No n.° 1, de Janeiro-Fevereiro de 1939, da Revista Brasileira de Oto-rino-laringologia, foi publicado um resumo da ata da sessão de 17 de Agosto do ano passado da Secção de Oto-rinolaringologia da Associação Paulista de Medicina. Aí se encontra referência a uma comunicação de minha autoria, em que são apresentados dois casos de fronto-etmoidite curados pela operação de Ermiro de Lima. Trata-se evidentemente de um engano, mas como êste pode concorrer a desacreditar o método e mesmo a prejudicar a reputação do autor do trabalho, resolvi publicar na íntegra o que disse na referida sessão. Daí a publicação dêsses casos que, conquanto nada tenham de especiais, pareceram-me dignos de divulgação pelos ensinamentos que julgo trazerem.
As observações, em número de duas, dizem respeito a fístulas da região palpebral, uma de mais de um mês de existência, e outra de um ano. Vejamos os casos em suas linhas gerais.
1.a Observação - Luiz C., branco, com 19 anos, solteiro, brasileiro, empregado do comércio, residente em Mogi-guassú, procurou-me na Clínica Stevenson a 3 de Junho de 1937, enviado por distinto oculista.
Disse-me o paciente que, há cêrca de um mês, isto é, a 7 de Março, amanheceu com enorme inflamação no ôlho esquerdo. Procurou logo o oculista que resolveu incisar a pálpebra superior, com o que se eliminou grandes quantidade de pús fétido. Nesse mesmo dia foi-lhe ministrada uma injeção de propidon (4 cc.). Melhorou consideravelmente e, ao cabo de onze dias, voltou para casa como curado.
Três dias após, no entanto, o ôlho apresentou-se de novo edemaciado, o que exigiu nova abertura, escoando-se ainda muito pús. Recebeu nova injeção de propidon. lato aconteceu a 24 de Março.
Antes de fazer a primeira abertura, pediu o oculista uma radiografia da cabeça, que o paciente me apresentou, e que denotou grande opacidade do seio maxilar, do etmóide esquerdo, e opacidade discreta, simples veladura, do seio frontal do mesmo lado.
Não tendo ficado curado, e persistindo uma lesão fistulosa na cauda do supercílio, achou o oculista conveniente enviar o caso ao rinologista.
Exame - Pús no meato médio. Lesão cicatricial na pálpebra superior esquerda, fistulada no extremo externo, e dando saída a pús sanguinolento.
Pedidas novas radiografias, fica patente a opacificação dos seios esquerdos com exceção do esfenoidal, sendo que a do seio frontal, não passa de um véu. E' evidente que êste seio chega até a união do terços médio e externo do rebordo orbitário, e que, nesse ponto, há uma lesão perfurante do osso (Fig. 1) com reação óssea intensa na parte lateral externa.
Tratamento - Foi indicado o tratamento cirúrgico. Resolvi realizar, em primeiro lugar, a operação de Caldwell-Luc, seguida de esvaziamento do etmóide e abertura do seio frontal pela técnica de Ermiro de Lima. A seguir, na mesma sessão, seria aberto o seio frontal por via externa, sendo a fístula destruida.. Aproveitaria o ensejo para verificar, pela segunda intervenção, o resultado da primeira.
Operação a 8 de Maio. Seio maxilar cheio de pús muito fétido. Degeneração total da mucosa, que foi retirada por completo. Etmoide muito amplo, também com a mucosa muito doente. Abertura do frontal, ampla e fácil.
Incisão no supercílio. Abertura do seio frontal só na face anterior. Destruição da fístula que se achava situada no extremo do seio, e na parte mais anterior da parede orbitária. Limpeza da cavidade.
A comunicação entre o frontal e o maxilar é larga, limpa, perfeita. Nada há mais a fazer pela via superior.
Fita de gaze iodoformada do seio frontal ao maxilar. Sutura completa da incisão frontal. Lavagens do seio maxilar em dias alternados.
Epícrise - A fotografia (Fig. 2) tirada em 5 de Agosto de 1937 mostra o resultado da intervenção. Vê-se ainda a incisão do abcesso na pálpebra, mas não há vestigio da incisão no supercílio. Curado até esta data (8 de Maio), portanto há dois anos.
2.a Observação - Celuta C. de J., branca, com 38 anos de idade, casada, residente em Santa Cruz do Prata (Minas) apresentou-se na Clínica Stevenson a 20 de Agosto de 1937, queixando-se de estar com uma fístula no canto do ôlho.
Diz que vai para um ano sofreu de um defluxo forte seguido de inflamação vultosa da testa, à esquerda. Dias depois, rompeu-se a pele no canto interno e superior da órbita, escoando-se grande quantidade de pús.
Daí em diante a lesão cicatriza-se e fica como curada durante certo tempo. De vez em quando, porém, e sobretudo quando se resfria, volta a sair pús pela fístula. Nada sente no nariz.
Exame - Fístula na pálpebra superior esquerda, no extremo interno, repuxando a comissura de tal sorte, que não permite a oclusão integral do ôlho. Nada nas fossas nasais e na garganta. Dentes em péssimo estado.
O exame radiografico revelou: 1) opacificação total dos seios maxilares; 2) quasi total dos frontais; 3) lesão perfurativa do rebordo orbitário superior, à altura do têrço interno. E' uma perfuração ampla, circular, bem distinta (Fig. 3).
Tratamento - Foi indicado a terapêutica cirúrgica, de acôrdo com a orientação seguida no caso anterior.
A intervenção teve início pelo seio frontal. Incisão ampla na região superciliar e exposição da fístula. Limpeza desta, correção das bordas, e abertura do seio frontal sómente na face externa. O seio é pequeno.
Operação de Caldwell-Luc à esquerda. Pús abundante, fluido, mucosa espêssa, degenerada. Ablação completa desta. Esvaziamento do etmóide pelo processo de Ermiro de Lima, seguida de abertura larga do seio frontal.
Verificação, pela incisão frontal, do esvaziamento do etmóide: é completo e perfeito; o seio frontal está em ligação ampla com o seio maxilar.
Desfazimento da fístula cutânea no sentido vertical.
Operação de Caldwell-Luc à direita. Seio cheio de pús extremamente fétido. Mucosa espêssa, muito friável. Etmoide esvaziado pelo processo de Ermiro de Lima; achava-se sériamente comprometido. Abertura do seio frontal. Abertura e limpeza do seio esfenoidal.
Epícrise - A paciente teve alta clinicamente curada, vinte e cinco dias após as intervenções. Não consegui mais obter notícias do caso.
Quando publiquei meu trabalho a respeito da operação de Ermiro de Lima (Revista Oto-laringológica de S. Paulo, vol. V, n.° 5, 1937), deixei bem claro que o processo tem suas indicações, e não pode ser usado em todo e qualquer caso de polisinusite. Nas observações há pouco apresentadas é claro que a cura não poderia provávelmente ser conseguida com a simples operação de sinusite maxilar, seguida de esvaziamento transmaxilar do etmoide. Pelo menos no primeiro caso, a lógica mais comezinha faz pensar que o caminho a seguir era utilizar a via externa ou a via combinada. Esta evidentemente era muito mais completa, muito mais erradicativa do que aquela.
Os resultados obtidos nesses dois casos trazem novas confirmações a excelência e segurança da via transmaxilar pelo processo de Ermiro de Lima. E' um método que precisa ser difundido, tal sua segurança e tais suas vantagens sôbre os demais.
Nesses casos em que se utiliza a combinação das duas vias, pode bem o especialista aquilatar a verdade do que acabo de dizer. A abertura por via externa faculta de-fato verdadeira fiscalização do que foi feito pela via transmaxilar, e permite ao especialista convencer-se da perfeição desta via.
O valor do processo nos casos mencionados não pode ser discutido. Neles, de-fato, é o etmoide quasi sempre o ponto de partida da infecção, e a cura das fístulas dêsse gênero confunde-se com a da etmoidite crônica. A abertura do seio frontal por via externa serve então apenas para ser localizada e raspada a fístula óssea. Se o esvaziamento do etmoide e o do seio maxilar não fôr completo e perfeito, a recidiva é infalível. O que curou, pois, êsses dois doentes foram as operações maxilar e transmaxilar.
Mais uma vez convido os especialistas brasileiros a experimentarem a técnica de Ermiro de Lima. Não conheço ninguem que, após experimentá-la, não tivesse ficado possuido do mesmo entusiasmo que por ela não me canso de demonstrar.
(1) Professor de Clínica Oto-rino-laringológica da Escola Paulista de Medicina (S. Paulo). Oto-rino-laringologista do Hospital da Santa Casa e da Clínica Stevenson (Campinas).