S. Paulo
O inventor da acidoterapia é o Prof. Dr. Sigmund von Kapff. Ele é de profissão químico e não médico. Após uma experiência de 13 anos, publicou em 1924 uma obra sôbre o desenvolvimento e a aplicação prática da acidoterapia.
Não dispomos de informações precisas acerca da posição atual dêste modo de tratamento em Alemanha; temos no entanto uma experiência própria suficientemente grande para julgarmos conveniente uma comunicação a esta egrégia associação.
Já Hipócrates dizia que os meios curativos devem ser investigados, pois os homens não os encontram tanto pelo raciocínio, como pelo acaso e os facultativos não o fazem mais frequentemente que os leigos.
Von Kapff trabalhava frequentemente em fábricas de lã artificial e observou aí, nas salas de trabalho uma atmosfera acidulada pelo escapamento de ácido clorídrico gazoso dos aparelhos de carbonisação. Os operários dêstes setores sentiam-se geralmente bem e os trabalhadores de outras seções, molestados por afecções das vias respiratórias, pediam então transferência para o serviço de fabricação de lã artificial. Kapff estudou então a ação benéfica das inhalações de gases ácidos sôbre afecções pulmonares, em si e nos demais membros de sua família, reconhecendo a inocuidade de inhalações mais prolongadas e a ação diversa das substâncias, conforme o gráu de diluição. Verificou-se assim a falsidade do princípio de ar ácido ser prejudicial ao organismo humano.
Já em 1847 observara-se na Inglaterra, por ocasião de uma epidemia de cólera, que os operários das fábricas de lã artificial apresentavam uma imunidade esquisita contra essa infecção. Em 1862 um médico francês empregou inhalações de acido fluorhidrico contra tuberculose pulmonar, coqueluche, asma e difteria. Unna tratou em 1905 a tuberculose cutânea por meio de soluções extensas de ácido clorídrico, obtendo resultados satisfatórios.
Evidentemente só podem ser utilizadas substâncias, que se encontrem em estado gazoso, na temperatura ordinária ou que nessas condições se volatilizem facilmente, e que não sejam propriamente tóxicas.
Vapores muito extensos de ácidos à base de enxôfre igualmente uma ação benéfica. Consta que Galeno enviava os seus doentes pulmonares ao Vesúvio e Etna, afim de que respirassem as emanações de gazes sulfurosos ácidas, exhaladas pelas cratéras. Na Idade Média, era frequente o costume de se pendurarem panos embebidos em ácido acético nos quartos dos doentes.
Como ficou dito acima, não estamos bem informados sôbre o emprêgo atual da acidoterapia na Alemanha; numa publicação extensa de Ludolph Brauer de Hamburgo sôbre as moléstias das vias aereas (Medizinische Welt 24.11.34) não encontramos referência a êsse respeito. E' possivel que o método não tenha encontrado ainda a devida vulgarização.
Quanto ao fundamento científico da terapia por inhalações de ácidos, sabe-se que as bactérias crescem dificilmente em meios de cultura ácidos. A ação bactericida dos gazes ácidos, muito mais penetrantes que as vaporizações, é bem diversa e mais intensa que os gargarejos e as pincelagens, muito curtos e localizados. O processo inhalatório pôde ser utilizado durante horas, dias e semanas, sem comprometimentos e efeitos nocivos, desde que se empreguem concentrações próprias. As excitações leves favorecem, as, intensas prejudicam (lei biológica de Arndt-Schultz).
Não se tratando de pulverização de soluções aquosas, mas sim de verdadeiros gazes, o efeito terapêutico é bem mais intenso. Os gazes puros são diluidos pelo ar atmosférico. Quando inhalados convenientemente, produzem uma irritação que dá origem à hipersecreção e hiperemia das mucosas. A reação orgânica consiste na neutralização dos gazes ácidos por secreções alcalinas, produzidas pelo organismo. Desta maneira, as bactérias, que se encontram sôbre as mucosas das vias respiratórias, encontram um ambiente desfavoravel e perecem, emquanto que o corpo, pela hiperprodução de secreções alcalinas, aumenta a alcalinidade sanguínea, intensificando dêste modo a resistência biológica do indivíduo. Pelo aumento da secreção, as bactérias situadas profundamente, ao abrigo da ação dos gazes ácidos são levadas à superfície e sofrem então a influência do tratamento. Durante as inhalações ha ainda uma produção aumentada da lisozima, substância bacteriolítica descoberta por Allison e Flemming nos tecidos do homem, dos animais e das plantas.
A melhora local corresponde um refortalecimento do estado geral. Os doentes sentem-se mais dispostos, aumenta o apetite e o peso; êstes fatores se relacionam provavelmente com a hiperalcalinidade sanguínea. Sauerbruch e Bier observaram uma cura mais rápida de feridas, quando administravam alimentação ácida, a qual aumentava o Ph do sangue. Efeito idêntico se atribue às injeções de ácido fórmico. V. Kapff -demonstrou um aumento da alcalinidade do sangue e da urina, pouco depois de iniciadas as inhalações de ácido fórmico; em casos de ozena desaparecia o odor desagradavel.
Em casos de Tuberculose obtiveram-se igualmente resultados satisfatórios. Nêstes casos se faz mister que o doente possa inhalar constantemente em sua residência, ou que tenha ocasião para tal em um sanatório, porque as inhalações curtas não surtem efeitos.
Na inhalação em sala comum, deve-se dar preferência aos ácidos orgânicos, pois os minerais tem um alto poder destrutivo sôbre os utensílios metálicos, que se encontram nas referidas salas. Para o seu emprêgo, certamente muito proveitoso, fazem-se necessários compartimentos especiais. Nós utilizamos ácidos minerais, fazendo passar o ar atmosférico por soluções extensas dos mesmos, o qual, em seguida é aspirado pelo paciente.
Atualmente ainda utilizamos em nossa clínica a inhalação de ácidos por meio de aparelhos especiais, usando uma mistura de sulfúrico, de ácido clorídrico, fórmico, e de óleo de eucalipto. Mas estas inhalações em que o paciente é obrigado a aspirar com relativa força os gazes não satisfazem tanto como a respiração desimpedida e natural em recinto fechado com atmosfera saturada. Durante três anos tivemos em nosso consultório um inhalatório especial para ácidos, obtendo com êle bons resultados, mas tivemos que suprimí-lo devido à pouca rendabilidade.
Recomendo seriamente de se fazerem experiências com o metodo terapêutico da inhalação de gazes ácidos. Pódem ser feitas em sanatórios e na clínica privada, necessitando-se nesta última só de ácido fórmico concentrado e de grandes bacias de vidro com tampa do mesmo material. Pódem-se utilizar vários recipientes ao mesmo tempo, para saturar mais o ar. Entrando-se em uma sala assim preparada, impressiona desde lógo a acidez da atmosfera. Inicialmente pôde sobrevir um ataque de tosse, que cede depois de poucos minutos, para facultar uma respiração fácil e profunda. A respiração pela bóca deixa sôbre a lingua um gôsto azedo e possibilita uma irritação excessiva das mucosas. A inhalação por via nasal é mais agradável. Evidentemente faz-se mister que impedimento da respiração nas vias aéreas superiores.
Talvez um ou outro dos prezados colegas queira fazer umas experiências. Certamente não se arrependerá. Na própria família pôde-se facilmente cortar por este meio as infecções gripais iniciais.
(*) Trabalho apresentado à Seção de O.R.L. da Associação Paulista de Medicina em 17-8-1939. Recebido pela Redação em 17-8-1939.
|