ISSN 1806-9312  
Sábado, 27 de Abril de 2024
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1231 - Vol. 7 / Edição 4 / Período: Julho - Agosto de 1939
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 311 a 316
CONSIDERAÇÕES SÔBRE A TERAPEUTICA CIRÚRGICA DA OZENA PELOS ENXERTOS
Autor(es):
PROF. RENATO MACHADO

RIO DE JANEIRO

Começo esta comunicação como finalisa Henry Proby a sua à Sociedade de Laringologia dos hospitais de Paris sobre o mesmo assunto:

"Nous n'ignorons pas la complexité des causes qui peuvent provoquer 1'ozène, et la diversité des thérapeutiques qu'on lui a appliquées. Aussi, continuons-nous à chercher dans cette voie pour essayer de combiner dans le traitement que nous lui apportons, les conditions de fonctionnement physiologique normales, et 1'excitation du système nerveux vaso-moteur, qui joue un si grand rôle dans 1'apparition de ce trouble trophique qu'est 1'ozène."

Não repetirei aqui o fartíssimo material que conhecemos e que tem enchido desde as páginas dos artigos mais breves até as de alentados relatórios nos congressos.

Julgo por vezes tratar-se de uma distrofia dos ossos da face.

Assim é que tenho encontrado, quando levado pelas chapas radiográficas e a secreção que se acumula nos meatos médios, em casos de rinite atrófica, a intervir previamente nos seios maxilares, a deformidade facial simiesca explicável pelo grande recúo da parede anterior da cavidade, sendo esta quasi ou de todo inexistente.

Permaneceremos nas considerações que rotularam o presente trabalho.

De um modo geral podemos dizer, em relação ao tratamento, que a ozena oferece duas fases: uma à terapêutica clínica, outra à cirúrgica.

Recebido pela Redação em 6-6-1939.

A primeira quando entrosada à síndroma que se desencadeia pelo organismo todo e se vai refletindo nas cavidades nasais de modo a confundí-la com outras afecções que aí aparecem.

A segunda em que a deformidade se evidencia, quando a síndroma local predomina e se estampa, inconfundível em sua tríade.

Na primeira ficamos nas incertezas em busca de tentativas que se perdem ou se aproveitam parcialmente das nossas dúvidas ou certezas fugazes.

Na segunda, porém, e certamente na que mais interessa o sofredor do mal tão implacável, é necessário intervir, corrigindo o que se apresenta aos nossos olhos, dando ao enfermo alívio imediato, uma vez que a técnica segura da especialidade moderna assim o permite, em cirúrgia próxima da perfeição, assente firme em conhecimento anatômico exato, e no progresso de um instrumental aprimorado dia a dia.

Friso bem que a fase clínica da moléstia interdita a cirúrgia, mesmo sob o aspecto inocente de uma gálvano-cauterização. A argúcia do clínico à prova, na suspeita de mal que evolue, e não em simples hipertrofia ou catarro comum à mostra, valer-se-á da terapêutica medicamentosa de todos conhecida.

Fará com que se abstenha êle de cauterizações galvânicas já referidas, ou, pior ainda, de turbinotomias. Isto viria apressar o período decisivo do mal como temos constatado.

A resecção do septo igualando as duas cavidades nas mesmas dimensões é admissível. Mas a clínica também distingue a tendência da atrofia a unilateralizar-se...

Já se disse que agora só cuidaremos da fase cirúrgica, isto é, da correção da síndroma local, caracterizada na atrofia, crôstas, e mau cheiro. Afastando-nos dos grandes traumatismos operatórios, para nos aproximarmos do que mais racional nos parece: a um tempo estreitar a fossa ampla e revitalizar a mucosa.

Isto de pronto atende ao mal. Não deve entretanto parar aí a ação do médico, que procurará, então mais à vontade, conhecer as deficiências do organismo em que está intervindo para que sejam elas atendidas.

Deixamos de parte os grandes traumatismos cirúrgicos, repetimos, cujas consequências não os justificam.

Recorremos, então, aos enxertos sub-mucosos, cuja técnica simples consegue os mesmos fins desejados, não impedindo pela sua benignidade, a sua repetição, se necessária.

Enxertos.

A princípio usei da cartilagem costal, retirada da sétima ou oitava costela. Isto complicava um pouco as coisas, pois se o tempo nasal era extremamente simples, rápido, o mesmo não se poderá dizer do outro, da extração da costela, mais demorado e incômodo, ocasionando no post-operatório, dores à respiração, repouso ao leito, prolongando o internamento, dando ao tratamento as aparências de cirúrgia maior. Ambos sob anestesia local, o primeiro de todo indolor ao passo que este, por vezes despertava dores, cuja intensidade, via de regra se afinava pelo nervosismo do doente.

Dos 10 casos que tenho em observação, 5 foram assim operados. Destes, um foi reoperado com o tendão aquíleo de carneiro.

O primeiro dêles está matriculado em nosso serviço da Cruz Vermelha desde 15 de Fevereiro de 1931 e foi operado, (enxerto costal) em 31 de Agôsto de 1934. Vai para cinco anos. E' muito cedo para afirmações, bem o sabemos, mas atendendo-se ao título de minha comunicação, vemos que ela trata de considerações em torno do assunto. Julgo que estudos desta natureza, tendo em vista a sua responsabilidade, demandam prazos mais longos, dez a vinte anos, às vezes mesmo a terminação por sucessores, e organizações de pesquiza especializada, ainda inexistentes em nosso meio. Eis porque estou sempre a ferir esta tecla, sem a qual nunca poderemos nos apresentar com vantagem ante a ciência alienígena que para aqui trouxermos ou que até ela nos conduzamos fóra do país.

Propositalmente restringimos o número de observações. São 10.

Poderíamos tê-las mais numerosas. Este total será pouco e pouco aumentado, prudentemente. Todos os que se submeteram às intervenções o fizeram, sabendo, de ante-mão, que estávamos no terreno das tentativas.

Assim, concientemente concordaram, como se reoperarão se necessário.

Do enxerto costal passamos pois, para o hétero-enxerto. Ao motivo já referido, poderei acrescentar, ser êste último muito resistente à reabsorpção. Em um caso em que colocamos aquele em 23 de Março de 1936 e mais tarde reoperamos, ano e pouco depois, em 23 de Junho de 1937, verificámos que a cartilagem se achava fortemente aderente à mucosa, sofrendo um começo de reabsorpção.

Quanto ao animal, escolhemos o carneiro por vários motivos. Uma vez adquirido, fica em observação e é submetido aos exames de laboratório como doador. O material de que nos utilizamos: o tendão aquíleo.

Este é bastante accessível, sob o couro do animal. Quando se está afeito à técnica, a sua retirada é rápida e exangue. Procedemos sob anestesia geral.

A princípio operava o animal em sala contígua a do doente, colocando o enxerto em sôro fisiológico. O doente já preparado na outra sala era em seguida submetido à intervenção. O enxerto, porém, era muito maleável e de introdução às vezes difícil. Tingia de ser esticado, no leito entre os dentes de uma pinça, por ela protegido em bôa extensão, o que em caso de mucosa muito delgada constituia um risco a evitar.

Esse mesmo risco nos oferece o material mais resistente como osso ou mesmo cartilagem.
Daí talvez a preferência de alguns em introduzir cêra moldável, pó de osso, etc., ao envez de marfim ou quaisquer outras substâncias da mesma consistência. Pensei, portanto, em simplificar ainda. Optei pelo mesmo enxerto, conservado em alcool.

Os estudos de Nageote, cuja aplicação pude apreciar, durante a Grande Guerra, por Sencert, e agora, recentemente aplicados em nossa especialidade por Collet e Proby exatamente para o mesmo fim de que estou tratando, a tanto me autorizaram. Eles se utilizam do tendão aquíleo do vitelo.

Hoje valho-me, portanto, do enxerto conservado, sem que haja motivos para abandoná-lo. Adquire êle ótima consistência, é facilmente trabalhado, a colocação não oferece dificuldades, é perfeitamente tolerado, e dá os mesmos resultados.

Alem disto liberta-nos do animal, ficando sempre o serviço com material em estoque, à mão.

Antes de sua aplicação é lavado em sôro fisiológico.

Temos 4 casos assim operados, com as observações devidamente anotadas.

Devo assinalar de passagem que estas observações registram todo o fracasso de tratamentos anteriores como também a elas estão anexados todos exames de laboratório e radiografias. As fichas assinalam a marcha dia a dia do que se passa.

O local de aplicação do enxerto, parece-me mais lógico a parede externa da cavidade, em relevo do plano onde existiu o corneto inferior.

A introdução se faz pela abertura piriforme, sob anestesia local por embebição e infiltração.

O descolamento é delicado. Posto em seu leito êle fecha a cavidade, e temos a impressão de que novo corneto se encosta no septo.

Não nos parece aceitável deformar o septo com a introdução sub-mucosa de material, pois se às vezes temos que corrigí-lo para igualar as dimensões das fossas nasais.

Os resultados imediatos são impressionantes. O aspecto é de uma reação intensa e o indivíduo na véspera ozenoso, já não o é mais. Voltam o olfato e o reflexo óculo-nasal ha pouco inexistentes. Desaparecem as crôstas e o mau cheiro. Dir-se-ia que o doente de ontem, de fossa ampla, está a pedir hoje a redução de cornetos. Nenhum contratempo de monta. As reações maiores nunca foram de assustar. A temperatura não sobe ou pouco se eleva.

Em dois casos houve eliminação do enxerto, em uma das cavidades.

Em um dêles, porém, os resultados não foram alterados. Verdade é que se refere ao reoperado com o hétero-enxerto, antes operado com enxerto auto-costal. O hétero-enxerto é perfeitamente tolerado.

No decorrer dos mêses, entretanto, tal quadro não se conserva. Ha retração da parede externa, aos poucos. Em alguns as crôstas reaparecem, embora em menor quantidade e os cornetos se apresentam desenhados.

Dois dêles penso reoperar em breve. O tempo decorrido da operação não se relaciona com as modificações. Doentes ha operados ha mais tempo que se conservam melhor que outros mais recentes. De um modo geral podemos dizer que todos melhoram, mas nem de longe ousamos a segurança de uma afirmativa otimista quanto ao domínio da afecção. A tonalidade mais viva da mucosa conserva-se tempo afora. Continuamos a estudar. A pista se nos afigura bôa. E assunto para tornarmos a êle de tempos em tempos com as esperanças ou as desilusões que formos colhendo.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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