ISSN 1806-9312  
Segunda, 22 de Julho de 2024
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1217 - Vol. 7 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1939
Seção: Notas Clínicas Páginas: 165 a 168
TRAQUEOTOMIA DE URGENCIA EM UM CASO DE ESPASMO DO LARINGE DE ORIGEM HISTERICA (*)
Autor(es):
DRS. HOMERO CORDEIRO
BIAGIO GRAVINA

O espasmo do laringe de origem histérica nem sempre apresenta aquela evolução favoravel descrita pelos autores.

Como prova do que afirmamos, vamos apresentar a observação de uma doente entrada em nosso serviço, na qual, tendo falhado todos tratamentos medicos e pitiaticos empregados, tivemos que recorrerá traqueotomia de urgência, para livrá-la da morte iminente por asfixia.

Apesar do espasmo do laringe ser considerado no estrangeiro como uma das manifestações frequentes da histeria, confessamos ser este o primeiro caso por nós observado durante o nosso tirocínio médico, razão porque resolvemos apresentá-lo a vossa apreciação.

Observação: - A. S., com 18 anos, brasileira, solteira, domestica. Antecedentes familiares e pessoais sem significação.

Moça de complexão media. Sempre gozou bôa saúde e nunca foi nervosa. Menstruada aos 14 anos e desde essa época, os catamênios se processaram com toda regularidade. Mãe e irmão sadios, sem taras nervosas. Pai falecido aos 49 anos, com tumor maligno no estomago.

Historia da doente: - No dia 28 de Março de 1938, tivera de manhã forte discussão com uma sua companheira de trabalho, que a deixou muito nervosa. Ao meio-dia, quando se dirigia a pé para a casa de sua mãe, sentiu bruscamente um forte aperto na garganta, e a respiração tornou-se logo muito difícil e ruidosa. Alarmada, entrou numa casa próxima, onde bebeu água e sentou-se. No fim de 4 a 5 minutos o aperto que sentia na garganta foi cedendo e a respiração começou a se fazer normalmente. Passou a tarde em repouso, com receio da repetição do mal. Na manhã seguinte acordou bem disposta e, ás 8 horas, ao chegar a casa de seus patrões, repentinamente repetiu-se a crise sufocante da véspera. Mas desta vez a falta de ar tornou-se persistente, com alternativas de melhoras e pioras. Chamado um clinico. este mandou aplicar compressas quentes na parte anterior do pescoço e receitou calmantes. Como á tarde o seu estado permanecesse na mesma, foi removida para o Hospital Humberto 1, onde foram tiradas radiografias do tórax e do pescoço, que nada revelaram de anormal. O medico interno aplicou-lhe injeções calmantes que pouco efeito produziram, pois passou a noite em claro, com muita falta de ar. Na manhã seguinte, dia 29, foi enviada para a clinica oto-rino-laringologica do mesmo hospital, para exame do laringe.

Exame da doente: - Intensa dispnéa inspiratoria, com tiragem e cornagem. Facie pálida, mas com ausencia de cianose. Pela palpação do pescoço, não havia hipertrofia da tiroide, nem gânglios engorgitados. A doente mal podia falar, pois a sua vóz era muito baixa e entrecortada pela inspiração ruidosa. Pela inspecção, a mucosa da faringe apresentava-se lisa e meio pálida. Amigdalas normais. Ao introduzirmos o espelho para o exame do laringe, um facto despertou logo a nossa atenção: a ausencia de reflexos, quando o instrumento tocava a parede posterior da faringe. Pela laringoscopia indireta verificamos: epiglóte normal, mucosa supraglótica vermelha e isenta de exudatos e de infiltrações. As cordas vocais, levemente rosadas, eram nitidamente visiveis, e estavam como que fixas na posição mediana, fortemente justapostas uma contra a outra, em adução forçada. As duas aritenoides, apesar de imóveis, não estavam em contacto intimo uma com a outra, e entre elas havia um minúsculo espaço de forma triangular, por onde o ar inspirado passava fazendo forte ruído. Os movimentos de deglutição não estavam afetados.

Durante os ensaios de fonação, os movimentos das aritnoides e das cordas vocais eram apenas levemente perceptíveis e a paciente com dificuldade articulava os sons e, i e com timbre de vóz muito baixo.

Por varias vezes, durante o exame, houve parada momentânea da respiração e por alguns segundos a doente ficava em estado de semi-inconciência; mas era logo despertada por uma inspiração brusca e ruidosa.
Em dado momento, a nossa doente começou a ficar muito agitada, e subitamente apareceram movimentos convulsivos que atingiram todos os membros. Essa crise durou 3 a 4 minutos e terminou em prantos. A dispnéa inspiratoria mostrava-se mais atenuada.

Deante desse quadro clinico que nos apresentava, caracterizado por uma contração espasmodica persistente dos adutores do laringe, pela anestesia da mucosa da faringe e hipo-faringe e finalmente pela crise convulsiva, chegamos a conclusão de que se tratava de um caso de histeria.

Orientando então o tratamento para esse lado, administramos á paciente anti-espasmodicos e sedativos (Octinum, trivalerina). Como terapia sugestiva, fizemos aplicações elétricas sobre o pescoço, mas que não deram resultado.
Resolvemos esperar mais algumas horas, na espectativa armada.

Recomendamos á paciente repouso absoluto e que respirasse lentamente pelas narinas, mantendo a bôca fechada.
Ás 5 horas da tarde desse mesmo dia éramos chamado com urgência ao hospital para socorrer a nossa doente, que havia piorado consideravelmente e que, apesar de inalações de oxigênio, já havia começo de cianose
e outros sinais de asfixia proxima. Lá chegando, após rapida infiltração da região pre-cervical com sol. de novocaina a 1 %, demos logo inicio á traqueotomia. Quando estávamos chegando ao tempo final e íamos incisar os aneis da traquéa, subitamente e com grande surpresa nossa, a doente começou a gritar fortemente, queixando-se de dôres no pescoço e pedindonos que interrompêssemos a intervenção. Deante desse facto inesperado, examinamos a doente e verificamos que o espasmo do laringe havia desaparecido por completo, pois a paciente começou a respirar e a falar normalmente. Com receio de uma melhora apenas transitoria, resolvemos completar a intervenção e colocar a canula.

No fim de 3 dias, continuando a doente a passar bem, retiramos a canula e fechamos a ferida operatoria. Depois de 2 semanas de observação retirou-se do hospital completamente curada e assim permanece até agora, isto é, quasi decorridos 6 meses.

O caso clinico que acabamos de apresentar, pareceu-nos interessante e original, não sómente pela sua etiologia e decurso grave, mas principalmente pelo seu desfecho inesperado.

Os casos de espasmo do laringe de origem histérica, de longa persistência, com ameaça de asfixia, são muito raros em nosso meio. Ao menos em S. Paulo, não conhecíamos caso algum anterior ao nosso. Muito mais frequentes são os casos de afonia histérica.

Segundo so autôres, nos casos graves, muitas vezes torna-se dificil fazer um diagnostico diferencial entre espasmo dos adutores de origem histérica e paralisia dos abdutores. Mas no nosso caso este diagnostico foi facil: 1 ) pelo seu aparecimento brusco, algumas horas após a um choque psíquico emotivo; 2) pela sua persistência, com dispnéa inspiratória; 3) pela anestesia observada da mucósa da faringe e Pipo-faringe; 4) pelas crises convulsiva. e de pranto; 5) pelo seu desaparecimento inesperado, quando maior era a sua gravidade aparente.

A crise espasmodica da nossa doente durou perto de 34 horas e durante esse tempo, absolutamente não se modificou pelas terapeuticas sugestiva e sedativa empregadas. Até pelo contrario: o seu estado foi se agravando de tal forma que, desistindo de ensaiar as inalações de éter ou cloroformio preconisada pelos autôres, recorremos sem perda de tempo á traqueotomia, com o fim de evitar uma asfixia iminente.

Mas a grande surpresa foi o desfecho final que teve o caso: nunca poderíamos imaginar que aquele quadro asfixico, aparentemente tão alarmante, pudesse desaparecer tão bruscamente pela ação psíquica sugestiva e fisica dolorosa da intervenção cirurgica ainda não terminada.

Muitos autôres, porém, contra-indicam a traqueotomia em tais casos e em seu lugar aconselham a intubação, alegando que, pela recidiva do espasmo, o paciente ficará exposto a traqueotomias sucessivas.

Mas será que a intubação, com suas manobras quasi indolores e pouco sugestivas, teria resolvido instantaneamente e sobretudo definitivamente o nosso caso, como aconteceu com a traqueotomia? Pensamos que não, porque o factor psíquico tem nesses casos grande influencia e estamos certo que o pavor de se sujeitar a uma nova traqueotomia tem sido o motivo principal da nossa doente não 'ter tido mais espasmos.

Portanto concluímos que o choque psíquico emotivo, causador do espasmo, foi neutralizado pelo choque psíquico sugestivo e traumático da intervenção cirurgica e, como resultado tivemos o restabelecimento completo do equilibrio da inervação da laringe.

A originalidade do presente trabalho reside na raridade desta afecção entre nós e na terapeutica empregada. Compulsamos a literatura da especialidade, no Brasil, ao nosso alcance e nada encontramos a respeito da aspergilose. Embora não tenhamos a pretenção de apresentar o primeiro caso registrado na nossa literatura, ficaríamos muito gratos si algum colega nos quisessem comunicar algum trabalho que porventura escapou ao nosso conhecimento. Passamos a relatar as tres observações feitas por nós no decorrer de 9 meses, depois de seis anos de clinica.

1ª) O. M. G., casada, branca, com 30 anos de idade, brasileira, residente em Victoria, veio a consulta em nosso serviço no Hospital dos Funcionários Públicos, no dia 25 de Março de 1938, queixando-se de fortes dores do ouvido esquerdo, que se acentuavam pela pressão digital sobre o tragus. Pelas suas informações constatamos que os seus sofrimentos já datavam de 15 dias, tendo-se iniciado com prurido no conduto.

Ao exame superficial das regiões proximas ao conduto, nada nos chamou a atenção. Praticando a otoscopia notamos o fundo do conduto cheio de escamas epidérmicas misturadas a uma massa amarelada, de consistência pastosa, aparentando o píts em via de dessecação. Fizemos uma lavagem com pressão moderada afim de podermos examinar o timpano. Não só o conduto como o timpano se apresentavam fortemente hiperemiados sem, contudo, podermos constatar perfuração deste ultimo.

Deante disto ficamos com o diagnostico provisório de otite externa difusa e prescrevemos o tratamento recomendado em tais casos. As melhoras apresentadas pela doente foram diminutas, apezar dos curativos diários e das aplicações de raios infra-vermelhos.

No dia 13 de Abril, a paciente viajou para o interior do Estado, voltando no dia 5 de Maio com os sintomas agravados e surdez pronunciada do tipo transmissão. Durante novo exame, constatamos o mesmo aspecto anterior, causando-nos estranheza a coloração negra da secreção. Interrogando a paciente quanto á possibilidade de ter usado algum medicamento que não os por nós recomendados, respondeu-nos negativamente. Veio imediatamente ao nosso espírito a lembrança da aspergilose niger, embora soubéssemos da sua raridade no Brasil. Levamos a paciente ao Laboratorio da Saúde Publica, onde o Dr. Edgard Neves fez o exame do esfregaço, constatando grande quantidade de micélios e esporos caracteristicos. A cultura em meio de Sabouraud deu uma vegetação abundante. Confirmado assim o diagnostico, restava o tratamento a aconselhar. Lembramo-nos de uma observação que havíamos lido na Revue de Laryngologie, Otologia et Rhinologie, de Janeiro de 1938, da autoria de R. Engel, na qual o autor relata um caso onde falharam todos os medicamentos comumente empregados, tendo, finalmente, conseguido exito com o violeta de genciana acidificado pelo acido latico, a conselho de Lépine, do Instituto Pasteur. Prescrevemos para a nossa doente a formula de Mangabeira Albernaz: Violeta de genciana e fucsina aná - 0,50; acido fenico 0,25; agua destilada 50,0. Esta formula foi aplicada três vezes ao dia. No dia imediato cessaram as dôres e desapareceram as escamas negras caracteristicas, tendo-se completado a cura em 5 dias.

2ª) M. S., viúva, com 53 anos, branca, residente em Victoria. Apresentou-se em nosso consultório queixando-se de prurido no conduto direito e ligeira dôr.. A surdez era leve, incomodando-a ligeira autófona. A doença datava de uma semana. Ao exame constatamos o conduto cheio de detritos epidérmicos. Após a limpeza verificamos no sulco epitimpanico um crescente negro que nos chamou logo a atenção para o aspergi-los. Nesse mesmo dia, á tarde, levamos a paciente ao Laboratório, onde o Dr. Edgard Neves encontrou raros micélios, achado que foi o suficiente para a afirmação do diagnostico. A terapeutica pelo violeta de genciana surtiu efeito em 24 horas. Dois dias após fizemos lavagem do conduto para retirar os restos micelares e aconselhamos que o tratamento se prolongasse por uma semana, para evitar as recidivas.

3.a) S. R., com 19 anos, casada, branca, brasileira, residente em Aymorés (Minas Geraes). Veio ao nosso consultório no dia 10 de Feve reiro do corrente ano, queixando-se de dares lancinantes em ambos os ouvidos. Já estava doente ha 15 dias. Os medicos que a estavam tratando esgotaram o arsenal dos analgésicos, sem conseguirem minorar seus sofrimentos, que já não a deixavam conciliar o sono havia varias noites.

Examinamos os condutos. Ambos apresentavam aspecto quasi identico. Retiramos os detritos que os enchiam, tarefa que não nos foi facil em virtude da hiperestesia acentuada. A epiderme estava hiperemiada assim como o timpano. Apezar da limpeza cuidadosa, a surdez se conservava bastante pronunciada. Mesmo sem um passado gripal proximo e sem termos verificado catarro nasal, ficamos com o diagnostico de uma otite media aguda. Prescrevemos: banhos de luz, vacina antipiogênica, e uma formula com Licor de van Snreeten, glicerina Ana 1,0 e neoututocaina 0,50, para usar, aquecida, trez vezes ao dia. No dia imediato, as melhoras tinham sido' insignificantes, chamando-nos, entretanto, a atenção a obstrução por massas amareladas identicas ás que havíamos retirado na vespera. Faltava o pigmento negro, mas nós sabemos que, mesmo nas culturas, este pigmento aparece depois de certo tempo, podendo ter faltado aqui devido aos diversos tratamentos que vinham fazendo a doente. Pedimos exame microscópico que veio confirmar nossa suspeita com a constatação de grandes feixes de micélios. Mais uma vez foi a violeta de genciana de efeito rapido, voltando a paciente para o interior, 4 dias após o inicio do tratamento.

A otite externa micótica pode ser produzida por varios gêneros de fungos, porem os mais encontradiços são os aspergilus (niger, fumigatus e flavos). Na ordem de frequencia vem o penicilium, verticilium, etc.

Como fatores predisponentes, os autores citam a umidade, concorrendo para facilitar o desenvolvimento do cogumelo no solo ou nos objetos que possam ser manipulados. O descaso no asseio corporal pode criar terreno propicio para o desenvolvimento do parasita. A introdução de substancias oleosas no conduto, quer como medida da limpeza, quer como terapeutica, facilita o desenvolvimento do aspergilus, que prolifera facilmente no meio acido criado pela transformação dessas substancias em ácidos graxos. A parafina liquida e a glicerina, pela mesma razão, não devem ser instiladas sem a previa adição de um anti-septico.

Emquanto o parasita se desenvolve nas camadas superficiais da pele, apenas sua presença se revela por ligeiro prurido. Logo que os micélios atingem o corpo mucoso de Malpighi, os fenomenos dolorosos aparecem com maior ou menor intensidade, conforme o desenvolvimento do fungo. A dôr é explicada pelo ataque ás terminações nervosas intra-epidermicas. Quando ha comprometimento do timpano, junta-se a surdez do tipo transmissão, que varia de acordo com a intensidade de desenvolvimento da massa micelar alojada na epiderme timpanica.

A localisação timpanica pode ocasionar desde a simples meningite até a perfuração da membrana com a consequente otite media micótica.

No que diz respeito ao tratamento, são inumeras as substancias que os tratados aconselham: alcool puro ou salicilada; solução de formalina; sublimado; nitrato de prata; tintura de iodo; permanganato de potassio (Escat) ; biodeto de mercurio em alcool a 1 %. (E. Culpin - Year Book of Eye, ear, nose and Throat, 1935, pg. 334) ; violeta de genciana (empregada por Engel). Esta ultima terapeutica já vem citada na obra recente (1938) de Francis Lederer (Disceases of the ear, nose and throat) editada por F. A. Davis Co., Philadelphia), assim como o azul de metileno e a cresatina (acetato de metacresil). Esta ultima substancia tambem vem recomendada num artigo de Mac Burney, Ralph e Searcy: Otomicose; pesquisa sobre os agentes terapeuticos fungicidas (resumo feito por Rezende Barboza para a Revista Oto-laringologica de S. Paulo de Março-Abril de 1938).




(*) Trabalho lido no 1.º Congresso Brasileiro de O.R.L. realisado no Rio de Janeiro, de 2 - 9 de Outubro de 1938.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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