SECÇÃO DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA DA ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE MEDICINA
Reunião de 17 de maio de 1939
Presidida pelo dr. Ernesto Moreira, secretariada pelos drs. Rezende Barbosa e Gentil Miranda, realizou-se, no dia 17 de maio de 1939, uma reunião da Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina.
Expediente: - Foi lida e aprovada a acta da reunião anterior.
Ordem do dia:
SOCIEDADE RIOPLATENSE DE OTO-RINO-LARINGOLOGIA - Dr. Francisco Hartung.
Relatou o A. que este ano em um gesto de cortezia para com os brasileiros, a Rio-platense convidou-os para tomar parte em seu conclave, lembrando o nome do dr. Francisco Hartung, oficiando nesse sentido à Secção de Oto-rino-laringologia da Associação Paulista de Medicina. A reunião efectuou-se em 28 e 29 de abril p.p. O tema uruguaio versou sobre "Petrosites Otogenas", tendo como relator o dr. A. Santoro. A otomastoidite do lactante serviu de assunto para o dr. J. Carlos de Oreggia. Podestá apresentou magnificas microfotografias sobre os abcessos latero-faringeos. Belou, Casteran, Alonso, M. Rius, E. Apollo tambem figuraram nas reuniões, com magnificas contribuições. Cetrá, uma das maiores autoridades do mundo em cirurgia da laringe, tambem esteve presente ás sessões. O tema brasileiro, apresentado pelo dr. Hartung, versou sobre "Leishmaniose das vias aereas superiores". O trabalho constou de uma primeira parte constituida por definição, historico, distribuição geografica, a parte patogenica, transmissão, epidemiologia, anatomia e histologia patologicas e patogenia; na 2.ª parte foi incluída a anamnese e a descrição das formas clínicas nasal, bucofaringea, laringea e labial; a 3.a foi reservada ao diagnostico diferencial com a tuberculose, sifilis blastomicose, lepra e cancer; na 4.a focalizou o tratamento, na 5.ª o prognostico, na 6.ª um esboço da profilaxia e a ultima parte foi reservada ás conclusões.
Comentarios:
Dr. Ernesto Moreira: Elogiou o trabalho completo do relator, salientando o seu espirito de observador na feitura do mesmo. Poz em realce a vantagem que levam os paizes do Prata sobre nós na pratica da laringectomia. O sr. presidente apelou mais uma vez para a boa vontade- de todos os consocios no sentido de aderirem ao Congresso de Buenos Aires em 1940. Em seguida submeteu á aprovação da Casa os temas que foram reservados para São Paulo nesse Congresso. Achando-os um tanto aridos, propoz que fosse escolhido um outro de mais facil desenvolvimento, indicando para essa escolha os nomes dos dra. Rafael da Nova, Homero Cordeiro e Mangabeira Albernaz, o que foi aprovado.
ESTUDO CRITICO DE UM CASO DE ANOMALIA DO TIMBRE DA VOZ FALADA, TRATADO CIRURGICAMENTE - Dr. Friedrich Mueller.
"O caso é pouco comum no consultório de um rinologista prático e suscita interesse especial, quer sob ponto de vista fonético, psicológico, linguístico ou cirúrgico.
Trata-se de uma menina de dez anos, que apresentava a voz falada com um timbre nasal nítido. Por êste motivo consultaram os pais, ha um ano atrás, um afamado especialista na Inglaterra, o qual removeu as vegetações adenóides e as amígdalas palatinas , segundo o método de Sluder. Não nos foi possivel descobrir o motivo destas intervenções, pois a paciente não acusava embaraço da respiração nasal, nem sofria de rinites catarrais ou de angina, conforme nos informou a família. A operação foi feita sem anestesia, costume bastante divulgado na Gran Bretanha e especialmente em Alemanha. O estado da menina piorou sensivelmente após a intervenção cirúrgica praticada.
No estudo da paciente tivemos que vencer uma série de dificuldades. O pai é escocês e a mãe norueguesa. O norueguês é mais rico em consoantes guturais que a lingua inglêsa; a menina fala quasi só inglês, relativamente mal o norueguês, ao passo que o pai só se expressa no seu idioma. E' difícil julgar o timbre de uma voz infantil, ainda mais nestas condições e a paciente evitava de falar na nossa presença, amedrontada pela lembrança da operação por que passara. Só com muito geito conseguimos captar a sua benevolencia e confiança. O exame revelou que não havia necessidade de outra operação de adenoides, como temiam os pais da criança, e pela conversação constatamos então tratar-se de uma forma leve de rinolalia aberta.
Durante a fala, a comunicação existente entre a rinofaringe e a bucofaringe está ora aberta, ora fechada; a interrupção se faz por um mecanismo complexo, que compreende o levantamento do véo do paladar, com contração da úvula e consequente adoçamento dos bordos á parede posterior da faringe. Além disto contrai-se o músculo constritor sup. da faringe, estreitando o arco formado pelas paredes laterais e posterior da mesma. A saliência assim formada e que facilita a obstrução completa da passagem, denomina-se orla de Passavant. Quando a passagem para a rinofaringe está interrompida, deve a corrente aérea sair pela boca, caso que se dá na pronunciação das vogais, em intensidade variavel, conforme a maior ou menor elevação do véu do paladar.
Esta é menos acentuada para o - a -, maior para o e e e intensa quando se pronuncia u e i.
Na pronunciação das consoantes rinófonas, n, m, ng, está interceptada a passagem pela bôca, escapando-se a corrente aérea sonora pelo nariz. Tudo isto é facil de se provar; um dos-métodos mais simples consiste em colocar-se um espêlho diante as narinas, pronunciando em seguida vogais ou sons rinófonas. No último destes casos, a superfície polida ficará embaciada. O som se forma em todos os idiomas sempre de maneira idêntica, por ocilações das cordas vocais. O timbre, pelo contrário, depois da conformação eminentemente variavel do tubo sonoro. Mas o que torna uma lingua característica e própria, é o emprêgo combinado de vogais e consoantes - a articulação. Dentro de certos limites, êsse jôgo é normal; entretanto, pode sobrevir um distúrbio do timbre e da articulação fina, consequentemente à uma alteração do tubo sonoro. E' nêsse terreno que se enquadram os conceitos da rinolalia fechada e rinolalia aberta.
A rinolalia fechada divide-se em anterior e posterior; a anterior podemos imitar facilmente, obstruindo as duas narinas; a posterior se apresenta, quando tumorações impedem o trânsito do ar na parte posterior das fossas nasais ou a rinofaringe. Sua causa mais comum é a amigdala faringéa hipertrofiada. O timbre está então oco e a produção de consoantes rinófobos torna-se tanto mais difícil, quanto mais intenso fôr o impedimento da aeração. É êste o sinal caraterístico da rinolalia fechada, que os rinófonos não podem ser pronunciados, senão parcialmente. Um espasmo crônico de véu do paladar póde ocasionar um distúrbio análogo. O relaxamento do véu do paladar pôde, por sua vez, dar ao timbre um carater nasal (é o Naeseln dos alemães), o que constitue uma alteração funcional, provocando a rinolalia aberta.
Acontece que alguem fecha deficientemente a rinofaringe, quando fala, seja por costume ou por imitação inconsciente de uma pessoa da família que apresente voz nasalada. Da mesma maneira pode a voz nasalada aparecer após a difteria, por adaptação deficiente do véu do paladar, embora não haja passagem de partículas alimentícias para o nariz. A fala correta deve então ser re-aprendida. Por ocasião da deglutição, ajuda o bolo alimentício a calcar o véu palatino para cima, facilitando desta maneira a obstrução, emquanto que a debilidade funcional só aparece na função subtil da fala. É a rinolalia aberta que sóe aparecer após a remoção de vegetações adenoides muito desenvolvidas, ou após a extração de amígdalas grandemente hipertrofiadas, que antes ocasionavam uma rinolalia fechada posterior, transformada depois da operação em aberta, devido a um estado hipofuncional passageiro de véu do paladar, que deve primeiramente adaptar-se às novas condições anatômicas criadas.
Na pequena Inglêsa devia haver um esboço de distúrbio funcional de uma rinolalia aberta e a intervenção praticada radicalmente sôbre as amígdalas palatinas acentuou sensivelmente o desvio funcional, de maneira que a rinolalia aberta realmente ou aparentemente coexistente piorou.
Foram a avó e a mãe que mais se incomodavam com o timbre nasal da menina; o pai encontrava-a normal, talvez por não divergir manifestamente do timbre normal inglês. Tanto mais causou-nos espécie o fáto de o colega britânico ter procedido, por êste motivo, uma intervenção de relativa monta. Certamente não levou muito em conta as doutrinas da foniatria; uma intervenção que deixa largas cicatrizes tinha que perturbar o bom fechamento da comunicação entre a faringe média e a rinofaringe, por impedimento funcional, pelo menos parcial do véu do paladar e do músculo constritor superior da faringe. Geralmente não consideramos suficientemente a delicadeza dêstes mecanismos. É um motivo por que não somos muito amigo do emprêgo a larga do método de Sluder, porque, ao que parece, não raramente deixa tais sequelas post-operatórias.
Nas amigdalectomias feitas em crianças, conforme a minha opinião, devia-se proceder só a ressecção parcial e não a extirpação, total das tonsilas, dada a sua função glandular, conforme se admite hoje em dia.
Infelizmente não ha ainda clareza completa sôbre a- função das amigdalas palatinas. E de se admirar que as infecções venham geralmente da cavidade bucal, adoecendo mais frequentemente as partes avançadas para a bôca. Bastaria então ressecar esta. parte intrabucal das amígdalas, deixando-se as partes marginais. Isto não é realizavel com rigôr matemático, mas devia ser considerado como objetivo, apresentando ainda a vantagem de eliminar o risco de se ferirem os pilares, mesmo intervindo-se com anestesia geral.
A orientação nesta questão deve ser mais funcional e menos mecânico-anatômica. A formação crítico-filosófica do médico deixa ainda bastante a desejar. Pensamos ainda mais física - e quimicamente que biofísica - e bioquímicamente. Mas a natureza não é um organismo morto, mas sim vivo; e o vivo, no dizer de Goethe, é sempre complexo e não simples. Devemos portanto evitar de retirar toda a amigdala do complexo orgânico.
A interpretação da função é difícil; possivelmente aproximamo-nos mais dos fenômenos essenciais da. vida, se pensarmos mais biologicamente.
E opinião geral, que as amígdalas constituem um elemento de defêsa, fabricando leucocitos, destinados a destruírem os micróbios patogênicos. Roeder considerava-as órgãos de excreção para toxinas e bactérias, de maneira que os micróbios, penetrando alhures no organismo, seriam eliminados pelas amígdalas palatinas. De acôrdo com isto, deveria-se procurar sempre os fócos originais de infecção, dentes cariados, seios da face, ouvido, ferimentos infetados cutâneos ou mucosos, quando se instala uma amigdalite. Moléstias várias pódem, conforme a opinião deste autor, se instalar devido a uma deficiência funcional das amígdalas e por isto combate êle energicamente a extração das tonsilas.
Segundo Halasz, as amígdalas segregam uma secreção vasoreguladora para a mucosa das vias aéreas superiores. Observou, após extração radical das tonsilas, fortes catarros faringeos que cediam quando se administrava aos pacientes extrato amigdaliano. Nós mesmos observamos ultimamente um caso de, catarro faringeo rebelde em uma doente à qual tinha retirado poucas semanas antes as amígdalas palatinas.
Griebel alimentou girinos com tecido tonsilar e observou em seguida distúrbios diversos e parada de crescimento. (Arch. f. Ohrenh. Band 24, Heft 3, 4).
De acôrdo com estas considerações seria bem admissivel a retirada de sómente uma parte das amigdalas, porque a constituição infantil póde ser melhorada ainda sensivelmente por um tratamento natural. Com isto referimo-nos especialmente à alimentação; não basta considerar o elemento caloria, devemos dar, pelo menos outro tanto valor ao fator energético. Com uma nutrição feita com alimentação refinada e pobre em energias, tais como o açúcar beneficiado, o pão de trigo puro, arroz beneficiado e carne em grandes proporções, o organismo não pôde produzir os necessários elementos de defêsa. Se, pelo contrário, houver fornecimento de uma alimentação integral e altamente energética, como são leite, frutas, vegetais não cozidos, material rico em sais alimenticios e vitaminas, então a resistência contra as infecções por parte do organismo infantil será auxiliada, sem o concurso de medicamentos. A alimentação natural, por si só, é o melhor remédio. O organismo humano é um todo e os órgãos dificilmente dispensam uns aos outros, pois todos cooperam funcionalmente. Assemelha-se a uma orquestra, cujo maestro é a lei natural, superposta e imanente, lei esta, que transgredimos constantemente na nossa pseudocultura e civilização moderna, em parte, porque já não podemos mais distinguir bem o natural do anatural, confundindo-os frequentemente.
O célebre biólogo Alwin Seifert diz: A toda espécie de influência do vivo, por parte da técnica é colocado um limite intransponivel, além do qual toda a fortuna se transforma em desdita. Desgraçadamente, não conhecemos muitas vezes êste limite. Esta lei não só se restringe à administração imprevidente de saneamento de floresta, campanha e pantanos, combatida por Seifert, mas é aplicavel igualmente à Cirurgia. Diz Goethe, que as leis da natureza são obedecidas, mesmo quando se lhes quer fazer oposição; embora pretendendo agir contra élas, colabora-se com a natureza. - Certamente ela garante o seu direito imanente e o homem que transgredir as suas leis deve paga-lo duramente.
Estas considerações unitárias visam recomendar cautela quanto à amigdalectomias, especialmente por distúrbio funcional. No presente caso é nossa opinião que as tonsilas deviam ter sido conservadas. Recomendamos à mãe exercícios de fala, afim de fortalecer o fechamento da faringe. Éstes exercícios são difíceis e requerem muita paciência por parte da mãe, bem mais do que o fariam um tratamento post-operatório e a administração de um remédio. Recomendamos além disso um regime dietético especial. Por um tal tratamento ginástico e alimentício, visando a saúde em geral, esperei servir melhor ao organismo da criança.
Comentarios:
Dr. Raphael da Nova: Elogiou o A. pela defeza da conservação das amígdalas palatinas, uma vez que as inflamações destas sejam apenas, intercorrencias num organismo debilitado por desvios de alimentação, estados diatesicos, etc. Considera que uma vez a amigdala condenada por imprestavel ou tida como perigosa ao organismo deve ser extraída totalmente e não. de uma maneira parcial. Considera que a deficiencia do funcionamento do veu palatino após a amigdalectomia total é passageira e nesses casos cede sempre com aplicações eletricas uma vez que não haja cicatriz viciosa por obra da sifilis ou por erro da técnica operatoria. Resalta ainda o papel do sistema retículo-endotelial na defeza do organismo e mostra que as funções de secreção e defesa das amigdalas palatinas se acham praticamente desaparecidas e substituídas pelo fóco de infecção.
Dr. Ernesto Moreira: Acentuou que os casos de rinolalia que tem observado cedem geralmente em poucos dias, a não ser naquelas circunstancias apontadas pelo dr. Raphael da Nova.
CÂNCER DA LARINGE. AQUISIÇÕES TERAPEUTICAS RECENTES. ALGUMAS OBSERVAÇÕES CLINICAS - Dr. Plinio M. Barretto.
Nesta palestra o autor procurou fazer a divulgação de um artigo do eminente radioterapeuta, o Prof. Coutard, publicado na Revista S. G: Obs. 68 (29) : 467-471, 1939, com o título: "X RAY TREATMENT OF INOPERABLE CARCINOMA OF THE LARYNX".
Referiu-se às conclusões a que o Prof. Coutard chegou pelo estudo dos casos por ele (Coutard) tratados de 1921 a 1932, e disse que a larga experiencia daquele autor lhe permite afirmar que:
Clínica e histologicamente existem duas variedades principais de câncer da laringe: câncer composto de celulas indiferenciadas, tendo uma grande tendencia para uma precoce e larga disseminação no tecido vasculo-conjunctivo frouxo, e câncer de celulas diferenciadas, tendo uma especial afinidade para os musculos, produzindo a sua imobilisação, e sem nenhuma tendencia à disseminação.
O Câncer composto de celulas indiferenciadas é tratado com sucesso e facilmente pelo Raio X, ao passo que, por sua tendencia à disseminação, ele não é biologicamente operavel, embora o seja técnicamente.
O câncer composto de celulas diferenciadas está no domínio da cirurgia, e usualmente não é curavel pela radiação, por causa da íntima relação entre as celulas do musculo e as celulas do carcinoma.
Disse o dr. Plinio que o Prof. Coutard nos explica que o câncer de celulas indiferenciadas vivendo no tecido conjunctivo frouxo, que é tambem indiferenciado e desorganizado, nele as suas celulas se multiplicam rapidamente, respeitando os tecidos diferenciados, tais como: nervos, vasos e musculos. E porque as celulas estão em contato pelos espaços linfaticos com os vasos linfaticos, cedo surge a adenopatia regional, cuja evolução é irregular, algumas vezes rapida e algumas vezes estacionaria, ou mesmo regressiva, quando originada do vestibulo ou da cavidade ventricular.
Esta é a razão por que este tipo de câncer, cujas celulas são jovens e altamente frageis em presença dos agentes externos, desaparece prontamente sob a influencia da radiação, não importando o seu tamanho, isto é, quer o carcinoma seja grande, quer pequeno, quer operavel, quer não.
Coutard faz ver que neste tipo, as partes invadidas permanecem ligeiramente moveis, e o neoplasma sob o influxo da radiação, desaparece sem aparente modificação do tecido conjuntivo, no qual ele se desenvolve. Ao passo que, por causa da tendencia à disseminação, ele nunca é biologicamente operavel, porque a cirurgia aumenta o perigo da disseminação. E, se alguem escolher a cirurgia para tratar uns casos destes, Coutard aconselha que a operação seja precedida por pequenas doses de Raio X (uns 3.000 r. dados em 10 a 12 dias), porque as doses diarias de 250 a 300 r. bastarão para fazer desaparecer as celulas mais frageis, que são os elementos mais perigosos do ponto de vista post-operatorio. A operação deve seguir a irradiação, no mais tardar, 1 7 dias depois do primeiro tratamento de Raio X.
Quanto ao câncer de celulas diferenciadas, disse o dr. Plinio Barretto, que segundo afirma o Prof. Coutard, tem uma tendencia a viver em intima associação com os musculos. Esta infiltração muscular é uma feição peculiar e caracteristica das celulas diferenciadas, o que resulta, não sómente na rapida imobilisação do musculo, mas numa intima associação das celulas neoplasicas e fibras musculares, que é impossivel separar. Se conseguirmos esterilisar uma lesão deste tipo, por meio do Raio X, resultado que é muito raro (diz o proprio Coutard), sempre se desenvolve uma destruição necrotica da area tratada, quer imediatamente, quer depois de 3 meses, 6 meses ou um ano.
A eliminação da porção necrosada, que pôde ser de partes moles ou cartilaginosas, requer um esforço muito grande por parte dos tecidos e demora, algumas vezes, mais que 2 anos até a restauração completa.
Esta é a razão por que Coutard acha que o câncer da laringe de celulas diferenciadas pertence antes ao domínio da cirurgia que ao da radiologia. E, somente quando houver uma imobilização incompleta é que o caso pôde ser tratado pela irradiação.
Para os casos inoperaveis, Coutard aconselha uma traqueotomia e, depois, uma operação intencionalmente incompleta, afim de conservar a maior parte da laringe. Esta operação, cujo fim é remover as porções mais radioresistentes da lesão e os tecidos infectados e necrosados, é seguida tão depressa quanto possivel pela irradiação completa, porque durante o tempo imediatamente depois da operação ha uma fase de maior atividade celular, que torna as celulas tumorais mais radiosensitivas.
O dr. Barretto ainda se referiu aos diferentes metodos de irradiação empregados pelo Prof. Coutard.
1.°) - O tratamento diario e continuo, pelo qual a dose total (mais ou menos 7.000 r.) é administrada:
em 20 a 25 dias para os ca com celulas pouco diferenciadas; em 15 dias, no maximo para os ca com celulas muito diferenciadas;
em 40 dias, para os ca com celulas completamente diferenciadas.
2.°) - Tratamento periodico, isto é, não continuo, pelo qual a dose total é administrada em 2 ou 3 periodos.
Duas outras modalidades de tratamento tambem são empregadas: o tratamento preparatorio e o paliativo.
Tratamento Preparatorio: - Consistindo numa pequena série de aplicações muito curtas (de 5 a 50 r. por dia) durante 13 a 26 dias, com o fim, de não destruir as celulas neoplasicas mas reduzir a infecção e melhorar as condições do tecido conjuntivo vascular.
Tratamento Paliativo: - Consistindo tambem em uma pequena série de aplicações, porém com doses diarias ainda mais fracas (5 a 2 5 r.) e com o fito exclusivo de modificar favoravelmente o tecido vascuao conjuntivo. Este tratamento deve ser usado nos casos em que é impossivel administrar um tratamento eficaz, devido a uma pronunciada caquexia, ou nos casos em que a irradiação não foi bem sucedida, ou em casos de recidiva.
O dr. Barretto falou tambem a respeito do que o Prof. Coutard denomina período crítico de recidiva, para os casos tratados pela irradiação, e que aparece no 6.° ano após a mesma. E nos disse que Coutard pretende que este período crítico depende da insuficiencia das doses diarias nos 3 ultimos dias de tratamento. Com o tratamento preparatorio, e com o aumento das doses nos 3 ultimos dias, o período crítico póde ser evitado.
O dr. Barretto apresentou uma série de observações suas, para exemplificar e para facilitar a compreensão das idéias do Prof. Coutard.
As observações apresentadas traziam uma farta documentação clínica, radiografica e anatomo-patologica, e o autor se esforçou para bem explicar a orientação terapeutica, que obedeceu sempre o modo de vêr do Prof. Coutard.
Comentarios:
Dr. Francisco Hartung: Elogiou a exposição do A., principalmente pela elucidação que fez de alguns pontos, ainda em controversia no assunto em apreço. Referiu-se às 300 observações de laringectomia de Cetrá, dizendo que este A. parece não dar muita razão à Escola Francesa. Daí talvez o facto de Cetrá não observar as regras estabelecidas por Coutard, quanto à divisão dos tumores em operaveis e irradiaveis. Por ultimo pediu ao A. informações sobre os seguintes pontos: 1) deve-se fazer novo tratamento de radio, no caso de recidiva após 6 anos do primeiro tratamento? 2) se ha influencia do facto raça no aparecimento do câncer, 3) num canceroso de celulas pouco diferenciadas e portanto mais beneficiavel pelo radio, mas sem recursos financeiros, para o tratamento que é caro, deve ser operado?
O dr. Plinio de Mattos Barretto respondeu que a irradiação pode ser tentada uma segunda vez, porém ela já terá menores probabilidades de sucesso, devido às alterações produzidas nos tecidos pelo tratamento anterior.
Disse tambem que ele tem observado, na Clínica da Faculdade de Medicina e no Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho, maior numero de hespanhois entre os portadores de câncer da laringe.
Terminou dizendo que o câncer de celulas indiferenciadas deve sempre ser tratado pela radioterapia, e que os câncerosos mesmo os mais pobres, quer na Santa Casa, quer em clinicas particulares, encontrarão sempre oportunidade para serem tratados.
Nada mais havendo a tratar foi encerrada a reunião.
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