ISSN 1806-9312  
Sábado, 23 de Novembro de 2024
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1216 - Vol. 7 / Edição 2 / Período: Março - Abril de 1939
Seção: Trabalhos Originais Páginas: 161 a 164
ABCÉSSO DO SEPTUM DE ORIGEM DENTARIA
Autor(es):
DR. OLIVÉ LEITE (Sta. Maria - Rio Grande do Sul).

Os abcéssos do septum, sem serem raros na especialidade, principalmente, os de origem traumatica, quer por traumatismo vulnerante, quer cirúrgico, se nos apresentam, quasi sempre, após uma infecção geral ou local.

Os abcéssos de origem dentaria, são muito mais raros, e se observam, geralmente, em individuos, cuja dentadura mal tratada e em máu estado, são fócos permanentes de gérmens virulentos, aeróbios e anaeróbios.

O septum nasal, fazendo parte da pirâmide nasal, sofre as consequências das quedas, mais ou menos, frequentes, quando o individuo é creança, e constitue o ponto mais vulnerável nos traumatismos da face, e, com a sua menor resistencia, é mais suscetível ás infecções.

Além dos grandes traumatismos, das quedas, acidentes, etc., e dos cirúrgicos, sofre a ação quotidiana, do máu habito que têm as crianças, e muitos adultos, de meter o dedo no nariz, para retirar as crostas de mucus e poeira, que se formam expontanea e normalmente, ou das secreções patológicas do nariz.

Aí, a unha representa um consideravel agente traumatico e infectante, não só pelos gérmens, que já se acham no vestíbulo nasal, como pelos que o dedo leva do exterior.

Uma pequena erosão da mucosa, pôde representar a porta de entrada, do gérmen infectante, que vencendo as barreiras opostas pela ação bactericida de mucus normal, caminha e vae produzir o abcésso septal, de consequências imprevisíveis, quanto á estética nasal, e mesmo quanto á vida, pois, ha muitos casos descritos de complicações endocranianas fatais, produzidas por abcéssos do septum, de origens varias.

A menor resistencia da mucosa septal, pela sua pobreza em glandulas mucíparas, cujo mucus representa um papel germicida importante, e a singularidade da cartilagem não possuir rêde sanguinia protetora, como os ossos, encontram os gérmens infectantes, condições ótimas para o seu desenvolvimento e proliferação, e daí a infecção, e produc4o de abcéssos.

Representam, tambem, papel importante na etiologia dos abcéssos do septum, os corpos estranhos introduzidos no nariz, os vapores corrosivos, as infecções de visinhança ou de pouca distancia, como as amigdalites, sinusites, rino-faringites, caries dentarias dos molares, granulômas peri-apicais, etc., sem contar as infecções comuns como a gripe, diftería, varíola, sarampo, escarlatina, mormo, erisipéla da face, febre tifoide, erisipéla da cabeça, furúnculos do apêndice nasal e vizinhanças, eczemas, herpes, etc.

Portanto, como vimos, varias são as causas, e a classificação mais adotada é a seguinte: (Prof. Mangabeira Albernaz).

Abcéssos do septum

Traumáticos.

A) Cirúrgicos.
B) Acidentais.

Não traumáticos.

Diretos.
a) rinofaringéos;
b) sinusais;
c) nasais;
d) cutâneos;
e) Dentários.

Indiretos
Metastáticos.

Entre os abcéssos por traumatismo, os de origem cirurgica são os mais freqüentes, principalmente, depois das operações do desvio do septum, freqüentemente feitas em todos os serviços cirúrgicos das especialidades, em contraposição ás turbino ou turbinectomias, que diminuem nos serviços, depois que ficou suficientemente provado, o papel importante que representam os cornetos na respiração nasal e na foniatría, pois que durante muitos anos se abusou das extirpações largas dos cornetos, produzindo com isso, inumeros casos de ozêna post-operatoria e perturbações da acústica nasal.

Os hematomas cirurgicos não infectados e os traumáticos, nem sempre levam aos abcessos, pois com os cuidados habituais da cirurgia nasal, poucos são os casos que supuram, porém, na maioria das vezes, os traumáticos acidentais, com rutura da mucosa, se infectam e supuram, mesmo que se os esvazie precocemente e se faça o tamponamento de regra.

A sintomatologia dos abcéssos do septum, se caracteriza por um entupimento nasal bilateral, abaulamento das duas faces da septum, dôres fortes na pirâmide nasal, aumento de volume desta, febre, dôres de cabeça, etc.

O prognostico estético, é quasi sempre máu.

O tratamento é eminentemente cirúrgico, e o mais precoce possivel, afim de evitar, na medida de nossas forças, as grandes destruições da cartilagem quadrangular, e, conseqüentemente, o seu dano estético.

As complicações dos abcéssos são varias, desde as que se referem á estética facial, até ás que põem em perigo a vida do doente, tais como as meningites, trombo-flebites, abcéssos cerebrais, etc.



Fig. 1


Fig. 2



Depois desta digressão, entraremos no objetivo principal deste trabalho, que é a observação de um abcésso do septum de origem dentaria.

Já por si, é uma afecção rara, de escassa descrição nos compêndios clássicos e nas revistas das especialidades, e poucas são as publicações, sobre os abcéssos do septum de origem nitidamente dentaria.

Os abcéssos odontogenos do septum nasal, têm sua origem dos dentes, e mesmo os molares os podem produzir, porem aqueles que mais freqüentemente os produzem, são os incisivos centrais, laterais e caninos, que pelas suas localisações de visinhança, mais que proximas, com a base das fossas nasais, e cujos ápices radiculares, distam, apenas, alguns milimetros.

A responsabilidade patogênica dêsses dentes, pela periodontite crônica freqüente, pelas caries do colo, as erosões, os granulômas e abcéssos peri-apicais, é evidente, e a propagação da infecção se processa por vias diversas, como sejam: pelo osso esponjoso do paladar, que se contínua sem interrupção com a lamina perpendicular e com o vomer, pela via linfatica e sanguinea, ou pelo canal naso-palatino ou palatino anterior, sendo que a via ossea seja a mais aceitável dadas, as conexões existentes.

Quando uma infecção dentária atinge o ápice, e determina um granulômas ou um abcésso, fatalmente, o osso sófre e se altera, e a necróse produzida na sua camada fina e esponjosa, e, vencida a cortical, atinge a infecção a base septal, atacando o periostio e o pericôndrio, constituindo-se dêsse modo o abcésso, e Ruppe afirma que, os abcéssos dos incisivos centrais, se exteriorizam, sempre, muito perto do septum.

As complicações mais comuns, são as locais, como sejam: perfurações do septum e queda do nariz; e as gerais: meningites, abcéssos cerebrais, tromboflebite dos seios cavernosos, osteomielite dos ossos cranianos, etc, de gravíssimas consequências vitais.

Em geral, o pús dos abcéssos do septum, de origem dentária, é horrivelmente fétido, pela sua flora bacteriana variada e com alta percentagem de anaeróbios.

O tratamento dos abcéssos do septum, de qualquer origem é cirurgico e varía com cada caso. Os hematomas supurados curam-se, quasi sempre, com a simples abertura dos mesmos; nos casos em que ha pericondrite e esfacelo da cartilagem, alem de levar mais tempo para a cura, necessita de cuidados especiais, como todo abcésso: abertura, drenagem, etc., e a cura se processa, mais ou menos, em 15 dias.

Mezel, preconizou um tratamento a que deu seu nome, e que consta de: abertura e inspeção, curetagem e extração dos pedaços de cartilagem e osso, e tamponamento igual ao que se pratica nas operações de desvio do septum, serrado e bilateral. Hajek considera esse metodo, como contrario á todas as regras banais da cirurgia: caretagem dos abcéssos, ausencia de drenagem, e tamponamento nasal, opinando serem manobras repreensíveis, que expõem aos mais temíveis acidentes, facilitando a propagação dos gérmens purulentos para a lamina cribrom do etmoide.

OBSERVAÇÃO

J. P. N., com 17 anos de idade, brasileiro, pardo, solteiro, residente em Santa Maria. Ficha 25.484.

Conta que ha alguns meses vem sofrendo de fortes dôres de dente, no incisivo central direito, o qual tem uma vasta carie em sua face anterior, logo abaixo da gengiva; depois de algum tempo, começou a ficar com o nariz entupido, e a ter dôres, tambem, no nariz, e cabeça, e a ficar cada vez mais abatido, a ponto de ter de guardar o leito por una dias. , Pouco a pouco, ficou com obstrução nasal completa, e depois de curtir dôres intensas no nariz, e de ficar com o labio superior muito inchado, rebentou para dentro da bôca, saindo um pús muito fétido. Com esse fato, aliviou-se por alguns dias, e, logo depois começou a crecer de novo, e a tapar-lhe outra vez o nariz.

Veio, então, á consulta. Ao exame constatou-se um enorme abcésso do septum, fistulisado para a bôca, na região do freio labial.

Resolvida a operação, aproveitamos a perfuração bucal, e fizemos uma incisão larga, por onde drenamos o abcésso; depois, fizemos a abertura na mucosa nasal, examinamos o abcésso e colocamos em sua cavidade, pele incisão bucal um dreno de gaze.

No nariz, colocamos um tamponamento de gase frouxa, e somente na região anterior.

A cura se processou em um mês, pois a drenagem bucal, foi interrompida poucos dias depois, e continuamos a faze-la pela abertura nasal. Fizemos, além disso, vacinas antipiogena, e, prescrevemos Rubiazol por via bucal.

A cartilagem se esfacelou e foi retirada em fragmentos. A parte ossea ficou intacta. Não houve complicações.

BIBLIOGRAFIA

MANGABEIRA ALBERNAZ - L'abcès odontogène du septum nasal Ann. d'Oto-laryngologie, pg. 302-308. Bibliografia. WORMS, G. - Abcès chaud de la cloison nasale d'origine dentaire. Soc. de Laryng. 14 Déc. 1927. Arch. Intern Laryng. pg. 338. LEMAITRE - Discussion. Soe. Laryng. 14 Déc. 1927.
HELSMOORTEL JÚNIOR - Abcès du septum du nez d'origine dentaire. 37. Congrès Belgede O.R.L., 1931.
HELSMOORTEL JÚNIOR - Abcès du septum d'origine dentaire. J. Belge d'O.R.L. Revue de Laryng., 1931.




(*) Trabalho apresentado ao I.o Congresso Brasileiro de Oto-Rino-Laringologia, realisado no Rio de Janeiro de 2 a 9 de Outubro de 1938.
Indexações: MEDLINE, Exerpta Medica, Lilacs (Index Medicus Latinoamericano), SciELO (Scientific Electronic Library Online)
Classificação CAPES: Qualis Nacional A, Qualis Internacional C


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