerá, com justeza, o diagnostico. O dente incluso é, geralmente, um dente em ectopia, cuja erupção é perturbada por sua direcção viciosa ou por falta de lugar ao nivel da arcada.
Todos os dentes podem ficar inclusos: incisivos, caninos, pré-molares, molares.
Entre os numerosos casos de retenção dentaria citados por Zuckerkandl, este autor, refere-se a um bem raro de odontoma que, segundo toda apparencia, teria sido provocado pela retenção de um canino. Além deste e outros, cita, ainda, um caso unico de inclusão dos quatro caninos.
Não se torna necessaria exposição mais detalhada sobre o que ficou dito; pois que meu desejo é, sómente, o de chamar a atenção dos colegas sobre o encontro comum desta possibilidade, na patogenia das nevralgias faciais, sobretudo, e quasi sempre, em gente moça e em periodo de evolução.
Não é preciso dizer que a compressão continuada das terminações nervosas do trigemeo, ao nivel da loja de inclusão do dente, é a causa do reflexo doloroso. Supprimida aquela este deverá desaparecer a seu turno. A intervenção é constituiria por uma trepanação simples do rebordo alveolar do maxilar, ao nivel do dente incluso. A retirada deste, que deverá ser acompanhada dos cuidados corriqueiros, para que não sejam lesados os dentes seus vizinhos, não é dificil. A incisão deverá ser praticada, ou do lado do vestibulo bucal, ou do lado da abobada palatina, dependendo, já se vê, da localisação radiografica do dente em questão, seja que esteja colocado para fóra ou para dentro das raizes dos dentes mais proximos.
A cicatrização, principalmente quando da intervenção pelo vestibulo bucal, é demorada e a causa desta demora reside mesmo no tecido fibroso denso das gengivas.
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